domingo, 30 de agosto de 2020

Mulheres cientistas: pioneiras invisíveis

Este artigo-estreia da série Curiosidades é fruto de sugestão pessoal de um amigo meu que acessou o blog. Embora o campo sociopolítico ainda seja dominante, textos dessa nova estirpe poderão surgir como entretenimento e debate.

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     De todos os frutos da curiosidade, a Ciência é certamente um dos mais prolíficos por se irradiar em ramos do conhecimento que sequer pensaríamos estar nesse campo.
     Ela está em cada detalhe de sua casa, desde a planta até a arquitetura e as instalações que lhe dão estabilidade, conforto e segurança. Está em cada desenho, cálculo, medida, questão filosófica e de culturas diferentes, relação com a natureza e seus fenômenos e no proveito de seus recursos. Está em tudo.
     Desde tempos remotos a ciência ditou o destino, dos primeiros grupos agropastoris até as civilizações urbanas complexas, que observaram o mundo além de significados espirituais. E, desde então, ela é um esboço em constante redesenho, moldando nossa história até hoje.
     Vieram nomes icônicos: Erastóstenes, Arquimedes, Hipócrates, Galileu, Van Leeuwenhoek, Newton, Einstein e Hawkins, Humboldt e Darwin, Rutherford e outros sobre a natureza; Weber, Marx, Freire e Bordieu em humanas; Niemeyer na arquitetura, e muitos outros.
     Spoilers: áreas humanas são questionadas como ciências, mas seus estudos seguem critérios metodológicos das ciências exatas e naturais, e a filosofia é base para se questionar o senso comum sobre o mundo e até nós mesmos.
     Bem, os nomes citados acima são todos masculinos. Mesmo tendo mulheres notórias, até reconhecidas, como Hipátia de Alexandria, Marie Curie, Ada Lovelace. E muitas outras, tanto cientistas quanto inventoras, que passaram despercebidas.
     Hipátia se destacou na matemática e foi assassinada: mulher na época não podia ser tão inteligente. Marie descobriu o rádio* e sofreu com a radiação, e todavia previu o caminho da cura (vide nota abaixo). Lovelace, por sua vez, foi pioneira na programação de computadores. Mas essas são da minoritária lista das reconhecidas.
     Entre as pioneiras invisíveis estão Vera Rubin (matéria escura), Lise Meitner (divisão de átomos), Katherine Jonhson (rota para a Lua), Esther Lederberg (genética microbiana), Nettye Stevens (cromossomos X e Y), Rosalind Franklin (DNA dupla hélice), Chieng-Shiung Wu (lei da paridade-radiação). Todas com legados creditados a homens.
     Também em inventos elas foram caladas: Elizabeth Phillips (o 1º jogo lúdico de economia), Margareth Knight (máquina de fabricar sacos de fundo plano), Caresse Crosby (sutiã moderno); Mary Anderson (limpador de para-brisa); Marion Donovan (fralda descartável); Hedy Lamarr (comunicação sem fio) e outras. 
     Apesar da grande contribuição feminina, ainda se pergunta por que até hoje elas são tão mal conhecidas pelo público. O fato é que o protagonismo delas na ciência e tecnologia não é bem explorado como o são os homens, em especial na educação básica.
     Aí reside o objetivo deste artigo: expor a incoerência da comunidade científica, mesmo que suas descobertas desmistificassem tantos mitos. E vem a pergunta: ela ainda sustenta o tabu que invisibiliza tantos nomes, já que o brilhantismo independe de sexo, gênero e sexualidade?
     Historicidade cultural é chave. A hierarquização social se definiu e consolidou nas primeiras sociedades urbanas, estendendo-se nos papeis de gênero inerentes a valores religiosos, morais, códigos de conduta ética e papel social. A participação feminina se ligou ao lar e família.
     Os papeis e relações de gênero se veriam dominantes nas culturas abraâmicas, refletindo-se fortemente na vida pessoal dos cientistas, diluindo o esperado paralelismo com o academicismo e a tecnologia. Afinal, eles são tão humanos quanto os leigos e foram criados no stablishment sociocultural citado.
     Não obstante, vale salientar que qualquer formação acadêmica possui um valor comum e primoroso: usualmente, o conhecimento molda a qualidade de pensamento e individualiza as visões de mundo, permitindo o amadurecimento da mentalidade sobre os valores estabelecidos em vários aspectos, inclusive na oportunização da equidade de gênero.
     Vale ressaltar que o boom industrial do pós-II Guerra demandou mais mulheres na força de trabalho e também a qualificação, acompanhando a sofisticação tecnológica e científica, que se vê hoje mais intensa e veloz. E os homens não dariam conta de fazer tudo sozinhos e sustentar suas famílias sem ajuda.
     Nesse sentido, e pelas próprias mídias (abaixo) destacarem a evidência sobre a participação dos gênios femininos silenciados pela cultura machista, passou da hora da própria comunidade científica reconhecer o valor desses nomes e creditar-lhes os legados em seus memoriais. 
     Entre as mulheres citadas, quem se foi não voltará à vida, e as vivas talvez nem se lembrem mais. Mas, nada disso deve justificar uma invisibilidade de gênero que deve ser combatida com urgência. Não só para evitar que as atuais cientistas sofram do mesmo silêncio, mas para destruir de vez uma vergonhosa injustiça histórica.
     

