segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Turbulências no Cone Sul: alertas ao Brasil

     Nos últimos dias, diversas fontes midiáticas têm ostensivamente registrado, com direito a pérolas fotográficas e filmagens, a turbulência sociopolítica na América do Sul.
     As fontes revelam uma distribuição ampla: Peru, Colômbia, Paraguai, Argentina, Venezuela, Equador e Chile. Embora nem todos tenham manifestos populares muito relevantes. As aparentes exceções à regra são Bolívia, Paraguai e Uruguai.
     Os fatores da turbulência são vários, em especial medidas austeras neoliberais, aumento de tarifas e impopularidade de governantes, que convergiram em forte crise política e grandes manifestações populares.
     Após Venezuela e Argentina, esta última tentando se resolver na eleição, agora as câmeras se voltam para Equador e Chile, ainda que a turbulência seja simultânea em todos.
     Nestes, as causas foram aumentos de preços de combustíveis e de transporte. Mas é claro que só isso pode não mobilizar tanta gente como mostram fotos e vídeos. 
     Há algum tempo os nossos vizinhos hispânicos já mostravam indignados com seus governantes, a maioria de direita, entre eles Macri na Argentina, Piñera no Chile, e Lenín no Equador. O Paraguai também tem governante de direita.
     Com exceção de Venezuela e da Bolívia, que se declaram da esquerda bolivariana.
     E falando de esquerda, Argentina elegeu neste domingo Fernández e Kirchner, de centro-esquerda. No Uruguai, o pleito terá segundo turno, havendo predileção para o atual, Daniel Martínez (esquerda) em relação a Pou, de direita.
     A tiracolo, o ex-presidente Pepe Mujica foi eleito senador, expressando seu apoio a Martínez. Próximo de Lula, o tupamaro é odiado por Bolsonaro.
     A eleição também ocorreu na Bolívia, que também experimentou uma estabilidade política e reelegeu o socialista Evo Morales. Mas a oposição derrotada alega fraude no pleito desse sábado.
     No Equador, manifestos populares fizeram Lenín recuar nas suas medidas. Já no Chile, a violenta repressão policial de Piñera não intimidou a população, que explodiu em manifestos massivos a sacudir o país por dias.
     E cabem ao Chile pérolas de um movimento épico. Como a bandeira Mapuche que homenageia a resistência secular do povo nativo no alto da estátua de Lautaro, e as homenagens ao músico Victor Jarra, torturado e morto pela ditadura de Pinochet.
     Outra razão das pérolas é o cansaço do povo chileno das sucessivas imposições neoliberais e da ainda vigente Constituição pinochetiana, da qual o autoritarismo de Piñera é reflexo.
     O andar da carruagem sul-americana se direciona agora à esquerda, impondo certo silêncio ao Brasil de Bolsonaro. Este já declarou que não cumprimentará Fernández, certamente se estendendo a Evo e, se eleito, Martínez.
     Cabe salientar que o Brasil sempre foi referência aos outros países do Cone Sul. Mas o contexto geopolítico pode mudar as coisas. E, além de revelar um Piñera impopular, a resistência popular chilena pode ser um alerta para o Brasil.
     Afinal, não bastasse Bolsonaro esta antipatizado pelos vizinhos, os chilenos recebem uma crescente solidariedade dos brasileiros, até de alguns bolsonaristas arrependidos, revelando cansaço por aqui também.
     Fora que, em paralelo, Olavo de Carvalho foi oficialmente banido como guru devido às orientações esdrúxulas e desastrosas.
     Nessa conjuntura, o Brasil se depara com a possibilidade de isolamento político e econômico com os países do Cone Sul. E parece haver uma inspiração chilena no ar.
     O incômodo visível do presidente revela o receio de se isolar dos próprios vizinhos. Não por culpa das escolhas eleitorais deles, mas sim por birra ideológica dele mesmo. Uma birra infantiloide que pode botar tudo a perder.
     
