domingo, 30 de maio de 2021

Análise: por trás da CPI, os sigilos


        Apesar de muitas tentativas de desestabilização e descrédito, a CPI até o momento está sólida. Graças a Randofe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros, em surpreendente ação republicana, defeitos pessoais e políticos à parte.
        O presidente da CPI Omar Aziz tem tido civilidade; o relator Renan, firmeza e persistência; e o vice-presidente Randolfe, desarme. Graças a eles e alguns colegas, a era Bolsonaro entra para a História como representante de um governo contumaz em mentira, negacionismo e corrupção.

Sigilos envolvendo militares
        Enquanto rola a CPI, se desenrola outra linha de fatos em paralelo, à revelia da atenção da maioria da patuleia, mas agora vazada. São sigilos determinados pelo governo em pautas envolvendo militares, como o fim real da viagem a Israel, o destino de Pazuello, as reuniões paralelas e até a estranha "motociata" no Rio de Janeiro.
        Os sigilos soaram estranhos aos desavisados, mas não surpreende. No Brasil, assuntos militares sempre se carregam na surdina. Mesmo na Comissão da Verdade (2012), boa parte dos documentos da ditadura foi segredada. Com exceção do falecido Ustra, nenhum torturador foi condenado. Até hoje.
        Na viagem a Israel, em que a comitiva visitou o Museu do Holocausto onde Bolsonaro repetiu a aberração de que nazismo é de esquerda1, houve especulações sobre o spray nasal de cloroquina - um artifício que chegou a ser empregado por aqui, com resultados fatais covardemente banalizados.
        Na viagem a Israel, após muito se falar daquele spray nasal, a geral começou a desconfiar de fake news, mas ninguém descobriu nada. Só depois se soube que outros assuntos foram conversados, porém, o governo fez mistério, até que foi decretado sigilo ate 2035.
        O que já dá pistas de que algo nada alvissareiro foi abordado como objetivo central da viagem, por trás ou a reforçar temas que testariam a força do olavismo e do neopentecostalismo - Malafaia estava junto a Ernesto Araújo, Hélio Negão, Eduardo Bolsonaro e o general Augusto Heleno na comitiva.
        Este blog já explorou sobre as intenções do neopentecostalismo na era Bolsonaro, e essa viagem confirma as aspirações do governo em conceder a essas igrejas decisões de Estado, inclusive interferir nas decisões do STF que "atentem" contra a sua moral - um atentado à laicidade, mas esta nunca pode ser plena mesmo.
        Aa reiteradas contradições em que Pazuello se meteu, em depoimentos na CPI, e a participação na polêmica motociata de 23/5, que fez o Corona indiano dar voltinhas na zona sul carioca, causaram mal estar no Exército, que queria punir o general por este ser da ativa. Mas Bolsonaro interferiu livrando o ex-ministro de punição.
        Uma interferência que pegou mal na cúpula das FFAA que, diferente do que se pensa, não tem as intenções golpistas do presidente, O código disciplinar das FFAA veda a militares participação política direta, salvo se for da reserva. Pazuello é punível, por participar da motociata, ato político puro.
        Aonde está o sigilo desse assunto? No que nesse momento ocorre entre a cúpula das FFAA. O que ela vai decidir, sobre Pazuello ou as intenções de Bolsonaro, ninguém sabe. Reina a incerteza.
        Vale ressaltar terem sido declaradas sigilosas as ações da PM cearense em episódios violentos, inclusive o caso Cid Gomes; e as mortais "operações" policiais em comunidades do Rio metropolitano, em especial após as visitas de Bolsonaro ao Palácio Laranjeiras na calada da noite.