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Nota:
*Elemento químico radioativo, usado inicialmente em radiologia. Com radiodermite grave devido à exposição contínua, Curie foi aconselhada pelo médico a descontinuar o estudo. Ela indagou se a radiação não pode servir para curar - a futura radioterapia, que trata o câncer hoje. (fonte: filme A descoberta do Rádio, em Cine Conhecimento, antiga TV Cultura, há 22 anos) (N. da A.)

Fotomontagem da autoria do artigo. Fotos via Google Imagens

Para saber mais e melhor:
Sobre cada cientista: wikipedia (site base).
1. https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/blogs/opini%C3%A3o-1.363900/mulheres-injusti%C3%A7adas-na-ci%C3%AAncia-1.611056
2. https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/sete-mulheres-pioneiras-na-ciencia.ghtml
3. http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252018000300011&lng=pt&tlng=pt
4. http://www.abrapecnet.org.br/enpec/xi-enpec/anais/resumos/R0388-1.pdf
5. https://periodicos.ufms.br/index.php/cadec/article/download/5691/4241
6. https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/15/ciencia/1510751564_040327.html
7. https://canaltech.com.br/ciencia/14-invencoes-e-descobertas-feitas-por-mulheres-mas-que-sao-creditadas-a-homens-124106/

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Os perigos por trás da ameaça