     

     
     
     

     

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Joice Hasselmann e o ódio dos eleitores

     Com os conflitos internos, o PSL do presidente Jair Bolsonaro se dividiu em dois grupos, pró e anti-Bolsonaro. 
     Vários nomes terminaram queimados, como o Delegado Waldir, que chamou o presidente de vagabundo e prometeu "implodi-lo", perdendo sua liderança na Câmara.
     Waldir sabe do peso de suas palavras, dirigidas a uma família com ligação com milicianos envolvidos no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), no ano passado.
     Mas ele só é um dos principais nomes do conflito, que se iniciou com uma sessão de aspereza entre Bolsonaro e o presidente do partido, Luciano Bivar, apoiado pelos anti-Bolsonaro. O resto foi consequência.
     Como a passagem da também queimada deputada Joice Hasselmann, ao integrar, com Waldir, o grupo dos anti-Bolsonaro. E ela se tornou um destaque.
     Primeiro, pelo antigo apoio dos eleitores bolsonaristas ao acobertar as loucuras do governo. Depois, no conflito, declarar que "sabe tudo" da família do presidente da República.
     Claro que as declarações de Joice e Waldir não impediram que o colega Eduardo Bolsonaro fosse eleito líder do PSL no Rio e em SP pelo majoritário grupo favorável, fortalecendo o presidente junto ao partido.
     O antigo apoio dos eleitores se transformou em ódio, com expressões gordofóbicas e comparações pejorativas com a personagem suína Pepa.
     Se compararmos às expressões dirigidas à colega Sâmia Bomfim (PSOL-SP), não há como apontar qual delas é mais violenta. Gordofobia é de fato preconceito, independente do alvo.
     Os ataques gordofóbicos a Joice revelam o combustível em voga a mover as relações humanas, revelando a dificuldade dos autores em distinguir o ser humano do ser político, sendo este mais evidente.
     Os ataques gordofóbicos à ex-bolsonarista revelam o combustível que move as atitudes e as relações humanas no momento. O combustível de nome ódio, usado para intimidar os diferentes e os contrários.
     E o gerador desse combustível é o fator ideológico. Bastou um partidário mudar uma simples concepção por um motivo qualquer, para que o apoio se transforme em disparada de ódio mortal.
     O que torna mais estranho é que até bolsonaristas com excesso de peso se dirigiram a Joice com ofensas... gordofóbicass.
     Vai vendo.
Servidores públicos: o mito persecutório do Estado inchado

     O serviço público e os servidores do Executivo são assuntos recorrentes em política de governo. No momento, os servidores do Executivo são o principal alvo de proposta de reforma profunda nas carreiras.
     Mas é bom salientar: a história da Administração Pública não é recente. Basta fazer pesquisar no Google. Mas, por que os servidores sempre entram nas pautas políticas?
     Presentes em todos os países, os servidores públicos representam o Estado junto à coletividade funcionalmente. Desde as primeiras civilizações da História.
     Os servidores públicos compõem um grupo muito heterogêneo de profissionais, a depender de fatores como escolaridade, qualificação e situação frente ao Estado.
     A fama de privilegiados vem do tratamento diferenciado em remuneração e regime de trabalho, inspirados da Antiguidade, segundo a arqueologia da Mesopotâmia e da Europa greco-romana.
     No Brasil, em geral são alvos de frequentes críticas negativas: são os "corruptos", "relapsos" ou "incompetentes" pagos com salários via impostos escorchantes.
     A grande mídia constrói este perfil em programas humorísticos e novelas, tornando o servidor público alguém folclórico, na verdade reflexo histórico de uma elite que age para aumentar seus privilégios.
     De fato, há razão: alguns servidores podem ter qualquer desses perfis. Alguns, que contribuem contra reputação de toda a classe dos servidores públicos.
     Um mito de Estado ineficiente que alimenta as ambições dos governos para que a elaboração de políticas "de modernização" que incluem privatização de serviços de atendimento ao público à privatização de estatais.
     O caráter tendencioso da mídia está por trás dessa generalização e do sustento ao governo em elaborar sucessivas reformas que corroem os serviços públicos.
     Por este motivo, desde 2005 não ocorre mais concursos para efetivos na saúde, o que implica em grave carência de servidores que precarizam a qualidade dos serviços à crescente demanda popular.
     Na saúde pública, o governo Temer extinguiu vários cargos, a serem substituídos por terceirizados, bem como vagas para cargos ainda existentes. O governo Bolsonaro pretende reduzir os 300 atuais para apenas 30, na esfera federal.
     A desculpa de sempre: o mito do Estado inchado.

