sábado, 25 de julho de 2020

Uma pacificação presidencial    

     Enquanto a pandemia de Coronavírus prende a atenção pública, Guedes planeja suas reformas de rapina do erário público e outros fatos agitam os bastidores de Brasília, no Rio de Janeiro opera uma realidade totalmente paralela.
     O povo fluminense, e especialmente o carioca, enfrentam um cotidiano de medo sob uma aparente paz. Isso há pelo menos 50 anos. E a maioria dos eleitores, iludida pelo discurso forte de um Brasil sem criminalidade, escolheu Bolsonaro.
     Voto do cansaço de viver amedrontado sob a mira dos atores do crime organizado. Os de mais idade expressavam saudade do famoso Mão Branca, a quem atribuíam as mortes de bandidos na Baixada Fluminense.
     Mal sabendo que o Mão Branca, "justiceiro dos cidadãos" para os abastados da época, segue mais como ficção criada pela imprensa do que alguém real: afinal, até hoje não se conhece a pessoa. Ainda assim, virou uma lenda urbana local, às vezes levada a sério.
     Muitas comunidades pobres cariocas são dominadas por diferentes facções do tráfico, e já outras, pelas milícias, os antigos esquadrões da morte formados por ex-PMs e bombeiros, que também são conhecidas como "polícia mineira" em alusão ao famoso rigor da PMMG.
     Há dois anos, a violência se intensificou em algumas comunidades da zona norte, não só pelas operações da PMERJ, mas também por milícias, atingindo o clímax no ano passado. As milícias já dominam a zona oeste, com extensões para a zona norte e a Baixada.
     Spoiler: da milícia de Rio das Pedras, na Baixada de Jacarepaguá, zona oeste carioca, são nomes importantes Fabrício Queiroz, Ronnie Lessa e Adriano da Nóbrega, conhecidamente ligados aos Bolsonaro.
     Neste mês, milícia invadiu comunidade do tráfico na área da Praça Seca, em Jacarepaguá. Ao operar no local, o Bope identificou ex-PMs transportando drogas, os narcomilicianos, que atuavam para o outrora inimigo.
     O termo indica um fenômeno recentemente identificado no crime organizado em alguns morros do Rio: a união entre velhas forças antes opostas e inimigas que protagonizam eventos que aterrorizam os moradores inocentes há décadas.
     Não é uma fusão, mas uma simbiose de duas forças que, independentemente do terror, tem tudo para ser um negócio tremendamente lucrativo, que já ocorre em 180 favelas.
     Com respaldo da PM, os narcomilicianos têm menor risco no transporte de cargas de drogas até o destino de saída do que os traficantes, que passam a atuar nos negócios daqueles, como segurança, internet (gatonet), gás, eletricidade, especulação imobiliária local, etc.
     Os escolhidos para o transporte de drogas e armas são os mais fortes, atentos, ágeis e sagazes, enquanto os demais atuam nas comunidades. Tudo em cooperação. São muitos nessa troca.
     Embora seja uma tendência crescente, tal simbiose ainda não é realidade em tantas favelas cariocas. E, como já citado, não é garantia de paz para os moradores, como o ocorrido recente na Praça Seca, região de Jacarepaguá, intensificado com a operação do Bope.
     Em paralelo, vem a pergunta: como duas organizações velhas inimigas se conciliam assim, do nada, se seus interesses sempre vigoraram distintamente, inclusive os princípios que regem suas atividades e os alvos dos ataques?
     Claro que há afinidades, a começar que ambas são organizações criminosas violentas e frequentemente mortíferas. Enquanto o tráfico alicia alguns moradores a consumir drogas para facilitar o recrutamento, a milícia extorque os seus para exercer os serviços já citados.
     Mas se sabe que há muito mais além do sucesso da cooperação: a influência política. Já se conhece há décadas as ligações da elite do tráfico e do jogo do bicho com políticos, no Rio e até no Brasil. E da proximidade dos Bolsonaro e outros políticos fluminenses com as milícias.
     Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro revogou três portarias que previam fiscalização de armas e munições, o que dificultaria as investigações policiais e rastreamentos do Exército, facilitando colecionadores e cidadãos comuns. Em consequência, as forças do crime se viram com os caminhos livres.
     Daí, se torna compreensível a interpretação de que a simbiose tráfico-milícia resultou, em muito, desse afrouxamento presidencial, o que promove uma oposição franca entre as diretrizes de Bolsonaro e o poder investigativo das polícias, Exército e Ministério Público.
     Ou seja, a simbiose pode ser fruto de uma diretriz, ou seja, um desejo presidencial, mesmo não sendo público.