     O domingo começou "bem". Cercado por seus seguranças que o protegiam, o mandatário Jair Bolsonaro voltava para o Palácio sendo seguido pelos jornalistas. O clima parecia calmo, até que um destes pergunta: "Presidente, o que o senhor tem a dizer sobre os depósitos na conta da primeira-dama?".
     Foi mais do que o suficiente para o que os jornalistas viriam, sob a mira de celulares e câmeras. Não parecendo se importar com isso, o presidente rapidamente responde, sem parar de andar e sem olhar o indagador: "Tenho vontade de meter encher a sua boca de porrada". O jornalista perguntou se aquilo é uma ameaça, mas foi ignorado.
     Em onda solidária, muitos nomes da classe jornalística repetiram nas redes sociais a pergunta do colega, que virou topic trending nas mesmas. A ação foi repetida por muitos cidadãos que consideraram, com razão, reprovável a atitude do presidente.
     Mas houve solidariedade dos bolsominions, fanáticos idólatras de Bolsonaro: uma chuva maciça de frases de apologia à violência aos repórteres foi registrada nas redes, soando como uma resposta ao ato solidário dos jornalistas e outros que se revelaram contrários à grosseria do presidente. Para os bolsominions, "tem que que apanhar mesmo".
     Claro que a reiterada conduta do presidente com os jornalistas representa a sua opinião e sentimentos a respeito da imprensa, o que em si é um direito. E ele não é o primeiro: talvez com exceção de Castello Branco, o breve, os demais ditadores militares eram toscos e gratuitamente desrespeitosos com a imprensa.
     Embora muitos considerem "típica de militar", a conduta se revela inversa à própria cultura militar, que se cultiva na base da disciplina, na qual inclui urbanidade para conquistar respeito popular. É também incompatível com a liturgia e civilidade do cargo de líder nacional. É nessa questão do exemplo que reside esta reflexão.
     As ofensas de Bolsonaro são a maior queixa dos jornalistas que passaram pela experiência de entrevistá-lo, com 245 notificações só este ano. Não por acaso há uma mordaça imposta à liberdade de diálogo, engrossada pelas interferências presidenciais em órgãos de investigação. Mordaça essa que é crime de responsabilidade e de improbidade administrativa.
     Um detalhe aterrador das ofensas é que, como elemento aplaudido pelos bolsominions, se difunde na sociedade algo muito maior do que brincadeira de mau gosto: a crueldade. Esta já decorre de seu significado de perversidade - característica muito atribuída ao presidente por muitos nomes críticos da cultura pop do Youtube.
     Paulo Ghiraldelli define o perfil do bolsominion* como aquele que acredita "poder ofender, agredir os diferentes", mas negando "a recíproca", e o relaciona aos crescentes índices de homicídios (com maior participação da PM), violência doméstica e estupros sobre mulheres e crianças em São Paulo, após algum tempo de certa queda.
     A violência policial contra os moradores de favelas sempre ocorreu, mas o recrudescimento desde o período eleitoral de 2018 até hoje se verificou maior participação, tendo como forte referência o emponderamento das milícias, formadas por militares afastados por aposentadoria ou crime, que a maioria dos PMs quase teme.
     Faz inteiro sentido, estendendo-se a outros fatos. Há vários relatos de "agressões gratuitas de botequim" desde antes da eleição de 2018, mostrando que a ideologia do bolsonarismo foi se infiltrando aos poucos na mentalidade dos bolsominions. As PMs e FFAA contribuíram nisso, dada a relação controversa, mas sempre próxima com a população.
     Ghiraldelli estendeu sua crítica à "esquerda identitária" no caso da menina grávida violada, dada a preocupação única com a autoria do crime sexual. Ainda que o crime sexual possa ser mesmo uma tática de dominação, o foco exclusivo nele se revela autolimitante quando o isolam dos demais fatores que favoreceram a violência.
     Tal insistência num foco definido no "crime do macho" criticada por Ghiraldelli ao grupo identitário se visualiza na impossibilidade de naturalizar plenamente seu ideal: nem em países bem educados e desenvolvidos se livrou de certos preconceitos, como racismo e xenofobia. O que é praticamente impossível num país tão desigual e mal-educado.
     Por outro lado, o reflexo bolsonarista houve na agressão de fanáticos na porta do hospital em Recife. Embora a ICAR seja contrária ao aborto, o ódio coletivo foi ideia da ministra Damares, que repassou os dados sigilosos da vítima a Sara Winter, que os expôs e chamou os fanáticos. O aborto foi tocado pelos identitários, mas não o ódio, daí fazer sentido a crítica do professor.
     Invasão de hospitais clamada pelo presidente; despejo ilegal de sem-terras de assentamento legal no interior de MG e outras plagas, mascaramento do Covid entre os mais pobres, negação à saúde, educação e ao desenvolvimento científico, mascaramento estatístico do Covid entre os mais pobres e outros são exemplos de perversidade direta transmitidas pelas autoridades.
     Não é por acaso a existência de tantas políticas perversas, inclusive no campo econômico, em que as camadas populares e médias vêm sendo cada vez mais castigadas pelas propostas de Guedes, que trabalha para manter total proteção aos mais abastados, mantendo o formato regressivo (inversamente proporcional) das mesmas.
     Há solução? Sim, há. A começar por muita conscientização de base, que partirá para um contra-ataque popular que comprove, de uma vez por todas, a urgente necessidade de cassação da chapa, pois não se sabe até onde irá a paciência, que já findou mundo afora e pode fazer o país perder mais bilhões ainda em divisas e cair um buraco muito difícil de se sair.
     Se nada for feito, este será o maior perigo imposto pela violência da autoridade, e também pela inércia propositada de um parlamento que se rebaixa ao venal absoluto.
     
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Nota 1: bolsominion é termo do blog, e não atribuído ao professor destacado. (N. da A.)
Nota 2: fotomontagem da autoria do texto, imagens creditadas ao Google Imagens.

Bases relacionadas para reforço reflexivo: Noticiosos e Youtube para saber mais:
-https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52553647 
-https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/08/24/9-ataques-de-bolsonaro-a--jornalistas--e-quais-os-temas-que-levaram-presidente-a-perder-a-linha.htm 
-https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53893121
-https://www.terra.com.br/noticias/brasil/reporter-tem-que-apanhar-mesmo-ataque-de-bolsonaro-gera-onda-de-ameacas-fisicas-a-jornalistas,a531aaaf8ffb0932d35c82ae9d44d000ioha5023.html
-https://fenaj.org.br/presidente-bolsonaro-promove-245-ataques-contra-o-jornalismo-no-primeiro-semestre/
-https://congressoemfoco.uol.com.br/direitos-humanos/bolsonaro-fez-245-ataques-contra-a-imprensa-em-2020-veja-a-linha-do-tempo/
.: Especial: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/curadoria-de-noticias/conteudos-no-youtube-elevam-o-debate-contra-a-desinformacao/
YoutubeVide Paulo Ghiraldelli, Bemvindo Sequeira, Portal do José, Pensando Alto Roberto Cardoso, TV Boitempo e outros. https://www.youtube.com/watch?v=yJk1aXhrays 
Violência policial (blog): https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2019/09/witzel-e-bolsonaro-faces-da.html e https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2019/08/witzel-e-o-desfecho-do-sequestro-na-rio.html.