     
     

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Meio ambiente: governo hostil à vida em nome do capital

     Entre as muitas polêmicas incitadas pelo governo atual, a que mais se destaca no mundo é a ligada ao meio ambiente.
     As agressões ocorreram após ameaças e líderes de índios e quilombolas, povos essenciais à conservação dos meios naturais, dos quais eles dependem por extração de seus recursos de vida. 
     As devastações ocorrem sobretudo em áreas protegidas da Amazônia e do Cerrado, ricas em recursos biológicos e minerais valiosos. Na primeira, o governo só atuaria 20 dias após o dia do fogo (10/8), por incentivo dele próprio.
     De repente, são noticiadas manchas de petróleo cru em várias praias nordestinas causando o mais extenso desastre ambiental no Brasil. Em 30/8, IBAMA e ICMBio notificaram o governo. E 35 dias depois o governo interveio, após esgotados todos os recursos de protelamento.
     Diante da origem ainda incerta e aproveitando-se de que levantamentos físico-químicos dariam o óleo como parecido com o venezuelano, Bolsonaro insinuou uma suposta sabotagem de Maduro. O que foi prontamente desmentido.
     Apesar dos apontamentos, vários fatores enfraquecem a suposição venezuelana. A começar que o RN é o segundo maior produtor de petróleo no país, explorado pela Petrobrás e petroleiras estrangeiras como Exxon, Shell, Texaco e outras.
     Navios tankers de várias nacionalidades vagam ao largo da costa, e há plataformas da Petrobras e outras petroleiras em exploração/produção offshore.
     A Corrente da África distribuiu as manchas mais ao norte (RN, CE, PI e MA), e a leste (RN, PE, PB, AL, SE e BA). Ela se bifurca no litoral do RN para o norte (Golfo do México) e sul (costa brasileira).
     O comportamento dessa corrente marinha já dá pistas de suposta origem no alto-mar, possivelmente aos arredores da zona produtiva da costa do RN.
     Cerca de 2/3 do total produzido no Brasil são de óleos mais pesados, viscosos e com mais enxofre, o que corresponde às manchas analisadas. A região produz esse óleo.
     Com tantos fatores de peso, não é possível determinar se o evento é criminoso. A hipótese de acidente, por falha técnica ou humana, também é alta.
     A Venezuela se situa bem mais a oeste, com litoral voltado ao Mar do Caribe, e tem enormes reservas de petróleo e gás, controladas pela estatal PDVSA.
     Nesse ínterim, arde em fogo a maior parte das extensões dos Parques Nacionais das Emas e da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, estado de forte agronegócio.
     Nas adjacências desses parques há grandes fazendas, e fazendeiros ateiam fogo para ter pasto. Os incêndios sazonais naturais não atingem as áreas permanentemente úmidas, como os parques. 
     As queimadas intensas atingindo tais áreas sempre úmidas atesta a ação criminosa desses incêndios.E o novo fechar de olhos do governo aos alertas daqueles órgãos.
     No repetido comportamento de ideologia nacionalista distorcida, o governo mostra inaudita hostilidade ao meio natural. E vem destruindo um caráter valioso da nação, a diversidade em todos os sentidos. Um desprezo à vida, em nome do capital.