Em paralelo... (e uma reflexão final)
        Não deixam de ser sigilosas as ações ocorrentes na Câmara, em especial no tocante a assuntos de relevante interesse da população, como as reformas ultraneoliberais de Guedes, o homeschooling, o retorno do texto que veta demarcação de terras indígenas, e a PL que derruba licenças ambientais.
        O segredo não está no trâmite dessas propostas, mas no teor dos textos, cujo impacto sobre Estado e destino da população e do meio ambiente ainda desconhecemos na íntegra, a poder se materializar se elas forem promulgadas. A mídia critica o governo na questão indígena, mas não explica motivos.
        O reflexo maior dessa natureza sigilosa se mostra na falta de destaque sobre as mesmas nas mídias. A mídia da casa grande rasga de elogios as reformas de Guedes, evitando mostrar suas intenções para a população. As mídias opositoras até fazem seus alertas, mas não têm crédito amplo da geral.
        Quem mais se informa a respeito são representações da sociedade civil e entidades sindicais que, atualmente pouco creditadas, movem apenas uma parcela da patuleia, resultando em manifestos bem segregados: temas dos povos originários e culturas tradicionais atingem mal a geral ampla.
        O caso indígena é relevante: para facilitar a vedação de novas terras e a penetração de empresas nas existentes para explorar os recursos, o governo articula com missões para evangelização em ampla escala. Isso explica porque a Funai está infestada de pastores e milicos, mas só soubemos após tudo ter sido feito por baixo dos panos.
        Mesmo sem envolver (até prova em contrário) líderes religiosos, a atuação de Salles ao exonerar delegado da PF no Amazonas encarregado de investigar exportação ilícita de recursos florestais e, no Ibama, substituir seu diretor por um milico para facilitar a exploração predatória, também foi sigilosa, até o STF explodir a coisa.
        Assim o governo tem executado as suas ações, com maestria. Resta aos oponentes saberem ter os seus segredos para fazerem o seu jogo com o objetivo final de dar o definitivo fim à carreira política de Bolsonaro.

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Imagens: Google (montagem: autoria do texto)

Notas da autoria
1. Bolsonaro foi contradito pelo próprio curador do Museu Yad Vashen (Holocausto) que o corrigiu: o nazismo é movimento de extrema direita.

Para saber mais:
https://www.dw.com/pt-br/bolsonaro-encerra-visita-a-israel-com-absurdo-sobre-nazismo/a-48171202
https://www.monitordooriente.com/20210325-israel-bolsonaro-e-pacto-de-morte-nao-de-vida/
- https://www.band.uol.com.br/noticias/governo-nao-fez-acordo-por-spray-nasal-de-israel-dados-ficarao-em-sigilo-ate-2036-16349141


        

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Análise: o escravismo não acabou 


        Em nossas passagens na escola, aprendemos que a princesa-regente do Brasil, Isabel, assinou em 13/5 de 1988, a Lei Áurea1, que decretava oficialmente o fim do sistema escravista no país. Oficialmente: ela criminalizou o sistema.
        A criminalização do escravismo como sistema se mantém até hoje, um legado vivo da Lei Áurea nas leis modernas, graças às quais o Brasil desenvolveu um conceito de trabalho escravo ou análogo à escravidão q se tornou internacionalmente respeitado.
        Esse respeito internacional do nosso conceito se tornou referência a definir o escravismo moderno. O que faz peno sentido pelo fato deste ser uma realidade indigesta da atualidade, mesmo após tratados e mais tratados a eliminar mundialmente o sistema.

O 13 de maio "ontem" e hoje: breve reflexão histórica

        A mídia dominante nunca se preocupou em pautar o escravismo moderno como tema de alcance grande. Geralmente as reportagens são muito pontuais, insuficientes para despertar na geral absorta em compromissos e na distração, necessária atenção. As mídias de esquerda divulgam mais, mas não têm bom ibope.
        Na Velha República, 13 de maio era dia comemorativo, de engrandecer a Lei Áurea. Foi de certa forma merecido, pois se dependesse da elite da época, o escravismo seria um sistema intocável até hoje. Na democrática era JK, a imprensa dominante babava ovo para a indústria pujante de SP e RJ. Para a imprensa, JK foi tão xodó quanto FHC.
        Talvez na breve era Jango tenham escrito algumas poucas linhas, dada a política agrária que se esboçava em Brasília. Mas aí veio o golpe da ditadura militar, quando a mídia dominante passou a entreter a geral com futilidades, esportes, receitas culinárias e novelas para encobrir a escrotidão que marcou o regime.
        No período Sarney-Collor, as matérias sobre trabalho escravo no campo eram raras, reportagens investigativas mostradas em rede nacional em locais denunciados. A partir da era FHC, houve ligeiro crescimento de denúncias de trabalho escravo no campo. 
        Mas foi com os movimentos negros, que ganharam força com as comemorações de 13 de maio, que deram novo significado simbólico ao 13 de maio, aliando-se às denúncias citadas, transformando-o num dia mais de luta do que de comemoração. Tal aliança se tornou nítida no petismo.
        Essa amarra se tornou mais forte no petismo, pois foi nessa era que foram demarcadas mais terras indígenas e quilombolas e áreas de preservação ambiental permanente. E E foi nessa era que o tema de trabalho escravo se estendeu às cidades2, também por denúncia e investigação.
        Um exemplo digno de nota na abordagem desse tema é a blogosfera UOL do jornalista Leonardo Sakamoto, por sua vez um especialista na área com passagens em vários países. A última reportagem a abordar o tema no Brasil foi divulgada na blogosfera de Sakamoto em 13/5.
        Ainda assim, como já mencionado, a mídia dominante não dá ao tema a merecida relevância, que se torna uma luta obrigatória dos movimentos negros, quilombolas e até indígenas - minorias alvos de desprezo do sanguinário governo Bolsonaro.