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Fontes em que se baseou o texto:

Mão Branca:
https://oglobo.globo.com/rio/anos-80-grupos-de-exterminio-chegam-ao-poder-4562736
http://g1.globo.com/pb/paraiba/bom-dia-pb/videos/v/exposicao-mostra-historia-do-grupo-mao-branca-que-marcou-campina-grande-nos-anos-80/2879107/
http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/37767772334884404941874398462333204319.pdf
https://periodicos.ufrn.br/clincc/article/download/14862/9868/
https://www.youtube.com/watch?v=wTgHzifP_DY

Narcomilicianos:
https://oglobo.globo.com/rio/narcomilicias-traficantes-milicianos-se-unem-em-180-areas-do-rio-segundo-investigacao-24007664
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/11/01/milicia-do-rio-se-une-ao-trafico-para-enfraquecer-o-comando-vermelho.htm
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/04/17/revogacao-de-decreto-feita-por-bolsonaro-ajuda-crime-organizado-e-milicias.htm


     

sábado, 18 de julho de 2020

Milton Ribeiro e a educação punitiva



     Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro nomeou para ministro efetivo do MEC o santista Milton Ribeiro, de 62 anos. A posse foi nesse dia 16/7.
     O homem de aparência bonachona, bigodinho a destacar no rosto bochechudo e careca, é um pastor presbiteriano graduado em Teologia - até Malafaia tem, em escola 0800 para ser pastor antes de se graduar psicólogo especializado em gerar catarse apocalíptica aos seus fiéis.
     Milton se graduou no Seminário Presbiteriano do Sul e em Direito na Instituição Toledo de de Ensino, ambos em Santos. É ativo nas duas áreas, sendo professor na área de Teologia. É mestre em Direito pela Univ. Presbiterana Mackenzie, e se declara doutor em Educação pela USP.
     A despeito da afirmação de doutor, a USP nega existir tese. A negação partiu de professores que pesquisaram os dados da biblioteca on-line da instituição. De fato, não se encontra nenhuma referência ao doutorado ou à tese de Milton Ribeiro na minuciosa busca na citada página. Os professores relataram inacessibilidade.
     Tudo indica ser o segundo caso de inexistência de dados referentes a um título referido. O que acrescenta mais um péssimo detalhe que se volta contra a reputação, não só do governo Bolsonaro, mas do próprio Ribeiro.
     Se a nomeação de um pastor agrada a significativa fatia política e popular evangélica, por outro gera controvérsia. Afinal, as instâncias públicas são laicas, como reza o princípio da República instaurado desde a sua primeira Constituição, de 1891. Mas há outros detalhes além desse amplo conhecimento público.
     Trata-se da educação punitiva, que segundo Ribeiro, é o caminho para a "cura" da criança indisciplinada, com objetivo de "engrandecer a Deus", conforme vídeo de enquete em culto na sua igreja, que viralizou na internet e virou alvo de um massacre crítico público, que levou o pastor a pedir a retirada do mesmo no Youtube e das redes sociais.
     A reação pública se deu pela crítica do ministro à Lei da Palmada e revalorização do antigo professor punitivo. Será que os castigos físicos e psicológicos de antigamente retornarão?
