sábado, 31 de julho de 2021

Análise: Agricultor à moda Bolsonaro


        Um costume comum em países como o Brasil é o de se escolher um dia especifico para homenagear diferentes tipos de profissionais, como o do professor, da secretária, do servidor público, do médico e assim por diante. Não saiu diferente para o agricultor, cujo dia se comemora em 28 de julho.
        A Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro então publicou a sua homenagem ao produtor rural com direito a um discurso do presidente. Em seguida, o presidente postou essa publicação no seu Twitter, logo chamando a atenção da geral, pela ilustração do vulto de homem de perfil portando um rifle.
        Essa ilustração foi o bastante para causar repercussão nas redes sociais a partir do próprio Twitter, depois no Instagram e no Facebook. Foi uma saraivada de comentários críticos porque a figura em si não retrata necessariamente um agricultor. "É um jagunço", revelaram alguns internautas.

Olhares da repercussão

        As críticas se seguiram por dois motivos básicos. O primeiro foi mais óbvio, em que a ilustração não correspondia à de ambiente agrícola; e o segundo, por motivações basicamente políticas. Também se pode mencionar uma terceira vertente, que pode ser explicada na linha psicológica. Vamos falar de cada um.
        Na escola aprendemos que Agricultura é atividade econômica abrangendo a lavoura (plantação) e pecuária (criação de gado, piscicultura, carcinocultura1, etc.), pelos latifundiários (de grande porte), cooperativas diversas2, e médios e pequenos produtores. 
        Reflexo histórico da colonização nos ciclos de cana-de-açúcar, café e criação de gado, o latifúndio hoje produz para exportação soja, milho, café, proteína animal, cana-de-açúcar e outros, e é poupado de impostos pelo governo via Lei Kandir3. A exportação o torna alvo da apologia midiática e política.
        Cerca de 70% dos alimentos provêm de produtores familiares, cooperativados ou não. E a maior produção de orgânicos da América Latina é do malvisto MST, o resto por cooperativas sustentáveis. O que a geral desconhece devido à politicagem estendida aos grandes grupos midiáticos e varejistas. Os orgânicos tão caros nos supermercados provêm das cooperativas.
        Em 2018, a Câmara aprovou a PL que restringe a venda de orgânicos no varejo por produtor rural cadastrado pelo governo, ainda não sancionada. Detalhe: a maioria dos MST é cadastrada, mas vende seus produtos apenas a pequenos varejistas específicos e feiras próprias, por pressão política.
        Bolsonaro endossou a politicagem contra o MST ao cortar recursos destinados a eles, alegando que "a propriedade privada é sagrada" e "acabará com as invasões". Aliás, ele estagnou a reforma agrária. O autor daquela PL nem precisa se preocupar mais.

A psicologia explica a ilustração: reflexões finais
        A ilustração do homem segurando o rifle na homenagem do governo gerou muitas especulações no campo psicológico. Campo esse que pode ser explicado no cunho sexual, como Freud já abordou em suas teorias, ou então na demonstração de poder dominante em dado local ou setor.
        Freud disse que objetos cilíndricos e alongados, como bengala, cabo de guarda-chuva ou cano da arma de fogo, repassam uma perspectiva sexual simbólica. Faz sentido. Se o cabo do guarda-chuva e a bengala lembram pela forma, o cano da arma já relaciona fisiologicamente ao "ejacular" a bala, tal como o "disparo" do esperma.
        A conotação com a demonstração de virilidade e de poder se revela também no comportamento de se colocar a arma na cintura, por exemplo, e sempre a mostrar o coldre aparente em certos momentos. Essa conduta é, aliás, muito observada na família Bolsonaro, em andanças nos corredores públicos.
        Aliás, em se tratando de Bolsonaro, a relação simbólica da arma de fogo com a virilidade se viu no casamento do 03 Eduardo: ele ostentava presilha de gravata em forma de fuzil, além do coldre aparente na cintura. Estranhamente, a alegação de ser delegado da PF - função nunca exercida na prática - não colou.
        Outro sentido empregado na figura do "agricultor" com rifle foi analisada por Paulo Ghiraldelli como de poder e domínio, para eliminar indesejados (indígenas, MST e outros posseiros). A arma vira instrumento de não-reconhecimento do outro e mais um símbolo negativo do agro que mata com bala e veneno.
        Esse "agricultor" armado, que caça e mata para se apossar e dominar a área, se configura como outra definição talvez narcísica dos Bolsonaro, pois se revela tal como a extrojeção da própria imagem que a família faz de si, a partir da sua mórbida fixação quase sexual por armas.
        Enfim, nessa publicação, finalmente excluída após a saraivada de críticas e chacotas, os Bolsonaro se revelaram na sua psique mórbida e caótica, passada de pai para os filhos. Uma psique marcada por narcisismo que chega ao orgasmo através da instalação do caos. A partir da arma, por qualquer um, em qualquer lugar.
        
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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Criação de camarão.
2. São áreas de produção diversa criadas por vários produtores. Podem ser patrocinadas por empresas agrárias ou não, ou por união de pequenos produtores que reúnem suas produções. As sustentáveis produzem orgânicos.
3. Lei aprovada e vigorada pelo governo FHC em 1996. É muito criticada por não abranger demais produtores até hoje.

Para saber mais
https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2018/08/mst-e-crise-agricultura-organica.html
- https://ocorreio.com.br/em-decreto-bolsonaro-muda-a-definicao-de-agricultor-familiar/
- http://www.justificando.com/2018/07/04/camara-aprova-pl-da-restricao-de-organicos/#:~:text=O%20texto%20do%20PL%20da,agricultor%20familiar%20cadastrado%20pelo%20governo.&text=Atualmente%2C%20a%20venda%20pode%20ser,mercadoria%20tenha%20o%20selo%20SisOrg.
- https://economia.ig.com.br/2021-05-10/bolsonaro-verba-mst.html
- https://www.youtube.com/watch?v=feRQGgP-XOk (Bolsonaro escancara a ordem de matar - Paulo Ghialdelli)


 

terça-feira, 27 de julho de 2021

Análise: a polêmica queima de monumentos


        Em 24/7 ocorreu nova série de manifestos populares contra as políticas adotadas pelo governo Bolsonaro e o saldo trágico a caminho de 600 mil mortos, em dados oficiais, pela C19. Como esperado, o conjunto de manifestos que ficou conhecido nas redes sociais como #24J se marcou por muito mais presença de povo do que nos anteriores, e abarcou mais de 500 cidades.
        O grande número de mortes em geral por C19 ou por suas complicações diretas em pouco tempo já se configuraria, por si, como sinal de genocídio. Soma-se isso à onda de homicídios contra indígenas em suas reservas pelos invasores e, nas urbes, contra as camadas pobres periféricas pelas forças estatais como "operações contra o tráfico", em números ainda não fechados.
        Desde o pós-ditadura nunca se matou tanto quanto na era neonazista assinada por Jair Bolsonaro. Por toda essa soma de morticínios e outras más políticas, milhares de populares foram às ruas contra seu governo. E nesse #24J, outro fato demarcou o evento: o fogo em uma enorme estátua do bandeirante Borba Gato, no bairro paulistano de Santo Amaro.
        O fogo em pneus postos ao redor da base da estátua explodiu nas redes sociais quase ofuscando as outras imagens do grande ato popular que foi, no geral, pacífico e ordeiro, respeitando os protocolos de segurança anti-C19. Mas, quem foi e por que incendiaram a estátua? Quem foi Borba Gato?