     

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Biopoder na punição da vítima

     Nessas duas últimas semanas foi noticiado em larga escala o fato de uma menina de 10 anos que ficou grávida mediante estupro cometido por seu tio, em São Mateus, no norte do Espírito Santo. Para variar, o caso foi parar nas redes sociais.
     Com dores abdominais constantes, a menina foi levada a um hospital, com constatação da gravidez de 22,5 semanas. Ela revelou os estupros de que foi vítima de um tio desde os 6 anos de idade, não o denunciantes devido a ameaças dele. O acusado estava foragido até ser preso em MG (links abaixo).
     Antes da prisão do tio, a notícia da menina grávida por estupro gerou debates ferventes nas redes sociais e em mídias noticiosas. Tudo porque veio um tema sempre tão delicado quanto discutir sobre religião e fé: o aborto.
     O aborto sempre gerou debates no Ocidente. Sua criminalização teria ocorrido ainda na Antiguidade, desde antes da era greco-romana, mas não parece ter sido hegemônica naqueles tempos. Mas Hipócrates, o pai da Medicina, era contra. Tudo parece indicar que surgiu mais como assunto da área do direito do que propriamente na esfera religiosa.
     Faz sentido, até porque se deve ter cautela com a conduta das várias interpretações sobre a relação entre a visão jurídica atual e a posição de diferentes religiões, o que torna o aborto um assunto ainda mais delicado e sempre fácil de gerar polêmicas nada agradáveis entre diversos movimentos.
     Cada religião, ou grupo religioso, assume posições precípua sobre o aborto, como no grupo abraâmico (judaísmo, cristianismo e islamismo), cujas muitas correntes interpretam o tema, desde posições totalmente contrárias às mais favoráveis, conforme reflexão contextual.
     Em países de forte religiosidade há forte imposição de limites. No Brasil, o Código Penal de 1940 já aceitava os casos de estupro. Apesar da pressão da bancada bíblica na Câmara, o STF em 2016 estendeu a legalização em caso de risco à vida materna e para anencefalia.
     Uma vitória nada gratuita para as feministas, graças à avaliação das provas médicas pelos ministros por oferecimento de médicos, e muito debate na sociedade. A bancada bíblica se calou na tribuna, mas conseguiu montar o forte grito ideológico em suas igrejas.
     O barulho da bancada se fundamenta no Deuteronômio (antigo testamento), muito tocado em igrejas pentecostais. Mesmo passível de interpretações várias, ele é base das desigualdades de gênero na história e foi assumido pelo bolsonarismo sobre direitos de gênero e da mulher, o que gerou forte polêmica em recente encontro internacional na ONU.
     Foi por defender bases como esta que grupos ultracristãos se juntaram em frente ao hospital onde a criança fora internada para a interrupção da gravidez, entre distribuição de insultos à vítima e à esquipe de saúde responsável, e orações em voz muito alta. A PM interviu após um conflito entre os religiosos e um grupo feminista que defendia a vítima.
     Detalhe: a menina entrou segura no hospital após chegar no porta-malas por autorização visando exposição de sua imagem e tumultos de grupos contrários. O que, por outro lado, não foi bem exitoso. 
     A confusão ocorreu por instrução da ativista de extrema-direita Sara Giromini, que expôs os dados pessoais da vítima na rede violando o ECA. Mas não fez sozinha: a ministra Damares entregou à sua dileta ex-funcionária os dados proibidos e deu a ordem do tumulto. A ministra é pastora pentecostal e foi vítima de abusos na infância.
     O dr. Olímpio, chefe da equipe responsável pelo aborto, revelou a natural inaptidão devida à imaturidade física e pelo diabetes gestacional desenvolvido. Ele foi o mesmo que salvou a vida da conterrânea de 9 anos que engravidou de gêmeos via estupro, e foi excomungado 2 vezes pela ICAR. Por ter salvado vidas.
     O foco dos fanáticos religiosos no caso dessa semana centrado no aborto transcende a mera hipocrisia moralista. Há forte componente que visa a degradação ou eliminação da vítima pelo valor funcional que eles enxergam. No caso em tela, a menina-mulher é reduzida a um útero a serviço da sociedade, independente de qualidades mais concretas.
     Esse componente, o biopoder de Foucault, ou necropolítica de Mbembe, é extensivamente estudado na sociologia (links abaixo). O primeiro é seletivo e é citado pelo filósofo Paulo Ghiraldelli, enquanto o segundo é defendido por Reinaldo Azevedo, jornalista, ambos críticos do governo Bolsonaro.
     A ira dos fanáticos religiosos contra a vítima ocorre basicamente se esta não reagiu ao crime e ao criminoso. O que não se revela na consequência, no caso em tela, a gravidez abortada, por sua vez interpretada na ideia na ideia de um ser indefeso. Desprezam se a grávida é menina ou mulher, se é gravidez indesejada ou indevida.
     Não foi a decisão da jurisprudência (exceção legal por excepcionalidade) e a atitude médica que mais os irou, mas a representação, para eles, da contrariedade à lei divina - incoerência: no Antigo Testamento há abortos atribuídos à ira divina. Talvez nem se dão mais conta, pois há o hábito de ler apenas o que lhes convém.
     Quando as vítimas são meninos ou jovens (vide o filme Spotlight, segredos revelados), o biopoder pode se revelar na superioridade hierárquica, social ou etária do criminoso em relação à vítima, e também no silêncio forçado desta última. Vitimas masculinas podem sofrer como as femininas, por causa da condenação à suposta homossexualidade.
     Pois a população LGBTQ como um todo sofre também as consequências do biopoder. Seus índices de suicídio são maiores, bem como os de homicídios em relação ao seu total. Se são vítimas de um crime homotransfóbico ou não, sofrem duplo trauma, do preconceito e do seu silêncio forçado pela indefesa perante o criminoso e da sociedade.
     O biopoder não explica a origem dessa cultura de dominação propriamente, mas o método político de controle social mais rígido. O que soma mais dois traumas na estigmatização da vítima. Por isso, o aborto terapêutico das vítimas estupradas e a punição dos criminosos em geral, possam se revelar seus potenciais antídotos.