     Por muito tempo, professores puniam a indisciplina por permissão legal e autorização dos pais, com castigos físicos (palmatória, varas de marmelo e bambu e régua), e psicológicos (castigos com bullying* por colegas). Foram definitivamente proibidos em 1990 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
     No Brasil, o castigo físico se restringe a certas escolas particulares confessionais, e públicas muito isoladas no interior sem internet. Mas a avaliação discriminatória negativa por notas e contra alunos críticos e questionadores, para homogeneizar o coletivo, são generalizados.
     A defesa de Ribeiro ao castigo físico se deve à Torah judaica e ao Antigo Testamento bíblico que exaltam tal punição pelos pais aos filhos e senhores aos escravos. Como na antiguidade os povos eram analfabetos, Ribeiro interpretou na extensão do poder auferido aos docentes.
     Se para os crédulos a retirada do vídeo foi uma submissão às críticas de oposição política, por outro lado a defesa à laicidade pode ficar só no papel, a depender da conduta de Ribeiro. A razão é o projeto Escola sem Partido, defendido pela bancada da bíblia no Congresso. 
     Este texto propõe, na verdade, a adoção de uma pedagogia que impeça o debate político na alegação de "respeito às crenças religiosas e políticas dos alunos", prevendo punições severas aos docentes, da advertência à demissão ou exoneração sumárias. 
     A bancada se viu impulsionada pela aprovação, pelo STF, da adoção do ensino religioso na modalidade confessional nas escolas públicas, mas facultativo conforme a Constituição. Em razão da diversidade de crenças e fé e da laicidade estatal, as escolas públicas que têm ensino religioso continuam na forma histórica e laica.
     Agora ministro, Ribeiro percebe que está numa encruzilhada, para tentar pacificar, a duras custas, num ministério sensível e destroçado, mundos muito diversos que se digladiam há com tempo: docentes, bancada da bíblia, Constituição e até o olhar atento do STF. Será que sai um conflito interno, entre o ministro e o presbítero?
     Aí poderá se desdobrar um conflito interno: o pastor que entende as proposições do Escola sem Partido, e o ministro que tem ciência da laicidade cuja proteção constitucional ao colorido de fé e crenças está muito acima de interesses pessoais e de grupos pequenos, mas poderosos.
     Duas figuras oponentes em muitos aspectos, mas não na sua totalidade. Por sua abertura ao diálogo, típico de um líder religioso e da carreira docente, Ribeiro pode tirar um bom proveito desse valioso ponto em comum, que pode significar a diferença para o futuro educacional do nosso país.
     E o que impera é o anseio pela educação científica e pela liberdade crítica, e não da punição anticientífica e acrítica que, ele sabe, nunca resolveu o flagelo das infrações de alunos e ex-alunos, elemento mais gritante de uma nação que grita: Educação por amor, por favor!.
     Quem viver, verá.