Quem foi o bandeirante Borba Gato

        Manuel de Borba Gato (1649-1718) foi proeminente figura do Brasil colônia. Foi genro de outro conhecido bandeirante, Fernão Dias Paes Leme. Nascido em São Paulo, ele se radicou em Sabará, MG, ao lado de um pequeno punhado de habitações que seria a futura capital Belo Horizonte.
        A historiografia oficial o aponta como vindo de uma família de bandeirantes, como seu pai João e seu tio Belchior, tendo deles o espírito desbravador que o levaria a descobrir mais tarde os ricos veios de ouro e pedras preciosas no vasto interior do futuro estado de Minas Gerais, onde se radicaria para o resto de sua vida.
        Após a morte do sogro em 1861, Borba Gato foi para MG, onde se desentendeu com um fidalgo matando-o, e fugiu para as matas, descobrindo veios de ouro no Rio das Velhas (região de Sabará). Viu nisso um meio de negociar perdão das autoridades, o conseguindo com êxito em 1868.
        Mostrou os veios às autoridades mineiras, se tornou lugar-tenente e, mais tarde, tenente-general do Mato com função jurídica e arrecadatória de impostos à Coroa. Comunicou os achados às autoridades paulistas, permitindo explorações nas lavras para amigos e parentes.
        Na Guerra dos Emboabas1, ele convocou a população do Arraial do Rio das Velhas, futura Sabará, para lutar contra o forasteiro Manuel Nunes Viana, via documento sobre resoluções oficiais. Vitorioso, Borba Gato mais tarde foi alçado a juiz ordinário do mesmo Arraial, até sua morte em 1718.

Polêmica monumental: obscuridade por trás do heroísmo
        As bandeiras se tornaram um dos maiores símbolos históricos brasileiros, pois o desbravamento dos bandeirantes e a contribuição na coleta de impostos levou à descoberta de muitas riquezas no vasto interior, alargando a extensão da colônia portuguesa no Tratado de Tordesilhas.
        Típicas de São Paulo, as bandeiras são vistas com certo orgulho pelos paulistas. Mas os historiadores advertem que isso se deve ao mito épico criado pela elite cafeicultora dos anos 1910-20, que se dizia descender desses desbravadores e influenciou a imortalidade deles em homenagens futuras.
        Essas homenagens se traduzem em nomes de logradouros como praças, ruas, bairros e cidades, e em monumentos. A estátua de Borba Gato tem 10m, e seu pedestal 3. Uma das ruas a contornar a praça Augusto Tortorello, local da escultura, é a Fernão Dias, também nome de importante rodovia paulista.
        Outros bandeirantes imortalizados em logradouros e monumentos são Antônio Raposo Tavares, Bartolomeu Bueno da Veiga, Jerônimo Leitão e até Domingos Jorge Velho, que em 1695 matou Zumbi dos Palmares e vários negros que tentaram resistir à captura e ao fim do famoso quilombo.
        A estátua de Borba Gato já foi atacada antes, despertando revisão historiográfica sobre a ética dos bandeirantes, que antes do mito elitista eram tidos como criminosos perversos, depredadores, piratas, assaltantes, estupradores, sequestradores, assassinos de índios e negros e escravagistas contumazes.
        O Monumento às Bandeiras e placas de logradouro com nomes de bandeirantes também foram alvos de ataques, e há projeto de troca de nomes para esses locais, mas há resistência de grupos mais conservadores hoje na esteira do bolsonarismo.
        Por trás dessa pressão estão relatos ancestrais preservados por líderes de movimentos sociais para desmascarar a ética bandeirante, então disfarçada pelo elitismo seguido pela ditadura militar, que matou milhares de indígenas e quilombolas para entrega econômica de suas terras ou capturar opositores.
        No exterior também acontece: no calor dos grandes protestos antirracistas nos EUA, os belgas derrubaram o monumento ao rei Leopoldo I devido à crueldade com nativos no Congo; na Inglaterra, um traficante de escravos do séc. XVII; na Colômbia e nos EUA, Colombo e outros colonizadores.