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Fontes - para saber mais:

Menina grávida/aborto/estuprador/Damares:

https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2020/08/18/tio-suspeito-de-estuprar-e-engravidar-menina-de-10-anos-e-preso-diz-governador-do-es.ghtml
https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/08/17/estupro-da-menina-de-dez-anos-foi-sequestrado-por-subcelebridades-do-odio.htm
https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/08/16/voce-e-contra-o-direito-de-meninas-estupradas-poderem-fazer-aborto-jura.htm
https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/08/18/interna_nacional,1177031/preso-na-grande-bh-tio-suspeito-de-estuprar-e-engravidar-menina-de-10.shtml
https://www.agazeta.com.br/es/policia/tio-acusado-de-estuprar-menina-de-10-anos-no-es-e-preso-em-minas-0820
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-18/policia-prende-tio-indiciado-por-estupro-e-gravidez-de-menina-de-10-anos-que-estava-foragido.html
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/08/veja-o-que-damares-e-outros-disseram-sobre-caso-de-menina-de-dez-anos-gravida-apos-estupro.shtml
https://www.pragmatismopolitico.com.br/2020/08/menina-gravida-10-anos-aborto-damares.html
http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,evolucao-historica-do-aborto,56669.html
https://www.migalhas.com.br/quentes/283844/codigo-penal-e-o-aborto#:~:text=a%20tr%C3%AAs%20anos.%22-,%22Art.,de%20um%20a%20quatro%20anos. 
Biopoder/necropolítica:
https://www.youtube.com/watch?v=svwMJPfv-Jk (Paulo Ghiraldelli)
https://www.youtube.com/watch?v=OOlLm6-WS4o (filme)
https://www.scielo.br/pdf/ln/n63/a08n63.pdf
https://www.geledes.org.br/necropolitica-por-oscar-vilhena/
https://www.geledes.org.br/biopoder-por-sueli-carneiro/
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/205632/PJOR0124-T.pdf?sequence=-1
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v70nspe/03.pdf
http://www.direitorp.usp.br/wp-content/uploads/2017/01/ebook.O-lugar-da-v%C3%ADtima-nas-ci%C3%AAncias-criminais.pdf
https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/ebook-conceitos-formas_2.pdf
https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/08/biopoder-de-hitler-bolsonaro-quando-o.html





segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Reflexão: o novo Bolsonaro e o PT