     
     

     

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Intolerância: uma discussão necessária

     Nos últimos tempos, testemunhamos o desenvolvimento de um clima de extrema reatividade das pessoas em relação a tudo que cause discordância. Adotou-se a prática da tolerância zero instantânea.
     É compreensível que muitos considerem essa reação extrema como uma novidade, algo recente. Não, caros leitores, não é tão recente assim.
     Em 9 de outubro foi publicado um artigo do colunista Elio Gaspari na Folha de São Paulo, intitulada Quando foi que isso tudo começou.
     No artigo, o colunista, com experiência no jornal O Globo, fez uma interessante abordagem apontando o possível despertar no período petista, a partir das reações do público no filme Tropa de Elite.
     A posterior indicação do filme ao Oscar atestou o talento de toda a equipe no filme, desde os artistas e diretor até toda a equipe no desenvolvimento da obra. 
     No filme de José Padilha, Wagner Moura encarna o rigoroso Capitão Nascimento, do Bope, tropa de elite da PMERJ, em operação em favela submetida ao Baiano, chefe local do tráfico.
     Cenas de asfixia de jovens com sacos plásticos para forçar confissões sobre ligações deles com o chefe e o paradeiro deste. Espancamentos. Ameaças. Tiroteio terminando com o fim trágico do Baiano. E cada cena era bem aplaudida.
     É exatamente nessa relação entre o público e os desfechos das cenas e do filme que o colunista traça a sua análise crítica acerca das origens da intolerância de hoje, o que determinaria a escolha de nomes como Bolsonaro e Witzel:

     "[...] Jair Bolsonaro está no Planalto e Wilson Witzel (Harvard Fake '15) governa o Rio de Janeiro. Durante a campanha do ano passado o capitão-candidato foi a um quartel do Bope, discursou e repetiu o grito de guerra de "Caveira!". Durante a sua campanha, Witzel anunciou a sua plataforma para (executar) bandidos que empunhassem armas [...]: 'A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo!'", escreveu. 

     Embora as linhas deste parágrafo da presente resenha não estejam inteiramente de acordo, não se pode negar o quão compreensível é a posição de Gaspari quanto às intolerâncias do brasileiro.
     Sim, é verdade que o aplauso externou o forte desejo popular de segurança pública capaz de combater o banditismo protagonista da violência urbana diária. E também que quem aplaudiu finge não saber da ligação do gesto com o forte ódio atual.
     Mas não soa verdadeiro, por outro lado, que tamanho sentimento negativo tenha se originado de quando o filme lotou as salas de cinema do Brasil todo.
     Todavia, mesmo implicitamente, o artigo nos mostra a direção da intolerância do brasileiro: ao bandido comum, ao sem teto que pede esmola ou comida, ao não branco e pobre, ao LGBTQ assumido e bem resolvido. E também ao índio.
     A intolerância a tais grupos advém do construto escravista, econômico, religioso e cultural, permanece na falta de educação e é expandida pelo contexto tecnológico e político. 
     O brasileiro agride as bases mais pobres, frágeis e expostas dos grupos, mas admira e teme os que estão à vontade na elite da política, no mega empresariado e nas grandes igrejas. Uma cultura elitista.
     O que os governantes Bolsonaro e Witzel, entre outros, fizeram - a começar pelas cenas aplaudidas no citado filme -, foi abrir a caixa de Pandora que ressurgiu o pior lado da humanidade dos brasileiros. 
     
      
     

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Cacique Raoni, um velho incômodo