Reflexão final: 13 de maio, dia de luta

        Os movimentos negros (quilombolas ou não), indígenas e outras minorias são responsáveis, em grande parte, por importante mudança no olhar sobre o significado da Lei Áurea, considerando-se a perspectiva do contexto moderno.
        Surge uma perspectiva reflexiva, que de modo algum retira da Áurea o legado de abrir portas para a futura e definitiva criminalização do escravismo e surgimento de vínculos contratuais de trabalho em acordo com as diretrizes de leis de direitos e deveres trabalhistas, como a CLT.
        O que surge é a nova reflexão sobre os novos contratos trabalhistas em relação aos direitos, após a descaracterização da antiga CLT, que na desculpa de desburocratizar e flexibilizar, tornaram vínculos antes sólidos em frágeis, burocráticos e com brechas que na prática penalizam os trabalhadores.
        A sindemia de C19 revelaria muita coisa além de muitas empresas fechadas por falta de ajuda do governo. Denúncias de demissão com desfalques indenizatórios e assédio moral/ sexual aumentaram muito desde o reforço à flexibilização da lei trabalhista. Assédio é herança daqueles tempos obscuros.
        A fragilidade da fiscalização atesta o esgarçar crescente dos vínculos trabalhistas a forçar a quase legalização do escravismo moderno. Até hoje não se findou a grave violação sobre a infância nas carvoarias no interior do Brasil.
        Vale enfatizar, novamente, que o escravismo moderno, que não escolhe cor de pele, mas a miséria que empurra milhares para a ilusão de comida e sustento à família, é uma grave violação de direitos humanos que desafia a lei e a justiça por conta de interesses do capital. Seus detentores acham ótimo como está: rende muito mais.
        Mas há um alento: a relevância contra o escravismo moderno no país cresce, mesmo lentamente. Grandes grifes de moda e acessórios têm sido denunciadas e obrigadas a registrar os trabalhadores, não importa se estes sejam brasileiros ou imigrantes. 
        E atestam que, tal como 1 de maio, o dia 13 também é dia em que ainda há muito para se lutar.

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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Sobre a Lei Áurea e seus reflexos pela falta da construção de perspectivas, foi analisado em artigo anterior neste blog.
2. Submissão de imigrantes bolivianos, haitianos, venezuelanos e outros a trabalho escravo em oficinas de costura de marcas de grande porte, principalmente na grande São Paulo.

Para saber mais
-  https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/03/reflexao-escravismo-moderno.html (da Lei Áurea à uberização)
- https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/08/29/moda-escrava-setor-textil-e-o-que-mais-recruta-mulheres-em-sao-paulo.htm#:~:text=Dados%20do%20aplicativo%20Moda%20Livre,escravid%C3%A3o%20no%20Brasil%20desde%202010.
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/05/13/resgate-de-escravizados-com-covid-19-marca-133-aniversario-da-lei-aurea.htm

         

domingo, 16 de maio de 2021

Análise: CPI e jogo espúrio paralelo


        Estamos numa época que corresponde a pleno outono, mas pelo visto maio está um mês bastante quente. Não na temperatura climática natural - que em alguns lugares ainda está alta e ar seco -, mas na esfera sociopolítica mesmo.
        Uma causa importante para o clima quente que impera em Brasília é o Corona. Este surgiu mesmo para valer, tremer as estruturas sólidas e revelar as podridões submersas. Algumas destas sem nada a ver com o vírus, mas correndo em paralelo à revelia da atenção alheia. 