     O título acima e a montagem ao lado vieram por conta de uma reflexão que me vem ocorrendo no acompanhamentos do trânsito político recente, a partir das investigações determinadas pelo STF sobre os Bolsonaro e seus seguidores até os fatos mais frescos.
     Nos últimos dias, os brasileiros assistiram a uma novidade que vem despertando debates nas redes on-line: a mudança de Bolsonaro. Nesses diálogos intensos que valeram algumas análises importantes no jornalismo, bem como algumas contidas em canais mais sérios no Youtube. 
     Análises estas que inspirariam a reflexão neste artigo, numa junção dos informes acessados nestas plataformas. Parece complicado, mas no fundo não é. E o resultado da reflexão pode parecer desanimador, mas a intenção é alertar para o contrário.
     O Bolsonaro atual, apelidado de "paz e amor", tomou lugar do figurão bravateiro, grosso e preconceituoso que marcou mais de um ano de seu mandato e que pareceu ter contribuído para tornar sua situação mais delicada do que fortalecida, evidenciada nos mais de 50 pedidos de impeachment e seis denúncias ao TPI por genocídio.
     A popularidade do presidente se reduziu dos 37% iniciais a uns 20%. Segundo pesquisa do DataFolha, seu governo era reprovado por 54%. Evidências de ligações com milícias e seus crimes, rede de fake news, "rachadinhas", negócios ilícitos, etc., fizeram o STF mais na cola e aumentaram seu isolamento político.
     A repercussão desses fatos atingiu o exterior tanto quanto as questões socioambientais e o descaso com a saúde pública na pandemia de Covid, isolando-o perante o mundo e ameaçando a já delicada economia do país, tendo-se aí a ajudinha do irresponsável socioeconômico Paulo Guedes. Cansou.
     Era preciso um estratagema para, na medida do possível, reverter um pouco a coisa. Então, recorreu ao marketing pessoal. Apostou em alimentar o carisma, embora menor do que o de Lula, aos poucos corroído quase totalmente pela estampa grosseira, embora mais realista, do personagem Bolsonaro.
     Mas é sempre bom saber: é nesse estratagema que muitos políticos notórios foram eleitos. Como as tradicionais cestas básicas, dentaduras, esmolinhas de R$50, supostos centros sociais, etc. É um plano tão audacioso quanto velho, mas sempre funcional, mesmo que no final não desse em vitória, mas valida a intenção.
     O novo Bolsonaro não é de agora. Se construiu aos poucos, desde meados de junho, em acirramento das investigações. Indiferente à progressão da tragédia do Covid e temendo que a esquerda possa voltar, ele se focou em restaurar sua popularidade para se garantir no páreo eleitoral de 2022.
     No embarque desse carisma ele foi explorar novos horizontes, lá nos rincões nordestinos, considerados tradicionais redutos lulistas. Mas continua a atribuir para si as benfeitorias locais dos petistas, como pavimentação de estradas e a liberação de água em canal de transposição do Velho Chico. 
     A estratégia pareceu ter dado certo, pois nessa campanha de marketing eleitoral, Bolsonaro obteve sensível melhora: na nova pesquisa do DataFolha, 47% aprovam seu governo. O STF pareceu recuar, e há silêncio sobre os processos da cassação da chapa no STE. Sem máscara e alcool gel, provoca aglomerações. Sorri.
     Mas, estamos ainda em meio de 2020, e até 2022 muita água já rolou pelas corredeiras do caudaloso rio político. Nesse meio tempo, muitos fatos ainda ocorrerão, afetando a nascente boa relação entre o novo Bolsonaro e populares ex-contrários. Como, por exemplo, alguém do Nordeste esclarecendo ressalvas sobre as benfeitorias de governos anteriores.
     Muitos locais sabem que a água do canal mostrado nas mídias foi liberada graças à cidade local ter prefeito próximo a Bolsonaro. Como na conturbada era Dilma os prefeitos de direita estavam no poder, houve divergências internas, a água não foi liberada e, por ser obra federal, quem pagou a pior foi a presidente.
     O mote da corrupção que motivou a eleição de Bolsonaro pode se enferrujar na descrença popular até 2022 devido às evidentes ilicitudes financeiras da família. Há o TSE de olho nos processos sobre cassação da chapa por fraude. Há os pedidos de impeachment e as denúncias internacionais. 
     Sim, isso tudo poderá cair na consciência coletiva.
     Mas, como a corrupção é no presente momento muito forte na memória recente, sempre irá respingar sobre o PT. Ao contrário do que pensamos, o Nordeste não é obrigatoriamente Lula. Ser pernambucano e ter dinamizado a economia regional com suas benfeitorias não tornam a região lulista. Em SP há mais gente da esquerda e petistas do que no Nordeste.
     A referência ao Nordeste mostra que Bolsonaro achou a pepita de ouro: o populismo. Em geral o brasileiro é imediatista, explicável nas dificuldades enfrentadas no status da pobreza crescente: a carência de insumos de necessidade mais premente. Daí se satisfazer com as esmolas populistas supracitadas, mesmo que a bonança passe logo, logo.
     Em se tratando de populismo, vale aí uma reflexão sobre os governos petistas, cujos feitos positivos, merecem consideração. Mitigar os desmandos do neoliberalismo não é fácil, e isso Lula fez com inteligência, graças à facilidade de crédito e às políticas sociais que conseguiu fazer e Dilma manteve por bom tempo. Mas, há limitações.
     Retirando-se a questão corrupção, vale muito a reflexão sobre a conduta assumida pelos governantes petistas em relação ao povo. Apesar de certo estreitamento do abismo social com diminuição dos índices de pobreza, permaneceu o ponto crítico: a manutenção do populismo. Daí os reflexos a seguir.
     - A valorização do salário mínimo, a facilidade de crédito e os programas de casa própria possibilitou o surgimento de nova classe de consumidores de bens duráveis, cujo acesso era muito difícil antes. Consumidores em vez de administradores dos recursos possíveis, por falta de educação financeira.
     - Apesar da política de concursos públicos nos mais variados ramos do poder público, não houve suficiência que cobrisse carências de recursos humanos e materiais, e os servidores públicos dos serviços essenciais tiveram que ir às ruas para obterem aumentos salariais que reparassem boa parte da perda nos 8 anos da era FHC.
     - E mesmo com mais servidores, a saúde federal permaneceu concentrada em 70% no Rio de Janeiro e carente em muitas regiões, principalmente por conta do último grande concurso ter ocorrido em 2005 e desde então tem havido contratações temporárias.
     - Apesar do Fundeb ter garantido até 20% a mais de verbas que cobriram até certo ponto algumas carências, faltou uma política de renovação do ensino para a educação científica e laica que pudesse afastar as investidas indevidas do fanatismo, que vemos hoje mais intensas fomentando a anticiência ou a pseudociência;
     - Apesar da democratização dos métodos de ensino desde a LDBEN* de 1996 e do ensino de Sociologia e Filosofia, não foi visto um fomento real a uma educação política que seria tão essencial para a formação do senso crítico nos alunos acerca da situação política e dos atores que a protagonizam. O que poderia contribuir para evitar eleição de mal-intencionados.
     - O populismo petista, tal como o de Bolsonaro e outros políticos anteriores, também foi permissivo com as malversações ocorrentes nos bastidores envolvendo o alto empresariado corruptor e a classe política corrupta.
     Tais tópicos representaram falhas ocorrentes então, mas conforme interpretação deste blog sobre as informações contidas nos links abaixo. A intenção do blog foi interpretar como os governos anteriores, em especial os petistas, de certo modo contribuíram para o florescer do bolsonarismo de hoje, no âmbito político.
     Ah!, não se esqueçam: o Bolsonaro comedido e sorridente de hoje é só uma falácia de marketing, "taokei"?