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Notas:
*Bullying - termo inglês que designa violência psíquica e/ou física nas escolas, para depreciar determinado aluno em virtude de suas diferenças, sendo uma forma de discriminação. 
     
     

domingo, 12 de julho de 2020

A delicada justiça no caso Queiroz-Márcia

     Desde que foi preso pelas forças policiais a mando da PF-RJ, Fabrício Queiroz, fiel escudeiro da família Bolsonaro por mais de 30 anos, durante as negociações para o oferecimento da delação premiada, pediu para que a sua esposa fosse poupada da prisão.
     Embora não fosse concedido o direito de delação premiada, Queiroz prestou o seu depoimento na sede fluminense da PF, e através da autorização do ministro da Justiça, conseguiu a prisão domiciliar, justificada por problema importante de saúde.
     Essa decisão não convenceu a geral, que por sua vez acredita em camuflagem midiática. Bem, verdade ou não, a surpresa maior veio em seguida: o habeas corpus foi concedido à mulher do miliciano, Márcia Aguiar.
     Nada mais justificado do que a surpresa popular: como a esposa dele conseguiria tal direito se não esteve presa? Resposta imediata: ela estava foragida.
     Segundo o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o fato constitui uma situação "bem rara", um fato unusual, se justificando na necessidade que Fabrício de estar acompanhado dos cuidados oferecidos por Márcia.
     Embora seja compreensível à primeira vista para os leigos, em especial aos fiéis apoiadores bolsonaristas, a ideia da concessão do direito ao HC para pessoas foragidas gerou confusão e pôs a Justiça numa sinuca de bico perante o público.
     Talvez a explicação esteja no dialeto juridiquês adstrito dos vetustos recintos dos tribunais e, quando muito, em processos judiciais e em escritórios de advocacia. Assim, foi mais forte, segundo os ministros, o princípio de inviolabilidade do direito à saúde. Uma raridade que entra na lista das exceções nesse mundo restrito.
     Tal consideração se baseia na interpretação jurídica, segundo a qual uma negação de HC em situação de fragilidade como doenças crônicas prévias possa vir a ser um constrangimento ilegal. Mas, e em caso de pessoa que ainda não foi presa ou se encontra foragida?
     A explicação se situa como HC preventivo, que ocorre "quando existe uma ameaça ao direito de ir e vir de uma pessoa". Segundo Luis Carlos Martins Alves Jr (2006), é um direito constitucional, cuja decisão se concentra nos tribunais superiores como STF e se difunde nas demais instâncias, o que pode gerar conflitos de avaliações subjetivas.
     A concentração em instâncias superiores do judiciário se deve ao fato de que o HC se aplicar a autoridades de primeiro escalão como políticos e outros, cujo foro obriga ao julgamento de ilegalidades nessas instituições, conforme a Constituição. Não é à toa que, não em caso de HC, que os crimes dos Bolsonaro estão em mãos do STF e do STE.
     A aplicação do HC do caso Queiroz-Márcia teve julgamento pelos ministros do STJ pelo fato de ele ter ligações antigas com os Bolsonaro e por ter sido assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro na Alerj. Este não pode levá-lo para assessorar no Senado devido às investigações em torno do caso Marielle Franco, ainda em 2018.
     Como se aplicaria o HC no caso em tela? A princípio, pode ser entendido no caso de Márcia acompanhar o marido doente, o que constituiria constrangimento ilegal caso fosse impedido. No caso Queiroz, que foi preso doente, o HC entra como recurso remediador.
     Embora a explicação acima possa parecer completa para ser assimilada pela população, o terrivelmente evangélico ministro Mendonça, da Justiça, disse que o procedimento impetrado foi prisão domiciliar, recurso comum a casos com motivações de saúde ou filhos menores sem outro responsável legal não envolvido.
     Ainda assim, a explicação do ministro não foi convincente, pois a opinião predominante é a de terem concedido HC aos dois, pairando a incompreensão indignada e jocosa sobre o status de Márcia como foragida.
     Até porque, juridiquês à parte, é sabidamente histórico o peso dos interesses de grupos bem poderosos - onde se insere a elite do crime organizado, que movimenta bilhões e tem ligação com vários nomes top da política e do empresariado -, para que alguns casos terminem em pizza, apesar de gastos altíssimos de recursos advindos de nossos impostos.
     Embora o caso Queiroz-Márcia seja uma exceção à parte, a controvérsia no senso popular reforça a já deteriorada reputação pública dos Bolsonaro pela sua evidente ligação com gente do crime organizado, em particular as milícias. Só os bolsominions os admiram, tanto quanto odeiam o STF, que vem trabalhado em respaldo da Constituição.
     Mas, de qualquer forma, o caso mostra como a Justiça lida com casos muito especiais, que se tornam tão delicados quanto mais periclitantes as relações dos Bolsonaro com milicianos e a possibilidade de sobrevivência do próprio escudeiro de tantos anos.
     