CPI da C19
        A CPI da C19 foi tratada em artigo anterior, a princípio como uma verdadeira encomenda da oposição, já que a sua autoria é de um conhecido opositor de Bolsonaro, o jovem, mas experiente senador Randolfe Rodrigues, com aprovação unânime pelos ministros do STF.
        As ameaças do presidente poderiam, talvez, intimidar certos parlamentares, mas não Randolfe, que se viu mais estimulado ainda na sua determinação de seguir em frente naquilo que Jair considerou como uma guerra contra ele.
        Mas, na verdade, o maior inimigo de Bolsonaro é Renan Calheiros (MDB-AL), que tem visível contrariedade com o necropolítico e cuja sagacidade política pode, sim, ameaçar continuidade de sua carreira política. Daí a fracassada liminar contra a relatoria de Renan.
        Renan se entusiasmou: se referenciou no depoimento do ex-MS Mandetta para inquirir Teich e, com a descarada borrada de Pazuello, partiu para cima do atual Queiroga, que não difere de Osmar Terra em caráter, sobre a posição em relação ao tratamento precoce da C19.
        Inquirindo e desmentindo1 o ex-Secom Wajngarten, Renan foi xingado de vagabundo pelo colega Flávio Bolsonaro, e prontamente devolveu chamando-o de ladrão. Seguiu-se um pequeno incêndio, e a sessão foi encerrada pelo presidente da CPI, Aziz, que se borrou um pouco em nome de Bolsonaro.
        Vagabundo vai ser a palavra da moda para os bolsominions xingarem todos os não-Bolsonaro, que só por isso são considerados comunistas ou petistas - a mesma coisa para eles. Para eles, vagabundo é só mais um sinônimo no confuso dicionário bolsominion.
        A patuleia temeu por nova pizza, mas logo a CPI retomou com o grande depoimento do executivo da Pfizer, Carlos Murillo, que participou das reuniões com o MS e confirmou as presenças de Carlos Bolsonaro, Wajngarten e Felipe Martins nas mesmas. Renan tomou nota da ferroada.
        Enquanto isso, Ricardo Lewandowsky, ministro do STF, concedeu habeas corpus para o ex-MS Pazuello ficar calado na CPI. Juridicamente faz sentido, pois ele está como investigado em 11 fatos. Mas, como disse Renan, "o silêncio é uma confissão de culpa", como reza o dito popular "quem cala, consente". 
        Mostrando a que veio, Renan protocolou recurso contra a concessão, que agora vai para votação nas duas turmas do STF. Analisando friamente a situação de Pazuello, se ele se cala, se expõe; se fala, está seriamente vulnerável. Será que Wajngarten e Queiroga estão na mesma situação, para justificar seus enroscos na CPI?
        Detalhe: para acalmar os ânimos, Lewandowsky fez nova decisão de HC, desta vez parcial, em que Pazuello pode silenciar sobre si, mas não sobre Bolsonaro. Ele irá depor em 19/5.
        A CPI interrogará outros nomes no enrosco como Nise Yamaguchi, o ex-ministro Ernesto Araújo, Dimas Covas (diretor do Butantã), Fernando de Castro (União Química), Nísia Trindade (Fiocruz), e Mayra Pinheiro (sec. Gestão-MS), para dar informes sobre a dinâmica da coisa.
        De Covas, Castro e Trindade se espera certa tranquilidade. Já dos demais, não se garante.

E em paralelo...