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*Lei de Diretrizes e Bases da Educação, uma "constituição" a partir da qual se definem todas as leis complementares. É ela que normatiza toda a estrutura educacional. (N. da A.).

Para saber mais:
Fontes UOL: 
https://entendendobolsonaro.blogosfera.uol.com.br/2020/08/14/popularidade-de-bolsonaro-nao-e-burrice-do-povo-e-a-politica-como-ela-e/
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/07/sombra-do-presidente-almirante-influencia-fase-paz-e-amor-de-bolsonaro.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/leandrocolon/2020/06/isolado-bolsonaro-adota-o-paz-e-amor-por-conveniencia.shtml
https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/claudio-humberto/2020/07/11952644-assim-como-bolsonaro-mudou-seu-comportamento-para-estilo--paz-e-amor---stf-tambem-recuou.html
https://economia.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/reinaldo-polito/2020/07/28/bolsonaro-fecha-a-boca-e-a-popularidade-aumenta-coincidencia.htm

Globo:
https://g1.globo.com/politica/blog/valdo-cruz/post/2020/07/01/mesmo-em-fase-paz-e-amor-de-bolsonaro-presidente-e-equipe-reclamam-de-decisao-do-tse.ghtml
https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/07/03/bolsonaro-paz-e-amor-busca-aproximacao-com-maia-e-alcolumbre.ghtml
https://epoca.globo.com/guilherme-amado/a-construcao-do-jairzinho-paz-amor-24524225
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/08/06/lives-viram-ultimo-contraponto-a-versao-paz-e-amor-de-bolsonaro.htm

Youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=slRtPwAf6P8
https://www.youtube.com/watch?v=2mnM9Um6Z-A
https://www.youtube.com/watch?v=VQOixTIbGMM
https://www.youtube.com/watch?v=b8jCVmHxvN0

Outras fontes:
https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro-paz-e-amor-nao-convence-interlocutores-que-temem-volta-a-quebra-institucional/
https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro/entre-risos-e-afagos-bolsonaro-usa-tom-paz-e-amor-em-discurso-ao-lado-de-dias-toffoli-do-stf/
http://www.tijolaco.net/blog/ninguem-cre-no-jairzinho-paz-e-amor-e-tarde-para-isso/
https://epoca.globo.com/brasil/os-novos-bolsonaristas-forjados-pelos-600-reais-24524420
https://pcdob.org.br/noticias/deputados-repelem-golpismo-de-bolsonaro-revelado-por-piaui/
Pesquisas DataFolha de popularidade: telejornais (GloboNews, Jornal Nacional)

Fotomontagem: Bolsonaro, um dos logotipos do PT e uma das fotos da obra O Pensador, de Rodin, todas retiradas via Google Imagens. A montagem ocorreu para este artigo.
     