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Fontes referenciadas para leitura (algumas linkadas no texto):
- https://istoe.com.br/decisao-a-favor-de-mulher-de-queiroz-e-muito-rara-dizem-ministros-do-stj/
- https://jus.com.br/artigos/9248/o-habeas-corpus (Jus Navigandi, resenhas escritas por juristas)
- https://drwanderbarbosa.jusbrasil.com.br/modelos-pecas/185081379/habeas-corpus 


     
     

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Por trás de Bolsonaro com Covid

     Nos últimos dias, as mídias noticiaram que Jair Bolsonaro "finalmente" contraiu Covid-19, tendo a honra de, como ex-militar e presidente da República, se internar no Hospital Militar em Brasília.
     Segundo o boletim médico, o seu estado geral é estável e bom, o que sugere uma manifestação suave da patologia. O mandatário se aproveitou para atribuir insistentemente no seu "porte de atleta" e, sem hesitar, ao uso da cloroquina.
     Claro que bastou a notícia inicial de o presidente ter ficado doente para causar uma reação bem diversa na opinião pública. É possível que ele acreditou em uma reação dominante dos seus seguidores, o que não aconteceu.
    Aparentemente, a reação dominante foi a de que Bolsonaro contraiu Covid atribuindo-se às aglomerações propositadas e sem a devida proteção, expondo si próprio e os populares a um perigo passível ser mais largamente mortal do que o já divulgado diariamente.
    É bastante reveladora a probabilidade de muitos cidadãos que morreram de Covid-19 terem sido apoiadores de Bolsonaro, alguns deles fanáticos e policiais de fé evangélica das igrejas caça-níqueis cujos os líderes e seus obreiros fizeram um curral eleitoral incitando a votação maciça naquele, sob a alcunha "enviado de Deus" por portar Messias no nome.
     Mas há uma que se alastrou entre os mais desconfiados e opositores francos do presidente, na qual ele não adoeceu de fato, sendo um tipo assintomático que simula sintomas para ganhar tempo, por haver muita coisa notória de conhecimento público ocorrendo ao mesmo tempo. O que faz total sentido. Em tópicos:
1. O filho mais velho de Jair, Flávio Bolsonaro, estava para depor na PF após adiar durante 18 meses, sobre esquema das "rachadinhas". Nesse meio tempo, seu ex-assessor Fabrício Queiroz, preso em Bangu 8, prometeu delação premiada ao pedir liberdade a si e a esposa.
2. A promessa deixou pareceu surpreender a família Bolsonaro. O presidente viajou pelo país justamente (Ceará, Minas Gerais, Santa Catarina) para alguns eventos nessa semana, antes da data de seu depoimento sobre a interferência na PF.
3. O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro agora nega que houve interferência do presidente na PF, após acusá-lo do mesmo ato ao demitir sumariamente Mauricio Valeixo da direção-geral, nomeando em seu lugar o delegado Alexandre Ramagem*, amigo próximo dos Bolsonaro e... de Queiroz. A nomeação foi suspensa pelo STF.
4. A suposta doença de Bolsonaro coincide também com a decisão do presidente do STJ em passar Queiroz para a prisão domiciliar, por motivos de saúde. Mas o documento agora está com o MPF, que poderia repassá-lo de pronto ao STF, não fosse o recesso deste.
5. A prisão domiciliar beneficiou os Bolsonaro: Flávio pode minimizar seu depoimento, sem culpar o amigo de mais algum crime ou fato ilegal, e o presidente se safou de depor devido ao recesso do STF no início do mês.
6. Se sentindo "muito bem", o presidente fez live com agradecimentos para apoiadores. Alguns internautas disseram que seus olhos "estavam inchados". Talvez seja de tanto se locupletar nos sacrifícios alheios.
7. Um paralelo: sem máscara e desobedecendo recomendações da OMS e do então ministro Mandetta no MS, Bolsonaro aglomera populares em Brasília e adjacências, algumas findando em confusões com opositores e PM. Se muitos se contaminaram, por que ele não?
     O tópico 7 revela Bolsonaro como indivíduo assintomático ou imune ao Corona, o que não o impede, até prova em contrário, de transmiti-lo aos demais, bem como impede a consistência de qualquer evidência de adoecimento. E não é só isso.
     Também revela, figuradamente, uma "fusão" com o vírus, o Bolsovírus que, com Guedes, implanta o esgarçamento dos princípios republicanos e da estrutura estatal. Como se vê, há muita coisa oculta por trás do suposto adoecimento de Bolsonaro. 
     E é bom nos prepararmos, como oposição, para salvar o que resta do Estado, e a partir daí, salvar o que resta das nossas áreas naturais remanescentes e conter, o quanto antes, o avanço epidêmico do Covid e segurar as demais viroses silvestres que surgirem.
     

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Crédito geral da imagem: Google Imagens
Nota:

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Amazônia e o delírio dos juros baixos