Reflexões finais: os significados do incêndio

        Explosiva nas redes sociais, a matéria sobre o fogo na estátua gerou muita controvérsia: quem foi o autor ou autores? Houve danos sérios ao monumento? Foi vandalismo ou ato de indignação legítima contra a ética criminosa dos bandeirantes? As perguntas parecem simples, mas, em uma análise fria e ampla, as respostas são complexas. 
        Em relação aos monumentos, há três colocações sobre os ataques: preservar pela relevância dos feitos dos homenageados; preservar para que a história não se repita; e substituir pelos memoriais em homenagem aos povos nativos e escravos, ou vítimas de crueldades históricas e atuais. 
        A primeira concorda com os conceitos elitistas; a segunda é para a pessoa ver no homenageado o seu caráter negativo para que seus feitos não sejam repetidos hoje; e a última é proposta de invocar novo olhar na história com base na contribuição dos povos para a cultura e desenvolvimento nacional.
        Segundo o sociólogo Wladimir Safatle, em coluna no jornal El País de 26/7, atacar monumentos de homenagem a personagens controversos legitima politicamente a indignação popular e a compreensão renovada sobre os reais significados das batalhas do passado e seus reflexos na atualidade.
        Faz sentido. Assim se opera a visibilidade aos invisíveis como pobres periféricos, povos nativos das ex-colônias e à tão explorada a pejorada África Negra. Na educação, diferente dos estudantes na ditadura, os escolares de hoje têm acesso à diversidade de informações que revelam os dois lados da moeda da história.
        Ainda nessa linha, Safatle enfatiza a inalienabilidade do direito de atacar monumentos a pessoas históricas hoje comprovadamente controversas, pois cada derrubada de um nome desses desmascara simbolicamente seu caráter e a ética de seus feitos. É um desabafo direto contra inimigos simbólicos.
        Mas, até hoje, o ataque a monumentos de personagens controversos é visto com reserva entre nós. Reflexo da "assepsia" histórica pela ditadura militar, que ressaltava os mitos de democracia racial e religiosa limitando-nos a criticar o racismo e o escravagismo estadunidense, culpa de Hollywood de então. Nos preocupamos com as mazelas dos outros e não as nossas.
        A estátua de Borba Gato ficou chamuscada pela fuligem das chamas, sem outros danos. O material queimado mesmo foram os pneus ao redor do pedestal. O grupo reivindicador da autoria é o Revolução Periférica, que seria composto por moradores de comunidades da capital.
        Essa forma de atear fogo sem grandes danos ao monumento reforça o simbolismo do gesto, com indignação e consciência populares genuínas. E, justamente na vigência de governo de extrema-direita, a tendência de ataques a monumentos de personas como os bandeirantes é de ser mais intensa.
        Essa ideia se faz benfazeja, pois as bandeiras deixaram reflexos poderosos entre nós ainda hoje. Temos ainda certo preconceito contra indígenas e negros, e nossa educação socioambiental é muito incipiente, pois ainda não entendemos amplamente a estreita relação entre povos originários e conservação dos biomas, e sobre a limpeza de nossas cidades e administração de nossos próprios resíduos.
        Sim, ainda temos reflexos das bandeiras. E, vale apontar, Bolsonaro é paulista de nascimento, defende o trabalho infantil, a exploração plena de terras indígenas e de áreas públicas conservadas, debocha das nossas críticas à escravidão, tem toda sorte de preconceitos que já sabemos, e tem descaso com a vida coletiva. Um bandeirante em pleno século XXI? Pode ser, quem sabe...
        
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Imagem: Google

Notas da autoria
1. Emboaba foi um termo pejorativo para apontar os forasteiros que usavam botas, estendido a todos os homens de Manuel Viana, originários de Portugal e outros territórios da colônia.
2

Para saber mais
- https://www.todamateria.com.br/bandeirantes/
- https://www.todamateria.com.br/borba-gato/
- https://www.todamateria.com.br/guerra-dos-emboabas/
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Borba_Gato
- https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/07/4939584-manifestantes-incendeiam-estatua-de-borba-gato-saiba-quem-era-o-bandeirante.html
- https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-07-26/do-direito-inalienavel-de-derrubar-estatuas.html?utm_source=Facebook&ssm=FB_BR_CM?event_log=oklogin
- https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/02/politica/1504310652_774711.html

        

domingo, 25 de julho de 2021

Análise: isso é uma ameaça? - p. 2


        O voto impresso se tornou um tema recorrente desde que o presidente Jair Bolsonaro enxuricou os seus fanáticos seguidores na alegação de que "as eleições de 2014 e de 2018 foram fraudadas para que o PT perpetuasse no poder". O presidente reforça a sua ideia dizendo ter provas, mas nunca as mostra.
        Tanto que foi elaborada e entregue à Câmara texto da PEC do voto impresso auditável para apreciação. O texto desperta reações muito diferentes em diversos setores sociais e políticos, mas o que domina é a oposição a essa proposta.
        No Congresso, tanto o presidente do Senado Rodrigo Pacheco quanto o da Câmara Arthur Lira avalizam a apreciação analítica do texto. Por outro lado, os ministros do STF, e por extenso, o presida do TSE Roberto Barroso, negam enfaticamente qualquer possibilidade do que consideram retrocesso.
        O tema também enxuricou o ministro da defesa Walter Braga Neto, que após mexer com Omar Aziz por conta das revelações de envolvimento de militares em pilantragens com vacinas da C19 pela CPI, faz a única coisa que os militares brazucas fazem: ameaçar golpe em prol do voto impresso.

Um assunto de anos

        Na verdade, a suposição de fraude em pleitos que elegeram a petista Dilma Rousseff em 2014 se baseou na diferença de décimos decisivos na percentagem final para ela e para o tucano Aécio Neves. Na de 2018 Bolsonaro alega que foi eleito no 1º turno, desconsiderando os milhões de abstenções que, mais do que seus eleitores, decidiram por sua eleição.
        Em nenhum dos casos Bolsonaro apresentou provas dessa fraude, além de se dizer defensor da auditoria, que diz acreditar ser ausente no voto eletrônico. Uma mentira deslavada: voto eletrônico é auditável, e há como imprimir resultados preliminares e finais dos pleitos, acessíveis à população.
        Desde que foi adotada em definitivo a votação eletrônica, nunca foi apontada prova de fraudes em nenhum dos pleitos ocorridos desde o primeiro, ocorrido em 1996, para prefeitos e vereadores em 57 municípios, para se saber da adaptação dos eleitores e a praticidade das contagens até os resultados finais.
        Vale lembrar que a ressurreição do defunto do voto impresso por Bolsonaro encontrou inspiração no horroroso processo eleitoral presidencial nos EUA no ano passado, que desandou em palhaçadas de golpe por Donald Trump, após constatada, reiterada e confirmada derrota para Joe Biden.
        Ou seja, se perde em 2022, Bolsonaro daria o seu jeitinho de recusar a saída do Planalto e poria samangos para ameaçar e fanáticos a tentar invadir o Congresso (mesmo que, nesse momento, está nas mãos do Centrão) e o STF.

Do voto em cédula ao eletrônico

        A votação em cédula é um processo secular ainda vigente na maioria dos países, incluindo EUA. A preocupação constante dos organizadores com o risco de fraude fez com que essa modalidade evoluísse seu formato. Ainda assim, fraudes eventuais são descobertas pelos observadores a serviço da ONU.
        A evolução dessa modalidade conta hoje com contadores-seletores computadorizados. Todavia, o tempo gasto até os resultados finais pode ser longo. Nos EUA, mesmo com esse dispositivo, o desfecho veio após dois meses, pondo em xeque a validade do sistema.
        Mas, o incrível é que, por interesses internos, a própria classe política dos EUA prefere manter o voto de cédula, mesmo que alguns estados tenham urna eletrônica, e que o desejo do povo sela pela universalização da forma eletrônica, elogiando o sistema brazuca.