"Reformas" de Guedes
        Enquanto o cabaré da CPI pega fogo, o ministério da Economia continua o seu trabalho incessante no submarino. O ministro Paulo Guedes está só sorriso, por ter sido beneficiado com aumento de 69% em seu gordo salário - fora os auxílios e outras mordomias.
        Mas, antes dessa notícia do aumento, o trabalho de Guedes já fluía no Congresso, através das suas reformas em trâmite desde bem antes. Vários de seus projetos foram aprovados pelo Congresso e já vigoram, com consequências visíveis sobre quase toda a população.
        Outras tramitam ainda no Congresso, em análise ou aprovadas em parte. Entre elas, as privatizações de estatais como a Eletrobrás e, em fatias, Petrobrás e Correios, bem como, entre as reformas, se destacam agora a tributária e a administrativa.
        Reparem que todas as suas "reformas" (entre aspas, pois não têm o sentido positivado pela mídia da casa grande) são propositalmente propostas de emendas à Constituição (PECs), porque o ministro desde o início do governo defende uma nova Carta Magna. Soa estranho, mas faz sentido em 2 pontos.
        Porque Guedes vê na Constituição de 1988 artigos que supostamente impediriam a alavanca do desenvolvimento econômico e sustenta uma prerrogativa de Estado "muito inchado", na visão da mídia da elite e do mercado. Inchaço esse que sabemos ser falso quanto cédula de R$ 500.
        Porque Guedes carrega em seu CV sua passagem pelo Chile do sanguinário Pinochet, para quem trabalhou na área econômica. Ele várias vezes propagandeou a reforma previdenciária em 2019, se referindo ao Chile como "a Suíça da América Latina", um suposto modelo de "Estado moderno".
        Tão minimizado que até hoje a mídia da casa grande omite a realidade popular chilena diante da substituição do Estado por entes privados nos serviços essenciais e benefícios sociais, sustentando a mentira de suposta renda per capita de níveis europeus que apenas uma estrita casta de lá possui.
        Contrariando a maioria dos brasileiros, a "reforma" da previdência foi promulgada em novembro de 2019, sem consulta do governo e dos parlamentares à população. Aliás, foi Guedes que deu a ideia de o governo decretar a extinção de mais de 100 conselhos populares ainda em 2019. 
        A PECem trâmite na Câmara é a administrativa, que afeta os servidores em geral. Após publicizar sobre a "modernização do Estado em respeito ao teto dos gastos", Guedes foi lembrado por deputados de suas depreciações mentirosas aos servidores públicos, excessos do governo, cortes na saúde, C&T e educação, doações trilhonárias aos bancos e de a C19 não ser momento de se discutir reformas.
        Guedes diz que a proposta visa acabar com privilégios da elite do setor público (milicos, auditores fiscais, desembargadores, juízes e outros) e novos servidores. Mas, já devíamos aprender que a real é o rumo contrário das falas do ministro: os alvos são os de baixo e médio escalões.
        Essa proposta é muito criticada em vários pontos: basta seguir o contrário da fala de Guedes. Se publiciza que ela atingirá a elite, mas já se sabe que esta (milicos, auditores fiscais, desembargadores, juízes e outras categorias de alto escalão) não será atingida.
        A ansiedade de Guedes para aprovarem suas propostas também repousa na possibilidade de a CPI da C19 ferrar de vez Jair Bolsonaro, a um ano e meio das eleições de 2022. Se Bolsonaro cai, também cai a sua cabeça e as suas PECs. Aí, a mídia da casa grande não poderá mais poupá-lo.

Orçamento secreto
        Enquanto isso, em meio ao cabaré da CPI em fogo no Senado, vaza na internet e bomba nas redes notícia de orçamento secreto do presidente Bolsonaro. O vazamento fez morrer, a princípio, a natureza secreta do orçamento em torno de R$ 3 bilhões - é o que sabemos.
        A notícia indignou até quem votou em Bolsonaro para "tirar o PT": se não tem grana para ajudar pobres e MPEs, universidades que ameaçam parar, compra de vacinas e reforço à saúde em geral, como surgiu tanto dinheiro para o "orçamento secreto"? Spoiler: a pergunta também vale para Guedes ter trilhões em grana pública para a ciranda financeira.
        O vazamento expõe a relação espúria entre Bolsonaro e o Centrão comandado por Arthur Lira: a grana será rateada entre os parlamentares. Só o citado ficha corrida embolsará mais de R$ 75 milhões. As más línguas apontam até alguns opositores na ciranda, mas ninguém cita nomes. E há senadores na boquinha.
        A razão dessa nova boquinha seria o reforço de proteção política na Câmara ao presidente, com o progressivo rumo tomado pela CPI da C19. Pois na Câmara a Oposição colhe assinaturas para formar uma CPI para chamar de sua, a Comissão Externa Sobre Ações Preventivas ao Coronavírus.
        Não bastando isso, por decreto Bolsonaro aumentou seu salário em 6%, e dos seus ministros em 69%, segundo sabemos. Como se os salários dessa turma já não fossem gordos. Ok, o teto dos gastos só funciona para os que pagam impostos escorchantes para sustentar toda a mixórdia sem contrapartida.
        Um ponto que parece interessante é que o orçamento bilionário foi chamado de "tratoraço", em alusão aos tratores adquiridos por valor mais de 200% superfaturado, envolvendo a Cooperativa de Desenvolvimento do Vale do Rio São Francisco (Codevasf).  