     Enquanto rolavam as notícias relativas aos envolvimentos dos Bolsonaro em relações um tanto comprometedoras para suas reputações políticas e futuros idem, nos bastidores rolou um vazamento sobre o destino da Amazônia.
     A causa disso tudo foi uma comunicação entre o ministério da Agricultura e o grupo de investidores internacionais. A ministra Tereza Cristina soltou uma pérola: "o agronegócio não precisa da Amazônia".
     A "musa do veneno", como é conhecida por avalizar o presidente a liberar mais de 600 agrotóxicos proibidos no mundo todo pela OMS e pela FAO, órgão da ONU responsável pela alimentação e agricultura.
     Tereza Cristina parece ignorar as relações mais do que íntimas entre a produção alimentar, cobertura vegetal natural e clima. Afinal, interesses econômicos sempre existem e ultrapassam os seus devidos limites, minando o espaço da ética e da consciência crítica. Ainda mais nesse governo.
     Embora, pelos motivos acima mencionados, não devamos nos surpreender, a declaração da ministra mais revela do que esconde os perigos de uma ocupação desenfreada de grande área natural remanescente.
     A Amazônia no ano passado passou pela maior destruição desde que os levantamentos remotos foram iniciados pelo Inpe há quatro décadas, com reforço atual dos satélites que passam dados bem pormenorizados.
     Se as pesquisas do Inpe foram censuradas pela birra ideológica que culminou na demissão do diretor Ricardo Galvão, um cientista estimado na academia internacional, entrou a Nasa, agência espacial dos EUA, para se destacar no mesmo tipo de acompanhamento.
     Mas não é a primeira vez que a Nasa realiza esse papel. Seus satélites monitoram, em todos os cantos, as atividades nas áreas naturais remanescentes do planeta. O Brasil é bem especial, por reunir a maior área de biomas ainda preservados no mundo, o que mais revela que esconde uma gama enorme de riquezas naturais.
     Apesar da censura no ano passado, em que houve até acusação de aparelhamento do órgão pela esquerda, o que foi desmentido por Galvão, o Inpe tem continuado seus monitoramentos, em especial nas mudanças climáticas. A diminuição da umidade atmosférica amazônica foi um estudo conjunto.
     Esse estudo ocorreu em 2018, corroborando dados anteriores desde 2007, ressaltando que as autoridades devem se preocupar com as consequências do fenômeno sobre o clima em todo o país, notadamente no centro-oeste, Sudeste e Sul, onde há imensos terrenos de monocultura, e a disponibilidade alimentar no futuro. 
     Porém, sob o comando do ministro da Economia Paulo Guedes, sabidamente de selvagem têmpera neoliberal, Tereza Cristina simplesmente desprezou tais estudos, se limitando ao valor estrito à macroprodutividade do agronegócio: "Amazônia é coisa de ambientalista, queremos juros baixos".
     Tal crítica ela se referiu aos bancos brasileiros, que para ela e seu colega Paulo Guedes, se impõem em juros altos para o agronegócio, o que o tornaria um ramo caro de se investir. Mas, a ministra declarou numa reação ao recuo originado da ameaça dos investidores internacionais diante da política antiambiental adotada.
     O motivo está na crítica da musa do veneno aos juros altos dos bancos brasileiros ao setor, um "investimento muito caro", que poderá ser desonerado se a reforma tributária virar lei, sem melindrar o privilégio que perdoa a horrenda dívida previdenciária dos ruralistas, e jogando na massa trabalhadora já sacrificada peso ainda maior do ônus. 
     A reforma tem grande chance de passar pelo Congresso, haja visto a maioria liberal no lado econômico e uma bancada do boi maior. Mas há, também, forte chance de oposição, que vai querer atenuar a austeridade do texto, como fez com a reforma da previdência.
     Essa chance de atenuante não é só da oposição, há uma influência da pressão dos grandes investidores transnacionais, que cada vez mais demonstram a atenção com a Amazônia. Eles têm informações científicas em mãos e pressionam também a própria União Europeia a romper acordos com o Brasil devido a essa questão.
     Faz sentido: os megainvestidores já perceberam o valor das áreas naturais preservadas para a sobrevivência de toda a economia como. E do próprio Brasil, que não bastando a crise forçada por Guedes, ainda enfrenta o descontrole do Covid, que é o outro motivo de isolamento do país perante o mundo.
     O conjunto desses fatores ainda sem controle gerará, em primeira demão, consequências até previsíveis como o maior aumento dos preços ao consumidor de varejo, em especial alimentos, pela diminuição da disponibilidade alimentar devida às alterações climáticas locais, imediatas, além da potenciar a epidemia do Corona e liberar outros patógenos silvestres.
     Somando-se a isso, com a degradação do Estado pelo anarcocapitalismo, haverá depressão econômica e sujeição da população a um cenário de caos pior do que o visto nos países mais pobres e espoliados da África, cujas populações, em saúde, dependem de organizações como Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha e Crescente Vermelho.
     São a epidemia e a destruição das áreas naturais que forçam o aumento dos juros bancários, bem como a inconsequência prática de Guedes. Nada humanitário de fato. Por isso, desprezar a preservação da Amazônia e outras áreas naturais em troca de juros baixos se torna delírio da ministra. É melhor mudar de ideia, antes que seja tarde demais.


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Fontes de referência para a análise:
https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/04/28/amazonia-perdeu-18percent-da-area-de-floresta-em-tres-decadas-mostra-analise-de-imagens-de-satelite.ghtml
https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/07/05/o-agronegocio-nao-precisa-da-amazonia-diz-ministra-da-agricultura.htm
https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2019/11/epoca-negocios-nasa-ve-amazonia-mais-seca-e-vulneravel.html 
https://domtotal.com/noticia/1457979/2020/07/acuada-ministra-da-agricultura-minimiza-criticas-ambientais-e-exige-juros-baixos-para-o-agronegocio/