No Brasil
        No Brasil, eleição antes da urna eletrônica era uma dor de cabeça, em razão da cultura do curral eleitoral, da criminalidade comum e da insegurança da automação obsoleta. Fraudes eram recorrentes e havia até novos pleitos em alguns municípios, a mando da Justiça. Daí veio o sonho da "máquina de votar", que seria prevista a partir do Código Eleitoral de 1932.
        Nos anos 1960, o brazuca Sócrates Puntel criou a sua máquina de Puntel1; todavia, não foi usada. Em 1978, o TRE-MG apresentou protótipo para voto mecânico, também não levado adiante. Alegação: não eram portáteis nem resistentes, com alto custo. Nos anos 1980 foi inventado o coletor eletrônico de voto (CEV) de gravação direta do voto, e em 1985, o 1º cadastro eleitoral informatizado.
        Na época, o juiz Carlos Prudêncio e seu irmão Roberto desenvolveram um sistema de leitura ótica de votos como o usado em lotéricas. Em 1989 ocorre o primeiro pleito eletrônico válido, em Brusque (SC), a partir do sistema dos irmãos Prudêncio. A cédula "autenticada" era posta na urna convencional depois, e a apuração, via computador central ligado ao telefone, era um pouco mais ágil.
        Em 1996, as empresas Unysis, Omnitech e Microbase criaram a urna eletrônica que conhecemos, chamada de CEV e pioneira do voto automatizado. Foi testada nas eleições municipais de 57 cidades com determinado faixa demográfica. Brusque não a usou por já ter passado por pleito digital. 
        A urna eletrônica foi um sucesso pela segurança, apuração ágil, fácil transporte e resistência. Com a constante atualização de software e hardware, o sistema foi aprimorado, e mais ágil e dinâmico. Hoje, eleições municipais, estaduais e nacional têm desfecho no mesmo dia.
        Se deve a especialistas do INPE a eleição em larga escala no país e sua segurança contra fraudes, pois as urnas eletrônicas são checadas regularmente contra hackers. As eleições hoje são totalmente automatizadas, e já existe aplicativo eleitoral para celulares que permite conferir as contagens.
        A segurança da urna eletrônica é praticamente impossível de ser violada, o que explica a falta de qualquer indício ou prova de fraude. Mas, a automação infelizmente não tem como combater a cultura do curral eleitoral, que envolve outros atores e uma dinâmica complexa e diferente.
        Que o digam os coronéis dos sertões, hoje traduzidos em domínio do crime organizado e milícias sobre favelas, em ambientes militares, e mesmo nos cultos em organizações religiosas onde os líderes, sacerdotais ou não, determinam em quais candidatos seus fiéis devem votar.
        
Bolsonaro e Braga Neto, reflexos da cultura de curral 

        O último parágrafo acima atesta a democracia do voto como relativa, devido à forte influência dos atores determinantes, suficiente para minar o senso crítico do eleitor que ainda acredita tê-lo ao repetir alegações distorcidas daquelas referências.
        Assim nos deparamos com muitos eleitores exigindo intervenção militar em plena democracia sem se darem conta de que estão se aproveitando do momento democrático para isso com certa liberdade. Se estivéssemos numa ditadura militar plena, eles não poderiam se manifestar.
        É nesse clima que Braga Neto, acompanhado dos chefes das FFAA, respondeu ameaçadoramente à negativa da maioria: "se não houver voto impresso, não haverá eleições em 2022", o que virou matéria de capa pelo Estadão (SP), seguido de imediato por outras mídias, com as facilidades da web.
        Considerada ameaça de golpe pelas mídias, a fala do general teve repercussão tão negativa que ele tentou (se) desmentir, sem êxito. Foi ameaça clara, tanto no objetivo quanto na expressão e olhar. E, ainda teve apoio da histriônica deputada estadual Janaína Paschoal, que postou em rede social a mentira "voto impresso já é lei!".
        Mas, a fala de Braga Netto se revela reflexo de duas culturas, a militar e a do curral eleitoral, por terem caráter antidemocrático impondo temor nos eleitores ou reduzindo/ impedindo poder de escolha por uma identidade qualquer, como de classe, cultural, étnica, etc.

Qual é a real intenção do governo? Reflexão final

        Falas ameaçadoras têm permeado todo o mandato de Bolsonaro até hoje, a maioria delas na forma de bravatas usadas para distrair a geral em relação à depleção econômica liderada por Paulo Guedes e à intervenção política internacional nas decisões internas de Estado.
        A quantidade absurda de militares - a maioria, generais de pijama - aparelhando instituições soa para a geral como uma "intervenção silenciosa por junta militar" a concretizar o Art. 142 da CF. Mas, dois anos e meio depois, muito se ameaçou e nada foi à frente. Então, o que queria o ministro com sua fala?
        Tirando o fato inconteste de esses milicos estão lá por grana extra, a intenção de Braga Netto é contribuir para causar anomia e impor anarquia para que Bolsonaro tenha fôlego em recuperar a antiga popularidade e dificultar a chance de vitória eleitoral de Lula. Algo que os EUA acham ótimo.
        Pois, segundo os próximos ao governo Biden, Lula representa o temor de que os HCs2 do pré-sal voltem a ser patrimônio exclusivamente público para monopólio exploratório da Petrobras, impedindo apropriação pelos EUA. Todavia, tal temor é infundado.
        Em 13 anos e meio de PT foi tranquila a exploração parceira entre Petrobras e estrangeiras. FHC (1999) quebrou monopólio para atender a interesses dos EUA parcialmente, devido à lei do subsolo público, daí a parceria. Mas, os EUA querem o pré-sal para o seu próprio monopólio. Daí Bolsonaro se manter no governo, para essa funcionalidade.
        Portanto, a intenção dos militares é atender aos interesses entreguistas de Bolsonaro-Guedes. Sua teórica função de proteção se inverte em blindar os interesses do grande capital concentrado nos EUA e parceiros, contra aquele que, no papel, deveria proteger, mas considera inimigo: o povo brasileiro.
        Essa é a verdadeira ditadura: a do capital. Não importa se de farda ou em formais trajes civis.

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Imagens: Google (montagem autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Dispositivo com duas teclas e duas réguas indicativas dos cargos a serem preenchidos.
2. Sigla de hidrocarboneto (HidroCarboneto - HC no singular).