PL da licença ambiental
        Se lembram daquela reunião ministerial de 22/4/2020, na qual o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles fez a sua famosa declaração de "fazer passar a boiada" enquanto a patuleia volta as suas atenções para a tragédia da C19 em formação? Pois é. 
        É justamente nesse momento que a patuleia está agora atenta à tragédia da C19, agora mostrando a cara do genocídio com mais de 430 mil mortos, que se noticia a tramitação da PL da licença ambiental na Câmara. Ela foi elaborada pelo punho do próprio ministro que, aliás, é um dos diletos do presidente Jair Bolsonaro. 
        Ela encontra forte apoio entre duas bancadas importantes, a do boi (ruralista) e a empresarial (formada por empresários ou representantes de empresas do setor extrativista, que desejam explorar, para objetivos macroeconômicos, a região ainda intocada das terras públicas ocupadas pelos grandes biomas.
        Esses setores poderosos sustentam a velha desculpa de que a "lei de licença ambiental embarga o desenvolvimento econômico", para justificar seus investimentos sem qualquer entrave à ocupação das regiões ricas em recursos diversos, exploradas apenas pela atividade de subsistência dos nativos.
        Aliás, povos originários e tradicionais são vistos por Salles como problemas a serem resolvidos. Não por acaso, ele cobrou dos EUA US$ 1 bilhão na desculpa de "salvar a Amazônia" - na verdade, formar com esse dinheiro milícias nessas áreas. Sabemos que o termo milícia tem, literalmente, mau sentido.
        Só a patuleia que atua na área ambiental, ambientalistas e indígenas têm consciência desta PL e de seu trâmite, tendo uma decepção: ela foi aprovada na CCJ. Apesar da decepção e temor, não surpreende: a maioria da CCJ é constituída é gente das citadas bancadas e é presidida pela bolsominion Bia Kissis.
        A maioria dos brasileiros tem consciência ambiental muito limitada, por motivos óbvios e mais um pouco, se impedindo de se informar e acompanhar a realidade da nossa política ambiental. E totalmente nula é a ciência popular sobre a biografia, a índole e o caráter de Salles. 
        Graças à índole e ao caráter, que o condenaram por fraude ambiental no governo de SP na gestão Alckmin - e cumpria sentença quando foi nomeado como ministro, num ato ilegal -, Salles representa muito bem a política doentia de Jair Bolsonaro, ajudando o genocídio com ecocídio recorde.

Reflexões finais
        O conjunto dos fatos ocorre num momento um tanto inoportuno para um Brasil atravessado pela tragédia da C19, fome, miserabilização crescente, ataques sistemáticos a grupos sociais e patrimônios mais vulneráveis, perda de direitos fundamentais e até recuo da economia e da expectativa de vida.
        A CPI foi considerada inoportuna por gente do governo, como fanático apoio dos bolsominions fantasiados que, em coro, se aglomeraram num ato em Brasília, observados por Bolsonaro sem máscara confortavelmente do helicóptero presidencial.
        A essa gente do governo, a resposta da maioria: inoportunas e desnecessárias, para não se dizer criminosas, têm sido as ações governamentais que levam o Brasil a rolar abismo abaixo. Inoportuno também é o apoio fanático dos bolsominions com flagrante insensibilidade frente à tragédia.
        Ações essas que, diga-se de passagem, têm sido crimes flagrantes e perfeitamente evitáveis. Não, a CPI da C19 não é inoportuna, e sim um contraponto tardio ao genocídio em curso. Tardio, mas pelo menos, o último recurso até o momento viável para dar fim ao caos.