   

terça-feira, 7 de julho de 2020

Paulo Guedes, a antieconomia

     Enquanto milhões de brasileiros perdem empregos e outros tantos se deparam com uma queda brusca de seus rendimentos que impactam no orçamento familiar a cada dia, o governo elabora mais planos perversos contra o que sobra das economias restantes.
     Ninguém se atenta, a geral envolta em preocupações mil com muitas despesas que crescem junto ao misto de angústia, dor e até raiva, Bolsonaro lança uma lei que torna obrigatória máscara em locais abertos, mas quase a anula ao desobrigá-la em locais fechados.
     Lei esta contra a qual muitos nomes no Congresso ensejam recorrer contra, vetar um veto sem a devida justificativa que sustente o mínimo tal decisão. Todos apontam a permissividade grave que facilita a quebra de normas profiláticas pela população.
     Se as medidas de restrição impostas por autoridades regionais já não são seguidas desde o início, na maior parte sem benefício estatal algum e precisando sobreviver, imagine com essa permissividade toda. É a política do abatedouro.
     A política de abatedouro tem um apoiador silencioso e importante, na equipe de governo: o ministro Paulo Guedes, que aposta na urgência das sonhadas reformas aprovadas e do pacote de privatizações a ser tocado antes da decisão por cassação de chapa, impeachment ou interdição do presidente.
     Nesse pacote privatista os alvos são Correios, Caixa, Banco do Brasil e Petrobrás.
     Tudo isso no submarino, e tem mais: as reformas administrativa para minar o Estatuto do Servidor 8112/ 1990 para servidores novos, e a carteira verde-amarela que praticamente liquida os direitos dos novos empregados. O que significaria, na visão dele, uma sobra imensurável de recursos.
     Na reforma verde-amarela, ele opta por uma das duas opções: salário flutuante conforme o índice produtivo do mês, ou salário fixo distribuído por hora trabalhada. Quanto à previdência, já seria capitalizada. É, não se esqueceu desse detalhe tão macabro.
     Nas mídias se noticia o repasse prévio de mais de R$ 2,9bi do BB para o FDIC do BTG Pactual, do qual Guedes é sócio-fundador. A matéria do Valor Globo do dia 1/7 conta que foi uma venda de carteira à citada entidade.
     Antes, já foram repassados ao sistema financeiro recursos públicos de mais de R$ 1,2 tri tão logo houve o alerta pandêmico no Brasil. A prioridade à grita de um sistema atualmente zumbi em todo o mundo, que Guedes tanto defende, na verdade não surpreende. O quantitativo de recursos oriundos de impostos que é o absurdo da coisa.
     É bem possível que tenha sido devido a isso que foi determinado o corte de R$ 8 bilhões já a destino à prevenção e combate ao Corona, ainda na gestão de Mandetta. Pois o corte foi uma sugestão de Guedes, prontamente atendida pelo negacionista Bolsonaro.
     Guedes vê no negacionismo do chefe um benefício financeiro às transnacionais defendendo o franco desmonte do Estado, o que foi exposto na reunião ministerial de 22/4. Para ele, basta ao Estado atuar como um transmissor zumbi de recursos da dívida pública, hoje mais da metade do PIB, para os mercados transnacionais.
     Muito desses sonhos ainda não foram concretizados, pois não foi ainda uma data de quando o Congresso atenderá a eles. Afinal, há outras demandas muito preocupantes em pauta, como a questão do desemprego e de direitos humanos, e pior, o descontrole do Covid.
     E a nação trabalhadora já paga a conta sem que esta se complete: aumento do desemprego a mais de 50% do total da população ativa, algo inédito na nossa história (parabéns, Guedes!), e 
     Todos esses elementos formam um cenário assustador para a nação, que ficaria em situação de neocolônia cheia hiperexeplorada cheia de gente dentro. Nos países africanos mais pobres, ainda governados por ditadores, apesar de tantos problemas, pelo menos há Estados presentes. Só para comparar...
     Não por acaso que todo esse conjunto de propostas, se reunidas, formaria o pacote AI-5 da antieconomia de Paulo Guedes. Surreal, mas assustador.

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Crédito da foto: Contrapoder, "O AI-5 de Guedes", disponível em https://medium.com/@Contrapoderbr/o-ai-5-de-guedes-9d7bc5967753.