Para saber mais
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Coletor_eletr%C3%B4nico_de_voto
- https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/eleicoes/noticia/2018/08/antes-e-depois-das-urnas-eletronicas-veja-o-que-mudou-cjko3h2vg00f101n09lkdrypl.html
- https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/07/05/voto-impresso-tse-aponta-risco-de-fraude-senadores-falam-em-inseguranca
- https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2021/07/08/eleicoes-brasil-fraude.htm
- https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/11/bolsonaro-nao-se-beneficiou-de-fraude-eleitoral-em-1994.shtml
- https://www.poder360.com.br/eleicoes/post-engana-ao-dizer-que-bolsonaro-se-beneficiou-de-fraude-eleitoral-em-1994/
- https://congressoemfoco.uol.com.br/exercito-brasileiro/braga-netto-ameaca-golpe-em-meio-a-denuncias-de-militares-pela-cpi-da-covid/
- https://www.youtube.com/watch?v=Enhqn5AxDZw (Ghiraldelli, a real intenção de Braga Neto)

        

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Análise: Bolsonaro e o Condor

        Jair Bolsonaro foi escolhido por seus eleitores para governar com objetivos bem específicos, como investir em segurança pública para diminuir a criminalidade, inovar na educação pelas escolas cívico-militares, e claro, combater a corrupção. A crença nessas propostas deriva de ele ter sido militar no passado. 
        Dada a intenção desse eleitorado, se entende a decepção hoje reinante com as revelações de toda irregularidade envolvendo os Bolsonaro e sua caterva dentro e fora da CPI-C19. Com a exploração do tema pela imprensa, assuntos tão relevantes quanto esses crimes passaram despercebidos.
        O objetivo desse artigo é passar um novo pente fino sobre a suja teia de intenções de Bolsonaro, para revelar propósitos camuflados sob essa teia e mantidas segredadas tanto pelo governo quanto pela grande imprensa.

2019: extrema-direita e cristofascismo

        Este blog já explorou antes que a extrema-direita deseja dominar o mundo "para que o comunismo chinês não avance", bem como a intenção clara do governo Bolsonaro colocar as igrejas como entes com poder de decisão de Estado, em flagrante atentado à laicidade constitucional.
        Em 2019 houve eventos dessa natureza, com encontros diplomáticos com países1 cujos governos compartilham os mesmos ideais cristofascistas e ultraconservadores em matéria de costumes, principal tema ao lado da defesa de linhas econômicas neoliberais.
        No mesmo ano, em Brasília, Bolsonaro recebeu pastores de igrejas pentecostais dos EUA para discutir pautas econômicas e de costumes; em eventos sobre DHs2 na ONU o Brasil se alinhou aos países árabes sobre a questão feminina e das minorias sexuais.
        Por trás das críticas do mundo à devastação da Amazônia, o ministério de Damares patrocinou missões evangélicas para encontrar povos isolados, que resistem em suas tradições ancestrais mesmo após contatos. O objetivo? Convertê-los para facilitar a penetração na selva para fins de extração dos recursos.

2020: os primeiros sinais

        Em 2020, mais afundado na crise interna, o país se perdia em muitas perguntas: por que ministros como Damares, Araújo e Salles permaneciam mesmo com tantos estragos causados por eles? E por que Bolsonaro insulta jornalistas à vontade? Por que negar a C19? Tantas perguntas, poucas respostas.
        Em maio, o ex-chanceler recebeu o secretário de Estado de Trump Mike Pompeo em Porto Velho, Roraima. As mídias divulgaram o encontro, mas sem fazer a geral relacionar com a entrada de muitos venezuelanos no país pela fronteira Venezuela-Roraima.
        Milhares de migrantes passaram se concentraram em Pacaraima, cidade brazuca fronteiriça com energia fornecida pela estatal do país vizinho. Como a mídia relacionou o problema à miséria "causada pelo governo Maduro", a patuleia acriticamente acreditou sem se ligar ao embargo imposto pelos EUA para fragilizar Maduro perante o povo e o depor.
        O embargo prejudicou a produção industrial venezuelana por falta de matéria-prima e insumos importados, com progressiva carência de produtos disponíveis aos consumidores; e embates populares entre chavistas e opositores tomaram as vias de Caracas e outras cidades, com violência policial.
        A visita de Pompeo objetivou a busca de apoio brasileiro para possibilitar uma guerra contra o governo Maduro e colocar no lugar Guaidó, líder oposicionista pró-EUA, através de golpe clássico via militar. Mas, a coisa foi frustrada principalmente por interferência das bem armadas China e Rússia.
        Em paralelo, golpe militar na Bolívia depõe Evo Morales após 14 anos de liderança, entrando em seu lugar a cristofascista Jeanine Añez, sob violentos protestos populares, e apoio brasileiro. Mais tarde, foi eleito um ex-ministro de Morales, voltando a esquerda ao poder.
        Ainda em meados do ano, estranha comitiva do governo  (Bolsonaro, Hélio Negão, os filhos 02 e 03, e milicos) foi para Israel para tratar de um suposto "spray nasal" de cloroquina, segundo a mídia. É claro que a coisa não colou: afinal  não havia nenhuma autoridade do MS na comitiva.
        Em setembro, em Brasília, Bolsonaro, Mourão e general Heleno (GSI) recebem o diretor da CIA William J. Burns e sua pequena equipe, para tratar de "assuntos relevantes", segundo a grande mídia. Novamente, a geral não se ligou para saber do significado da visita. Curtição é que não foi.
        De uma coisa todo mundo sabe: o tempo todo Bolsonaro lançou indiretas ameaçadoras de golpe.  

2021: evidências

        Besteiróis de ministros domo Damares e Araújo e do próprio presidente foram boas cortinas de fumaça para a patuleia e irritação da oposição com suas intermináveis notas de repúdio e apoio aos jornalistas e à liberdade de imprensa, enquanto os eventos acima citados aconteciam. Tem algo aí.
        Insultos de Araújo e dos Bolsonaro à China foram encobriram a politização, por EUA e Brasil, da conexão chinesa 5G, que já está em uso até em países africanos e asiáticos mais pobres para a web. Os EUA querem meter sua 5G no Brasil, mas até agora, nada. Detalhe: a China já usa conexão 6G na exploração espacial, à frente dos EUA.
        Outro país que faz largo uso de 5G nas suas tecnologias é Israel, forte aliado dos EUA. Entre os variados objetos está o recentemente revelado programa Pegasus, de espionagem internacional militar. Vale lembrar que o Brasil deseja formar, com Israel e EUA, um G-3 geopolítico-ideológico.
        Vale lembrar que os três países são os únicos no mundo a apoiar os vergonhosos embargos a Cuba e Venezuela (ainda que contra a poderosa China não o façam), e entra a preocupação dos EUA com a liderança de Lula nas intenções eleitorais: junto ao diretor da CIA estava Sergio Moro...
        A presença do Gal. Heleno na comitiva em Israel e também na visita de Burns (CIA) explica: ele preside o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), versão moderna do SNI dos tempos da ditadura.
        A explanação dos fatos demonstra certa interligação, especialmente quando ao mencionado G-3 em suas intenções. O Pegasus é decerto o fio de ligação das intenções do G-3, apesar do fracasso em tentar contra Maduro graças à intervenção da Rússia e o temor de possível interesse chinês na coisa.
        Os brazucas talvez devessem ficar atentos: pode ser de novo o condor, voejando na sombra do capital político-econômico. Não para golpes clássicos, mas para impor mais guerra híbrida, a definir novo regime à vista, com muita verborragia, mas pouca democracia.