     Em seu estapafúrdio discurso na ONU, o presidente Jair Bolsonaro fez referências depreciativas aos povos indígenas e, em especial, ao Cacique Raoni, líder do povo caiapó, do Norte brasileiro.
     Apesar da rejeição dos demais chefes de Estado presentes, o discurso sinaliza a nova posição brasileira na abordagem dos povos originários. Alerta amarelo no mundo.
     A razão dessa importância reside na relação íntima desses povos com a conservação do ambiente natural, e também na resistência deles após cinco séculos de massacres e exploração.
     Em 1992 ocorreu a Cop-Rio ou Eco-92, a primeira conferência Mundial pelo Clima no Brasil. Enquanto autoridades se reuniam em recinto fechado, grupos populares de ambientalistas enchiam as adjacências ao redor.
     Entre esses movimentos estavam os indígenas, liderados por Raoni Metuktire.
     Raoni se tornaria conhecido dos brasileiros por conta desse evento, no qual estava também o cantor inglês Sting, amigo do cacique e também ativista ambiental.
     Houve quem acreditasse que, por causa do artista, Raoni surfasse na onda da fama e passasse a ser ativista desde então. Uma fake news por pura ignorância e preconceito.
     Seu ativismo se construiu na relação com os irmãos Villas-Bôas nos anos 1950, em encontro com o rei Leopoldo III da Bélgica em 1964, protagonizou o documentário Raoni (1978) e pressionou políticos em 1984 pela demarcação de terras indígenas.
     Em 1987 veio a projeção internacional graças a Sting, que conheceu na passagem pelo Parque Nacional do Xingu. Com ele, o cacique passou por 17 países para defender a floresta contra a atual obra de Belo Monte.
     Seus projetos são até hoje custeados pela Rainforest Foundation, fundada por Sting, sua esposa e o cineasta Jean-Pierre Dutilleux. A fundação os divulga para o mundo todo.
     Agora, Raoni é indicado ao Prêmio Nobel da Paz deste ano, a ser anunciado nesta sexta-feira. Detalhe: tem a companhia da jovem ativista ambiental Greta Thunberg, do papa Francisco e do ex-presidente Lula.
     Com essa biografia, o cacique reforça a lista de "inimigos" imaginários de Bolsonaro. Mais um velho internacionalmente reconhecido a incomodar o governante agora mais rejeitado do mundo ocidental.
Povos originários, o eterno incômodo

     O governo Bolsonaro logo chegou procurando satisfazer o desejo conservador de "restabelecer os princípios cristãos" de família, cultura e ordenamento social.
     Reverberam-se medidas impondo limitações ou censura à emancipação de minorias (incluindo povos originários e tradicionais), em termos de direitos humanos.
     Bolsonaro insinuou que os índios não querem mais viver como sempre viveram. Um atestado de tomada das terras para o agronegócio e exploração de minérios, madeira e remédios, após expulsão e dizimação cultural.
     É a ameaça direta ao meio ambiente, a partir da execução de líderes indígenas ou quilombolas e/ou sua expulsão de seus territórios ancestrais. 
     Mas, não pensem que isso é novidade, nem que a era petista tenha sido de paz.
     Os povos indígenas seguem resistindo às investidas crescentes há mais de 500 anos, mesmo com populações reduzidas devido a doenças e embates com os inimigos. Em lides semelhantes, os quilombolas também resistem.
     Mais terras indígenas demarcadas e quilombos reconhecidos não aliviaram os embates com ricos garimpos, madeireiras e com a grilagem de terras.
     A diferença de hoje está no vale-tudo da violência contra esses povos e incêndios em áreas demarcadas para conservação ou assentamentos permanentes.
     O interessante é que a retórica ideológica e a intenção exploratória do governo vem fertilizando o campo da resistência dos povos tradicionais às ameaças crescentes, como em vários manifestos indígenas ocorridos neste ano.
     E ao contrário do que possa parecer, tal fertilidade é positiva. Pois a resistência de povos tradicionais, admirada no exterior, seja um eterno incômodo a um governante mundialmente rejeitado.
     

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Nova previdência: reforma ou um ponto final?