Ouras fontes: 

https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/07/01/bb-faz-cessao-de-carteira-vencida-de-r29-bi-a-fidc-do-btg-pactual.htm 
https://www.youtube.com/watch?v=giifeSneBV4



quinta-feira, 2 de julho de 2020

Brasil hoje e a ditadura de ontem

     Desde que Jair Bolsonaro, já presidente, declarou em tom saudoso retornar 50 anos em 4, muitos foram os debates nas redes sociais e em sites como blogs, noticiosos e outros.
     A paráfrase aqui se explica: JK (1956-61) usou o seu significado de progresso mediante o reforço à economia industrial, tornando São Paulo maior polo industrial e Brasília a nova capital do país.
     A invertida de Bolsonaro revelou o desejo de fazer o Brasil retornar aos "velhos e bons tempos" proporcionados, segundo ele, pelo período dos militares no governo.
     Seus eleitores e fãs logo interpretaram a ideia como devolver ao país o que teria sido, para para eles, um período de plena paz urbana, com poucos crimes e respeito à tal moral e bons costumes, afinal, os LGBTIs voltariam aos seus armários.
     Mas, ainda tem andado normal a democracia, na continuidade da liberdade de expressão de pensamento, de acesso à internet e, de certa forma, o direito constitucional de ir e vir. O voto já deixou de ser democrático enquanto é obrigação imposta e objeto de fraude que induz muitos eleitores a escolher "o menos pior".
     O direito de se manifestar é constitucional também, mas há ressalvas: o manifesto popular não pode ser autêntico, ou seja, defender suas pautas mais legítimas. A repressão dos populares pelas mesmas PMs que baixam cabeças aos mais abastados é clara em tantos vídeos nas redes sociais.
     O mesmo se diz das abordagens policiais a cidadãos. Em nome do terror de estado, mais de 5000 brasileiros morreram nas mãos de PMs em 2019, apesar de governo anunciar a redução de homicídios. Um engodo: além de falsa, essa afirmação esconde a principal autoria desse crime: as PMs.
     A PM foi desqualificada pelo Exército, na ditadura militar: a massa popular passou a ser o inimigo das elites, substituindo os antigos opositores políticos. Apesar dos vetos, a lei antiterror sancionada em março de 2016 por Dilma Rousseff reforçou a visão ditatorial nas terríveis operações da PM nas favelas.
     Apesar de abordar uma reforma importante em todas as modalidades de ensino, a LDB* de 1996 não abrange as escolas militares, que continua em sua pedagogia nada humanista, mais voltada aos rigores disciplinares e não a permitir ao aluno um caráter questionador sobre a realidade imposta.
     O governo atual se diz democrático, mas é autocrático, centrado em Bolsonaro, que recusa diálogos com a diversidade no legislativo e com o judiciário; é cristocêntrico, faz política nazifascista ao incentivar a tragédia desvalorizando ministros médico e professor efetivo, além de negar a ciência e as instituições.
     Conforme já tratado aqui, o regime de Bolsonaro difere da ditadura em elementos como a força estatal, aspectos ideológicos particulares e o contexto de eleição popular. Para atender a intenções ou desejo, Bolsonaro escolheu seus ministros a dedo, de modo a esgarçar as leis e as instituições, e o anarcocapitalismo pela destruição do Estado.
     Sistemático desmatamento da Amazônia e da Mata Atlântica, mortandade elevada mediante aglomerações e reabertura econômica precipitada, incentivadas por motivo eleitoreiro, crença em exagero da imprensa sobre o Covid, desmonte do Estado e cristocentrismo são elementos do bolsonarismo.
     Semelhança com a ditadura tradicional está no movimento político do fascismo, métodos de ameaça e/ou violência contra quem seja politicamente diferente ou opositor, capitalização sistemática, propaganda de si ou de seu governo com dados falsos e só, que consolidam o ideal bolsonarista. Elementos que convergem dois movimentos distintos.
     Mas vivemos em um contexto de internet que bombardeia novas informações, algumas bem suaves e superficiais como as falas esdrúxulas do presidente ou de Damares, outras bastante profundas como a ameaça de Queiroz jogar a merda no ventilador e Guedes a destroçar Estado e economia paulatinamente em seu submarino.
     Contexto esse que põe instituições paralelas sólidas em pleno vapor com resoluções a nos trazer expectativas sobre o desfecho da chapa Bolsonaro-Mourão e o futuro da nação após a saída dessa dupla.
     Ou o Brasil reencontra o caminho democrático e aproveita a chance de se reintegrar com o juntar e encaixe de seus próprios cacos, ou nunca saia da sua própria treva. Quem viver, verá.

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* Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, de 20 de dezembro de 1996, assinada por Fernando Hnerique Cardoso.

Veja:
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/04/16/numero-de-pessoas-mortas-pela-policia-cresce-no-brasil-em-2019-assassinatos-de-policiais-caem-pela-metade.ghtml
https://www.youtube.com/watch?v=gelfXMu7PgE




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