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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Representações diplomáticas de Hungria, Polônia, Ucrância, Lituânia e EUA estiveram nos encontros.

Para saber mais
https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/09/18/mike-pompeo-chega-a-boa-vista-para-reuniao-com-ministro-das-relacoes-exteriores-tema-seria-imigracao-venezuelana.ghtml
https://www.brasildefato.com.br/2020/09/18/apos-encontro-com-pompeo-brasil-descredencia-diplomatas-venezuelanos
- https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/23/senadores-voltam-a-criticar-visita-de-mike-pompeo-a-roraima
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/09/4876404-pompeo-chega-a-roraima-e-maia-critica-visita-afronta-a-autonomia-nacional.html
- https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/07/chefe-da-cia-realiza-visita-a-brasilia-e-se-reune-com-governo-bolsonaro.shtml
- https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro-reuniao-chefe-cia-paises-vizinhos/
- https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/abjd-cobra-informacoes-sobre-encontro-de-bolsonaro-com-chefe-da-cia
- https://www.cartacapital.com.br/politica/deputado-cobra-informacoes-sobre-vinda-do-diretor-da-cia-ao-brasil/

 

domingo, 18 de julho de 2021

Análise: Revolta popular e olhares em Cuba


        Nesses dois últimos dias, entre muitos fatos relacionados com a sindemia de C19 e questões econômicas, um novo fato fez com que o mundo voltassem os olhos para um país que andava relativamente secundarizado: Cuba.
        Os fatos se referem à explosão de manifestos populares contra o governo Miguel Díaz-Canel, que sucedeu Raul Castro, o irmão que ocupara interinamente o posto de Fidel, afastado por problemas de saúde e depois falecido.
        Os manifestos populares em Cuba chamam a atenção por, assim como a velha mística do próprio país, invocarem declarações em sua maioria mal informadas a respeito da realidade enfrentada pelo povo cubano e suas relações com o governo.
        Os manifestos vêm sendo bastante reprimidos, tal como aqui no Brasil de Bolsonaro e qualquer outro país parecido. E agora, a internet foi cortada, para que novas imagens e vídeos não caiam nas redes sociais, locais onde a rebeldia foi planejada, a partir de vilarejos.
        Devido ao corte da internet cubana, este artigo visa analisar com base em informes disponíveis no momento, com o devido filtro devido aos vieses de diferentes mídias. 

Causas possíveis dos protestos

        Todos sabemos que Cuba sofre com embargos econômicos impostos pelos EUA desde 1961, ainda que a mídia da casa grande prefira se silenciar sobre isso, preferindo se referir, com sutileza pejorativa, à influência do regime castrista, considerado comunista, na vida do povo.
        Por outro lado, mídias de viés mais à esquerda enfatizam o embargo estadunidense como fator da crise atual, tomando com frequência as dores do governo castrista. Mas, ambos os vieses se distanciam muito da necessidade de enxergar o real, a soma de fatores internos e externos dessa crise.
        Há crença de silêncio absoluto imposto pelo governo aos cubanos. Um erro: nos anos 1990, Fidel se deparou com revolta popular contra medidas econômicas austeras. A motivação atual é semelhante, sem descartar o embargo estadunidense e as contradições internas. Vamos aos tópicos.
        C19- desde os primeiros casos em março/20, o governo lançou medidas como restrição do turismo e profilaxia, com sucesso inicial, e pesquisas com um tipo de interferon e as vacinas Siberana e Abdala, ainda não autorizadas pela OMS para uso pleno. Agora há novo surto de variante, com mortes.
        Não foram divulgados efeitos das vacinas, mas o governo afirma que a imunização se completa em duas doses. Por causa delas, não se divulgou mais nada sobre o interferon para o tratamento da C19.
        Itens básicos- Cuba enfrenta oferta bem racionada de itens básicos desde o embargo. O problema agora é a escassez, junto a consequências socioeconômicas ligadas ou não à sindemia de C19, entre elas a diminuição do poder de compra popular. Com o recrudescer da C19, hospitais estão em colapso.
        Economia- em 1/1/2021 o governo lançou uma reforma cambial que adensou o peso conversível (CUC) equivalente ao dólar, ao peso circulante (CUP), 24 por US$ 1. A população teve seis meses para migrar para o CUP. Foi uma medida consequente à recente crise vivida pelo país junto à C19.
        As duas moedas surgiram de reforma nos anos 1990 para melhorar a economia popular e também a produção empresarial sem prejudicar a linha igualitarista do governo via subsídios. Mas o país sentiu os impactos com o tempo, com desgaste nos cofres públicos. Para compensar, impostos subiram.
        O adensamento para CUP foi tentado para corrigir distorções, mas com a crise socioeconômica recente, alta carga tributária e C19 voltando, o povo sentiu forte baque até explodir em revolta.
        Política- é o tema mais explorado pela grande mídia. Parte importante da população se opõe a um autoritarismo retrocedente e reivindica medidas progressistas. Há uma minoria, inclusive, que requer abertura capitalista. Fortes evidências de uma população com diferentes matizes político-ideológicos.
        A reprovação da população à política vigente é notória. O alvo desse reprove é o regime duro que não dialoga com representações populares, evidenciando não haver, de fato, comunismo em sua real essência - que nunca foi, de fato, posto em prática. 

Desmistificando o regime castrista

        Cuba é uma ilha tropical caribenha que desperta polêmica. É amada e odiada, mas principalmente mistificada, após a Revolução castrista de 1959, que depôs o presidente pró-EUA, o militar Fulgêncio Batista, que governava com punho de ferro para a elite rural e urbana da época.
        Batista fez de Cuba o destino turístico dileto dos estadunidenses, com jogos de azar, drogas com a máfia dos EUA, prostituição desregrada, às custas da população entregue à própria sorte na economia estagnada, violência urbana e rural, desigualdade socioeconômica atroz, miséria, fome, mendicância.
        Ao povo pobre do interior, grupos guerrilheiros armados se juntaram para uma revolução popular capaz de derrubar Batista. Esta revolução foi liderada por um nome que virou ícone da história cubana: Fidel Castro.
        A tomada de poder por Fidel foi violenta. Batista, familiares e apoiadores da elite fugiram para os EUA. Opositores políticos que ficaram foram presos e/ou mortos. Fidel impõe um regime duro, com amplo apoio popular, que se revelaria francamente compreensível devido às profundas mudanças.
        O novo governo impõe reforma agrária, nacionaliza sedes industriais estrangeiras, universaliza a oferta de serviços públicos essenciais, criminaliza o desemprego e jogos de azar, e amplifica recursos para pesquisas em saúde pública, explicando a sua fama no mundo.
        Tornada ilegal, a prostituição é mitigada. A população de rua é posta em abrigos. Em duas décadas a geral de 7 a 15 anos está alfabetizada e não havia mais crianças na rua. O Estado ateu não inibiu a religiosidade cubana, principalmente católica e afro.
        Assim surge a controversa Cuba de Fidel, um ditador ovacionado por seu povo, tendo como capital a Havana histórica com os carrões dos anos 1940-50, herança de tempos idos, hoje ingredientes tão essenciais ao turismo, principal fonte de divisas local, hoje prejudicado com a C19.
        Embora tratado pelas nações pró-EUA como comunista, o castrismo é versão tropical do modelo soviético de capitalismo estatal com viés de políticas socialistas. Bem diferente do conceito e objetivo do comunismo pensado por Marx e Engels.

