Mulheres cientistas: pioneiras invisíveis
Este artigo-estreia da série Curiosidades é fruto de sugestão pessoal de um amigo meu que acessou o blog. Embora o campo sociopolítico ainda seja dominante, textos dessa nova estirpe poderão surgir como entretenimento e debate.
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De todos os frutos da curiosidade, a Ciência é certamente um dos mais prolíficos por se irradiar em ramos do conhecimento que sequer pensaríamos estar nesse campo.
Ela está em cada detalhe de sua casa, desde a planta até a arquitetura e as instalações que lhe dão estabilidade, conforto e segurança. Está em cada desenho, cálculo, medida, questão filosófica e de culturas diferentes, relação com a natureza e seus fenômenos e no proveito de seus recursos. Está em tudo.
Desde tempos remotos a ciência ditou o destino, dos primeiros grupos agropastoris até as civilizações urbanas complexas, que observaram o mundo além de significados espirituais. E, desde então, ela é um esboço em constante redesenho, moldando nossa história até hoje.
Vieram nomes icônicos: Erastóstenes, Arquimedes, Hipócrates, Galileu, Van Leeuwenhoek, Newton, Einstein e Hawkins, Humboldt e Darwin, Rutherford e outros sobre a natureza; Weber, Marx, Freire e Bordieu em humanas; Niemeyer na arquitetura, e muitos outros.
Spoilers: áreas humanas são questionadas como ciências, mas seus estudos seguem critérios metodológicos das ciências exatas e naturais, e a filosofia é base para se questionar o senso comum sobre o mundo e até nós mesmos.
Bem, os nomes citados acima são todos masculinos. Mesmo tendo mulheres notórias, até reconhecidas, como Hipátia de Alexandria, Marie Curie, Ada Lovelace. E muitas outras, tanto cientistas quanto inventoras, que passaram despercebidas.
Hipátia se destacou na matemática e foi assassinada: mulher na época não podia ser tão inteligente. Marie descobriu o rádio* e sofreu com a radiação, e todavia previu o caminho da cura (vide nota abaixo). Lovelace, por sua vez, foi pioneira na programação de computadores. Mas essas são da minoritária lista das reconhecidas.
Entre as pioneiras invisíveis estão Vera Rubin (matéria escura), Lise Meitner (divisão de átomos), Katherine Jonhson (rota para a Lua), Esther Lederberg (genética microbiana), Nettye Stevens (cromossomos X e Y), Rosalind Franklin (DNA dupla hélice), Chieng-Shiung Wu (lei da paridade-radiação). Todas com legados creditados a homens.
Também em inventos elas foram caladas: Elizabeth Phillips (o 1º jogo lúdico de economia), Margareth Knight (máquina de fabricar sacos de fundo plano), Caresse Crosby (sutiã moderno); Mary Anderson (limpador de para-brisa); Marion Donovan (fralda descartável); Hedy Lamarr (comunicação sem fio) e outras.
Apesar da grande contribuição feminina, ainda se pergunta por que até hoje elas são tão mal conhecidas pelo público. O fato é que o protagonismo delas na ciência e tecnologia não é bem explorado como o são os homens, em especial na educação básica.
Aí reside o objetivo deste artigo: expor a incoerência da comunidade científica, mesmo que suas descobertas desmistificassem tantos mitos. E vem a pergunta: ela ainda sustenta o tabu que invisibiliza tantos nomes, já que o brilhantismo independe de sexo, gênero e sexualidade?
Historicidade cultural é chave. A hierarquização social se definiu e consolidou nas primeiras sociedades urbanas, estendendo-se nos papeis de gênero inerentes a valores religiosos, morais, códigos de conduta ética e papel social. A participação feminina se ligou ao lar e família.
Os papeis e relações de gênero se veriam dominantes nas culturas abraâmicas, refletindo-se fortemente na vida pessoal dos cientistas, diluindo o esperado paralelismo com o academicismo e a tecnologia. Afinal, eles são tão humanos quanto os leigos e foram criados no stablishment sociocultural citado.
Não obstante, vale salientar que qualquer formação acadêmica possui um valor comum e primoroso: usualmente, o conhecimento molda a qualidade de pensamento e individualiza as visões de mundo, permitindo o amadurecimento da mentalidade sobre os valores estabelecidos em vários aspectos, inclusive na oportunização da equidade de gênero.
Vale ressaltar que o boom industrial do pós-II Guerra demandou mais mulheres na força de trabalho e também a qualificação, acompanhando a sofisticação tecnológica e científica, que se vê hoje mais intensa e veloz. E os homens não dariam conta de fazer tudo sozinhos e sustentar suas famílias sem ajuda.
Nesse sentido, e pelas próprias mídias (abaixo) destacarem a evidência sobre a participação dos gênios femininos silenciados pela cultura machista, passou da hora da própria comunidade científica reconhecer o valor desses nomes e creditar-lhes os legados em seus memoriais.
Entre as mulheres citadas, quem se foi não voltará à vida, e as vivas talvez nem se lembrem mais. Mas, nada disso deve justificar uma invisibilidade de gênero que deve ser combatida com urgência. Não só para evitar que as atuais cientistas sofram do mesmo silêncio, mas para destruir de vez uma vergonhosa injustiça histórica.
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Nota:
*Elemento químico radioativo, usado inicialmente em radiologia. Com radiodermite grave devido à exposição contínua, Curie foi aconselhada pelo médico a descontinuar o estudo. Ela indagou se a radiação não pode servir para curar - a futura radioterapia, que trata o câncer hoje. (fonte: filme A descoberta do Rádio, em Cine Conhecimento, antiga TV Cultura, há 22 anos) (N. da A.)
Fotomontagem da autoria do artigo. Fotos via Google Imagens
Para saber mais e melhor:
Sobre cada cientista: wikipedia (site base).
1. https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/blogs/opini%C3%A3o-1.363900/mulheres-injusti%C3%A7adas-na-ci%C3%AAncia-1.611056
2.
https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/sete-mulheres-pioneiras-na-ciencia.ghtml
3. http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252018000300011&lng=pt&tlng=pt
4.
http://www.abrapecnet.org.br/enpec/xi-enpec/anais/resumos/R0388-1.pdf
5.
https://periodicos.ufms.br/index.php/cadec/article/download/5691/4241
6. https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/15/ciencia/1510751564_040327.html
7. https://canaltech.com.br/ciencia/14-invencoes-e-descobertas-feitas-por-mulheres-mas-que-sao-creditadas-a-homens-124106/