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Imagens: Google

Notas da autoria
1. Wajngarten mentiu, ao negar que comunicou com Carlos Bolsonaro, e a participação deste nas reuniões com executivo da Pfizer que compareceu para depor. Renan chegou a pedir a prisão de Wajngarten pelas mentiras. Então, Flávio xingou.


domingo, 2 de maio de 2021

Análise: 1º de maio, um dia de muita luta


        Quando fora estabelecido o Dia Internacional do Trabalho, muitos comemoraram. A condição de feriado não é, portanto, exclusiva do Brasil. É uma data comemorativa, portanto. Bem, assim a geral deve pensar - por ser feriado, mas sem diferença se cair num sábado ou domingo.
        A mídia da casa grande assim faz com que pensamos. Mas, por trás desse dia, saiba que muita luta rolou. E, para isso, surge essa análise singela que merece reflexão de todos. Para compreender melhor esse dia, vale saber de seu histórico e as perdas e possíveis ganhos dos trabalhadores.

Breve histórico de um dia de luta

        Antes da Revolução Industrial, o trabalho rural era o grande motor da economia, complementado pelos chamados ofícios (serviços diversos) concentrados nas cidades. Então não se pensava em lutas trabalhistas, embora houvesse revoltas sociais famélicas como a Revolução Francesa (1789-99).
        Atraindo levas de jovens para as cidades, a Revolução Industrial consolidou as relações de classe no capitalismo e suas consequências históricas já conhecidas. Aí vieram Marx e Engels a fazer entender a luta de classes, fertilizando as primeiras revoltas populares por sua valorização pelo patronato.
        Daí se entende porque os proletaristas do PCO e PSTU1 atrelam a luta dos trabalhadores ao chão das fábricas. E é pelos fatos acima, culminados pelo clima marxista-engelista, que na Europa surgiu a ideia de se criar um dia comemorativo para os trabalhadores.
        Mas foi em Chicago (EUA) que surgiria a data, graças a um manifesto grevista por condições melhores de trabalho, como diminuição da extenuante jornada diária de 17 para 8 horas, uma vez que havia muitos acidentes de trabalho, adoecimentos e mau desempenho por falta de descanso.
        O  citado manifesto, que resultou em prisões e mortes de trabalhadores em um confronto com a polícia, ocorreu no dia 1º de maio, em 1886, e inspirou milhares de manifestos futuros no mundo todo, até no Brasil, onde após um manifesto operário, ganhou o feriado em 1925, assinado pelo presidente Arthur Bernardes.

Conquistas e lutas
        Poucos anos após superar as mazelas da I Guerra Mundial (1914-8) e a gripe espanhola (1918-20), o mundo viveria a Grande Depressão Econômica (1929-32), que quebrou bolsas de valores alastrando fome e miséria por todo lado. O remédio foi o New Deal, do presidente Robert Roosevelt (EUA).
        O New Deal foi um pacote amplo e calculado de medidas econômicas e de direitos sociais, que contribuiu muito na restauração da empregabilidade e poder aquisitivo. Os direitos trabalhistas nele listados inspiraram, junto à Carta de Lavorno italiana (um correlato), a criação da CLT.
        A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi a primeira lei trabalhista brasileira a regulamentar direitos e deveres de patrões e empregados. A classe patronal não teve prejuízos. Mesmo festejada na época, a nova lei não apagou o fervor dos movimentos de 1º de maio por melhores condições laborais.
        A CLT então regulamentou jornadas semanais de 44 a 48 horas, devido à indústria como crescente atividade econômica, e tampouco contemplou na insalubridade, que até hoje é importante fator para manifestos reivindicantes de medidas compensatórias. 
        A insalubridade é ambiental (má ergonomia2 das instalações laborais) e social (desmotivação por assédios). Historicamente, muitas repartições públicas brasileiras têm improvisos ambientais devido ao sucateamento pelos governos, e assédios marcados por relações de poder, tornando-se insalubres.