Embargo ou bloqueio? Breve resumo
        Em 1961, os EUA tentam invadir Cuba pela Baía dos Porcos para depor Fidel. Como fracasso, impõem então o embargo econômico a Cuba. O povo passou a viver uma vida racionada, que a URSS mitigou enviando alimentos, insumos de fármacos, vestuário, etc., além de armamentos. 
        Décadas depois, Fidel Castro se afasta do governo e vem o irmão Raul, que encontraria depois o ex-presidente dos EUA Barack Obama. O mundo esperou pelo fim do embargo, o que não aconteceu. Sucessor de Obama, Trump estendeu o embargo à Venezuela de Nicolás Maduro.
        Muitos entendem o embargo como bloqueio, por impedir relações comerciais de Cuba com outros países. Mas é embargo por interromper o que já ocorria. Pela natureza político-ideológica, a ONU o vê como violação de direitos humanos análoga às cometidas por ditaduras, com consequências sociais e econômicas. No mundo, apenas Israel e Brasil de Bolsonaro são favoráveis ao embargo.
        Na mesma praia antes invadida, os EUA construíram a prisão de Guantánamo, que alojou durante décadas presos acusados de terrorismo em terras estadunidenses. Herança da guerra fria, hoje está desativada.

Outras considerações por trás: reflexões finais

        Que Cuba não difere de nenhum outro país do mundo por ter seus problemas e contradições, disso ninguém duvida. É algo normal, devidamente humano por natureza. Nenhum regime de governo que se faça prático tem 100% de coerência, porque todos nós temos contradições.
        O governo sempre deu cobertura universal de bons serviços públicos; por outro lado, optou por fechar a janela de diálogo com a população, riscando de sua linguagem o mais nobre significado de democracia participativa, e reforçando lá fora a velha imagem de regime totalitário.
        Essa imagem tem sido largamente vendida pelos protagonistas do decenário embargo pelos EUA, para justificar o seu feito. Todavia, nada disso justifica essa intervenção cruel que somente atinge um povo rico em cultura, história e musicalidade.
        Na opção pelo não-diálogo, os governos de Cuba e Brasil de Bolsonaro se parecem. O discurso de Diaz-Canel e as aglomerações ou lives ocasionais de Bolsonaro não são dialógicos, mas eleitoreiros. E perdem por isso.
        Muitos se perguntam se o capitalismo seria a salvação de Cuba. O exemplo do Brasil claramente aponta um sonoro NÃO, daí o capitalismo não ser a via correta. Até pelo contrário. O embargo está aí para reforçar essa negativa.
        Em paralelo ao embargo, importa mais ao governo cubano encarar os seus próprios erros e buscar uma solução viável e inteligente, que não se encontra em discursos de palanque a condenar os EUA, assunto restrito a se resolver em outra esfera. 
        A solução está no governo se aproximar da população para resolver, de maneira copartícipe, os problemas internos, através de processo democrático participativo. Sendo os cubanos em sua maioria não capitalistas, o governo tem a faca e o queijo na mão. Resta ter inteligência e boa vontade política.
        O resto vem depois, são consequências, que podem ser muito boas.

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Imagem: Google

Notas da autoria
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Para saber mais
https://pt.wikipedia.org/wiki/Castrismo
- https://www.poder360.com.br/internacional/veja-imagens-dos-protestos-em-cuba/
- https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/apagoes-inflacao-e-pandemia-a-verdade-sobre-a-crise-cubana-que-tem-origem-no-bloqueio-economico-dos-eua.html
- https://brasil.elpais.com/internacional/2020-12-11/cuba-realiza-a-unificacao-monetaria-adiada-ha-anos-e-aprofunda-sua-reforma-economica.html
- https://brasil.elpais.com/internacional/2021-07-12/protesto-iniciado-em-dois-municipios-de-cuba-ameaca-com-acender-a-revolta-no-pais.html
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-04-16/cuba-se-debate-entre-a-continuidade-e-a-mudanca.html
https://exame.com/mundo/depois-de-protestos-em-cuba-governo-reforca-patrulhas-policiais/
- https://www.cut.org.br/noticias/o-que-esta-por-tras-dos-protestos-em-cuba-7b56

domingo, 11 de julho de 2021

Análise: Bolsonaro - peculato e rejeição pública

Análise: Bolsonaro-peculato e rejeição pública


        O progredir dos acontecimentos na CPI-C19 tem revelado a público novos fatos. Não que seja uma novidade para um povo já calejado de tantos escândalos de corrupção na política brazuca, mas chocou alguns de que os fatos mostram um nome por trás de tudo: Bolsonaro.
        O sobrenome não se restringe aos filhos de Jair Bolsonaro, que participaram de algumas das reuniões sobre negociação das vacinas. Vai direto ao próprio líder nacional, descoberto em áudios vazados estar por trás da cultura das rachadinhas, definidas como uma forma de divisão de dinheiro em caráter definido por pessoa de confiança.
        As rachadinhas são assimiladas pelo povo como dádiva do 01 Flávio, para quem o miliciano Fabrício Queiroz, velho amigo de Jair, depositava grandes quantias de grana viva para ele e cheques para a primeira-dama Michele. Mas, o vazamento dos áudios1 desta vez aponta o próprio Jair.