     A proposta de reforma da previdência foi lançada primeiramente por Michel Temer, após substituir Dilma Rousseff.
     O anúncio, apresentando a modificação do tempo de contribuição, foi comemorado especialmente pela elite econômica e por políticos a ela ligados.
     Entre trabalhadores e entidades sindicais acendeu a luz de alerta. Faz sentido: o destaque é o aumento significativo do tempo de contribuição de até 49 anos para obter provento integral, e na idade mínima, de 65 anos.
     Os servidores públicos, com exceções, também seriam atingidos pela reforma, com poucas diferenças em relação ao setor privado.
     Governo alega que "o brasileiro está vivendo mais de 70 anos hoje", segundo os estudos do IPEA e IBGE. O que não corresponde à realidade da grande maioria braçal, com expectativa média até 15 anos menor.
     Uma greve geral de trabalhadores públicos e privados contra a proposta explodiu em 28/4/2017, cujo único resultado foi baixar os 49 anos iniciais para 40. Só que não é grande coisa.
     Na última corrida eleitoral um vídeo de Jair Bolsonaro sendo contra a proposta de Temer viralizou na internet. Só que a sua legião de fãs não captou as entrelinhas da mensagem.
     Ele a considerou branda. Seu texto, escrito por Paulo Guedes, prevê idade mínima de 65 anos para homem e 62 mulher, e 40 anos ininterruptos para se obter benefício integral por capitalização, como ocorre no Chile.
     A capitalização é a poupança voluntária do trabalhador em instituição financeira no tempo de contribuição, em proporção legalmente prevista em seu valor de renda. Mas não foi digerida pela maioria parlamentar.
     Até o momento, o parlamento aprovou o texto com algumas mudanças, voltando à via INSS. Guedes aborreceu-se: ele é investidor financeiro, sócio da BTG Pactual e tem experiência no... Chile.
     Não é só isso: no texto, o abono salarial volta a ser como atualmente, e a pensão por morte mantém o valor de 1 salário mínimo, e não a metade como queria o governo.
     E mais raiva: vídeos e reportagens sobre a dura realidade da previdência chilena, com casos não pagos, tomaram a internet. Além disso, Guedes é acusado de desvio bilionário de recursos em fundos de pensão.
     Ainda haverá votação do texto em segundo turno no Senado, com grande chance de aprovação, mesmo com o barulho a ser feito pela oposição, que na melhor hipótese só conseguirá dar umas brecadas.
     Mas não pensem que as derrotas do governo na manutenção do INSS, no abono e na pensão por morte salvam os trabalhadores. Pelo contrário: em sua essência, o texto da reforma já destrói a esperança de um bom tempo de descanso digno.

     

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Lula: mesmo preso, uma sombra muito incômoda

     Após trajetória governamental altamente popular e ser depois substituído por Dilma e Temer, Lula foi condenado devido ao controverso caso do tríplex e encarcerado na Superintendência da PF em Curitiba, onde ainda está.
     Caminhos abertos, Bolsonaro foi eleito presidente, talvez mais pela visão de mártir pelos fanáticos por uma (também controversa) facada e a adesão de descontentes do que propriamente por suas propostas.
     Comemorado o fim da era PT e com o vice general Mourão e os ministros Guedes e Moro, Bolsonaro implanta a política ultraneoliberal que aguça desigualdades, o ódio e a violência, até contra o meio ambiente. 
     Mas na rotina política do pesselista, muito seguida por seus fãs, vale falar mal do PT e, em particular, de Lula - tema tão constante que virou memes satíricos. Como o que "interpreta" o ódio como amor enrustido pelo ex-presidente, que viraliza nas redes.
     Como disse Fábio Porchat, do canal Porta dos Fundos no YouTube, estamos num momento fértil para se fazer piada. Bem, o humor tem natureza crítica. 
     Piadas à parte, o antipetismo ou antilulismo desferido pelo presidente e por seus correligionários revela outro sentimento: mesmo preso, Lula ainda incomoda o atual governo. E não é pouco.
     Faz sentido: mesmo na prisão, Lula mantém alta popularidade entre grande parcela das camadas populares, enquanto que a de Bolsonaro segue em queda paulatina. 
     Erros à parte, Lula promoveu avanços, mesmo tímidos, como empregos, valorização do salário mínimo, e combate à fome sem melindrar o neoliberalismo, respeitou as leis e deu melhor imagem ao Brasil. O que não vemos mais hoje.
     Desmonte de extermínio de minorias, meio ambiente, retirada de direitos sociais, desrespeito às leis, aumento da fome e da pobreza, imoralidade na lava-jato revelada. 
     Apesar das muitas acusações, não há nenhuma prova concreta de irregularidades envolvendo os Lula da Silva. Já com os Bolsonaro, evidenciam-se ligação com milícias, negócios obscuros e os constantes indecoros do presidente.
     Mesmo em caminhos tortos, Lula construiu uma história mais sólida junto ao povo e, por saber que conquistas sociais são termômetro maior de popularidade, se mostra uma sombra muito incômoda ao governo Bolsonaro. Mesmo preso.
     
     

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...