Após as conquistas, muitas perdas por aqui
        A Constituição de 1988 regulamentou a jornada geral de 40 a 44 horas, exceto para profissionais especiais expostos a risco químico-físico3. Todavia, empresários sempre desrespeitaram alguns dos direitos trabalhistas financeiros, com dores de cabeça judiciais posteriores.
        Quase no ano 2000, o então presidente FHC fez uma primeira reforma nas relações produtivas, na qual constava, sem prejuízo dos direitos dos empregadores, a participação dos empregados nos lucros das empresas. Algo que, na prática, não decolou a contento, nem minou processos judiciais.
        Diante desse quadro, em 2017 entrou em vigor a PEC da Reforma Trabalhista, que eliminou mais de 100 artigos da antiga CLT relativos aos direitos dos trabalhadores, transferindo a estes o fardo de pagar as custas judiciais, com grandes chances de causa perdida.
        A "nova CLT" foi amplamente festejada pela classe patronal, na alegação de terem se livrado da "burocracia que emperrava as empresas". Realmente havia burocracia, mas não fechou empresas. A burocracia residia mesmo em demissões, que antes dava risco de prejuízo ao patronato.
        Eles também festejaram a facilidade de fraudar direitos indenizatórios dos demitidos, graças a um relaxamento na legislação trabalhista imposto por Paulo Guedes, ministro de Bolsonaro, na alegação de "desonerar as empresas". Era a flexibilização ainda maior no que restou da CLT.
        Só se for bancos e grandes grupos transnacionais, que ganharam ainda mais com a sindemia de C19, em meio à qual milhares de MPEs4, que empregavam grande parcela da patuleia, fecharam as portas, desprezados pelo Governo, que não lhes concedeu créditos.
        Tudo isso foi uma derrota enorme para os trabalhadores, a começar, no início da era Bolsonaro, com o fechar de portas do Ministério do Trabalho e da Justiça do Trabalho, colocando a vida do povo no extremo risco da perda de direitos trabalhistas fundamentais.

Considerações finais

        Muitos pensam que o contrato por uberização (empregados formais como autônomos) é tendência global do mercado de trabalho, por ser, na linguagem dos fósseis neoliberais, o "ideal" para haver "maior liberdade contratual" nas relações de trabalho.
        Daí haver uma mudança na linguagem: não são mais tratados como empregados na verdade, e sim como "empreendedores", por sua condição autônoma. Doce sabor da ironia: as cláusulas contratuais, bem na prática, são bem impositivas, e o ganho é frequentemente inferior ao salário mínimo. 
        Vários dos direitos trabalhistas fundamentais, pétreos pela Constituição, se perdem nesse formato: férias, 13º salário, e até de se aposentar. O menor deslize é motivo de desligamento sem indenização alguma. 
        Não por acaso, alguns trabalhadores conformados apontam o 1º de maio no jargão burguês "dia do trabalho", numa contradição jogada contra si mesmos. E isso se torna mais um dos tantos motivos acumulados para uma continuada luta de classes, e pela recuperação de conquistas conseguidas outrora com muito suor, sangue e dor.
        Dia 1º de maio não é do trabalho, pois o jargão burguês homenageia o empresário em detrimento da força propulsora do negócio. Esse é o dia de toda a classe trabalhadora, da classe que produz. E não é um dia para ser comemorado, é o dia de partir, mais do que nunca, para a luta.
        Que a luta seja demorada, mas com a luz da vitória no fim do túnel.

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Imagem: Google

Notas da autoria
1. Partidos brasileiros da Causa Operária e Socialista dos Trabalhadores Unidos, proletaristas leninistas.
2Características relativas à segurança ambiental e mesmo ao conforto corporal para evitar, respectivamente, os acidentes e doenças ocupacionais.
3Jornadas semanais de 24 a 30 horas, minimizando a exposição a produtos químicos tóxicos e radiação ionizante.
4. MPEs = micro e pequenas empresas.

Para saber mais
- http://sindpdrj.org.br/portal/v2/2014/04/30/dia-do-trabalhador-saiba-como-surgiu-o-feriado-do-dia-1o-de-maio/#:~:text=A%20data%20surgiu%20em%201886,tamb%C3%A9m%20decidiram%20parar%20por%20protesto.
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_do_Trabalhador
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/12/ecos-atuais-da-reforma-trabalhista-2017.html
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/03/reflexao-escravismo-moderno.html



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