Rachadinha: uma corrupção cara aos Bolsonaro

        O termo rachadinha é a forma com que chegou ao conhecimento do grande público o peculato. Conforme todos os dicionários, impressos e on-line, peculato é uma forma de abuso de confiança pelo agente por meio de obtenção ilegal de parte dos proventos de pessoas de sua confiança.
        O agente incitador do peculato é o peculador, e o funcionário de confiança, o peculado.
        Reflexo da cultura de privilégios exacerbados, principalmente na política, esse abuso de confiança geralmente pecula assessores políticos. Salário de assessor já é alto, mas o do peculado é bem acima do prescrito em contrato, para devolver o excedente ao peculador.
        Os excedentes são percentagens sobre o vencimento, determinadas pelo abusador. Os Bolsonaro exigiam até 90%, segundo os áudios. Detalhe: o Legislativo carioca sabia que o então vereador Jair já tinha esse hábito, por sinal bem aprendido pelos filhos: os vários imóveis de luxo que o digam.
        Sendo salário de assessor político alto, tudo pode indicar que os valores iniciais pagos pela família Bolsonaro devem ter sido exorbitantes. Se isso for provado, pode-se imaginar o rombo sobre os cofres públicos representados por cada um da família.
        Apesar de antigo e reiterado, o peculato de Jair Bolsonaro foi um segredo muito bem guardado. No máximo se soube dos cheques à primeira-dama, que fora alcunhada "Milcheques", o que também não fora associada pela imprensa como tal crime.
        Excitados, os bolsominions acreditam que "rachadinha não é roubo". Sabem que estão errados. Peculato é uma das várias formas de corrupção, que genericamente define qualquer desvio de grana pública para proveito pessoal. É roubo, crime. Os Bolsonaro são os maiores peculadores do momento.
        E, por conta dessa ciência, a maioria da população, inclusive eleitores Bolsonaro fora da bolha, aprendeu que os Bolsonaro têm muito mais sujeira por baixo do tapete da moralidade do que até agora sabemos. Até a CPI quer saber mais dessas rachadinhas.

Por que a CPI está de olho nas rachadinhas do Jair

        Alguns depoentes que já passaram na chapa quente da CPI-C19 forneceram informes valiosos aos relatórios de Renan Calheiros, com evidências cada vez mais irrefutáveis de que a militarização no MS serviu para o que se desenha como o maior escândalo de corrupção da história da República.
        Para se ter uma ideia, só para lembrar, esses depoentes "valiosos", após deporem, solicitaram ao Senado segurança para si e suas famílias por conta das tradicionais ameaças dos Bolsonaro.
        Embora o vazamento não demonstre ligação alguma com o foco precípuo da CPI, o interesse da cúpula da mesma se relaciona com a possibilidade de muitos dos desvios de Bolsonaro em relação às vacinas e à saúde em geral possam envolver milicos instalados no MS. Faz sentido nesse ponto.
        Haverá mais nomes a serem convocados a depor. Entre os mentirosos, os silentes e os evasivos, haverá sempre algum a soltar valiosa informação-elo a ligar alguns desvios do gabinete do presidente a interessados na negociata escusa com vacinas que sequer existem. Quiçá, pode haver.
        Por outro lado, senadores, integrantes ou não da CPI, já demonstraram interesse em fomentar uma "CPI das rachadinhas" para apurar sobre a autoria do presidente da República direto em seu gabinete. Alguns deles, como Alessandro Vieira, Omar Aziz, Randolfe e Renan, são favoráveis.
        O interesse foi tamanho que documento oficial de pedido já foi protocolado ao STF. O autor foi Alessandro Vieira, que tem se destacado com questionamentos a depoentes na corrente CPI da C19.

Consequências: uma reflexão final

        O progredir dos acontecimentos tem repercutido forte nos brios do presidente da República, que tem feito de tudo, principalmente declarações e piadas infames na tentativa de desclassificar os seus adversários políticos e, principalmente, a CPI da C19.
        Hoje, o seu poder de convencimento aos poucos decresce, se limitando à plateia de bolsominions que religiosamente, todas as manhãs, se juntam no cercadinho do Palácio se acotovelando a jornalistas para as falas do dia. 
        Apesar de ainda levar muitos coices de agrado ao ídolo avesso à imprensa, os jornalistas vêm se encorajando mais ultimamente: a galera bolsominion diminuiu um pouco. E isso tem explicação nas pesquisas simuladas de intenção de votos desde as primeiras revelações da CPI da C19.
        Claro que antes do início da CPI, a popularidade de Bolsonaro já deu sinais de queda. Havia por vez ou outra uma subida sutil nos gráficos, porém mais baixos do que em 2019-20. Tudo começou no "efeito Lula", tão logo este retomou seus direitos políticos por decisão definitiva do STF.
        A partir da volta de Lula, Bolsonaro aparecia atrás do petista em simulações eleitorais. Se antes da CPI a distância entre ambos era menor, com a CPI corrente ela cresceu, sendo as mais recentes com a possibilidade de vitória em 1º turno no dia da simulação, com mais de 40% das intenções de voto. 
        Há explicações. Uma delas é a rejeição crescente de eleitores após revelações de evidências de corrupção após solicitação de segurança por alguns depoentes, e com os vazamento de áudios sobre a conduta de Bolsonaro com a grana pública, indecoro e depreciação a jornalistas e servidores.
        Outra é a migração de muitos eleitores evangélicos para Lula, diante da política de roubos e perda (evitável) de vidas para a C19, bem como a iniciativa de seus pastores em se distanciar de Bolsonaro com as novas provas sobre o caráter dele e de seus aliados. Assim, a CPI-C19 se mostra valiosa.
        A terceira está no extremo autoritarismo ególatra de Bolsonaro em agredir instituições. Nas redes sociais, não são raras as críticas dos que o elegeram sobre como ele atenta contra a República e contra a democracia, com ameaças constantes de golpismo.
        De uma coisa já sabemos: no atual contexto, Bolsonaro conseguiu jogar milhares de votos nos sepulcros da C19. Agora, as páginas de seu livro da vida vão aos poucos se descolando uma da outra, devagar, enquanto alguns milicos tentam cobrir com o véu transparente da censura e da repressão. 
        Mas, em total fracasso na tentativa de inverter o futuro que se desenha. Toda a sorte de roubos se mostra escancarada, no feitiço contra o feiticeiro.

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Imagens: Google (montagem: autoria do artigo)

Notas da autoria do artigo
1. O áudio se refere a uma revelação feita pela ex-cunhada do presidente, sobre irmão que não devolvia a percentagem acordada nos salários.

Para saber mais
- https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/07/05/senador-propoe-cpi-da-rachadinha-para-investigar-suspeita-de-envolvimento-de-bolsonaro.ghtml
- https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2021/07/05/senadores-falam-em-cpi-para-apurar-suposta-rachadinha-de-bolsonaro.htm
- https://www.cartacapital.com.br/politica/senador-protocola-pedido-de-cpi-para-investigar-denuncia-de-rachadinha-de-bolsonaro/



 

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...