     
     

sábado, 15 de agosto de 2020

Biopoder: de Hitler a Bolsonaro

     Europa: quando o líder nazista A. Hitler atingiu o poder na Alemanha, foi estabelecida a política de "raça pura" de uma nação ariana em etnia, cultura e fé cristã. Então surgiram dezenas de campos de concentração visando a prisão de judeus, comunistas e democratas.
     Por esse caráter ideológico, o nazismo fez do consequente holocausto uma política tanto político-econômica quanto genocida, uma vez que tomou os bens de todos esses grupos.
     O povo alemão aprendeu nessa lição e é hoje antirracista. Mas outros ainda não, como EUA e África do Sul, que por trás de brigas acerca de políticas raciais havia interesse econômico... do poderoso Tio Sam. Os segregados que se explodissem pra lá...
     Iugoslávia, anos 1990: após a quebra do Pacto de Varsóvia da Guerra Fria, o político sérvio Milosevic, promoveu por anos a sangrenta "limpeza étnica" resultando na morte de milhares de bósnios muçulmanos. Condenado por genocídio pelo TPI, ele morreu na prisão alguns anos depois.
     Brasil: justificando todos os seus preconceitos numa ideologia cristocêntrica e "na família", elogiando a ditadura e milícias, Jair Bolsonaro foi escolhido presidente da República. Vimos a violência policial contra pobres e não-brancos crescer, engrossada pela epidemia de Covid que já ceifou mais de 100 mil vidas, segundo dados oficiais.
     Pontos em comum convergem as políticas de Hitler e de Bolsonaro. E apontamentos feitos por Paulo Ghiraldelli sobre os objetivos dessas duas políticas foram cruciais para que houvesse uma reviravolta reflexiva sobre as diferenças entre biopoder e necropolítica.
     As atribuições de displicência política de Bolsonaro e antigos apoiadores como Witzel e Doria eram dadas como necropolítica, em razão do recrudescimento do Estado policial em pleno contexto de democracia. Mas, os vídeos (links abaixo) levaram a uma nova reflexão. 
     Além da negação ao que fosse fora do núcleo ideológico, o ponto que converge nazismo e bolsonarismo é a higiene social, com apoio do mercado. Claro que há diferenças contextuais: no tempo de Hitler era a indústria, hoje o mercado financeiro. Mas, de qualquer modo, o que conta é dar vantagens aos poderosos.
     Enquanto a higiene nazista se vingou principalmente sobre os judeus, outros não-alemães e opositores políticos, a do bolsonarismo se mostra sobre as minorias étnicas (povos originários e/ou tradicionais) e massas populares, muito retratada pelos ideólogos da esquerda de base.
     É bem exatamente com base na interpretação de higiene social "controlada" (seletiva) por motivação política e ideológica que Ghiraldelli explicou o biopoder de Foucault. Segundo ele, o termo se vale pela salvação de um status quo, seja este econômico, ideológico ou junção de ambos. 
     Na necropolítica haveria a subestimação por criminalização de ideologias "incômodas" à agenda politica em curso, mesmo sendo um "faroeste politico moralizante" controlado pelas milícias como segurança suplementar à PM e grandes organizações evangélicas com funções estatais como educação (doutrinação) e assistência.
     Portanto, a necropolítica imporia um custo à vida mais aleatório do que o biopoder. Cabe bem à fala de Bolsonaro "se morrer alguns inocentes, tudo bem, acontece", no ano passado. É para criminalizar ideologias opostas para "moralizar". Ainda que Guedes já botasse as garras com cortes na área social.
     Nos artigos anteriores o significado de necropolítica intuiu nessa linha de interpretação, ainda que posteriormente tenha penetrado no contexto que deveria ser posto como biopoder, que se mostraria aos poucos, na reforma previdenciária e, agora, na politização do Covid, que virou instrumento de extermínio dos "incômodos".
     A partir dessa resenha acima, que se compreende porque Ghiraldelli aponta o biopoder um recurso político ainda pior do que a necropolítica, por visar o extermínio para satisfazer a agenda que, no caso de Guedes, se torna antieconômica por visar matar vidas que dão giro à outra vida, que é a econômica.
     É aí que se vê inconteste a convergência entre as políticas nazista, sérvia e bolsonarista. Mas, em medidas diferentes e sem desconsiderar os contextos: no racial, Hitler e Milosevic, e no contexto mais ideológico, Hitler e Bolsonaro.
     
     

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Fontes relacionadas do blog:
https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2019/09/witzel-e-bolsonaro-faces-da.html 
https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2018/10/eleicao-2018-e-caixa-de-pandora.html
https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/05/corona-no-rio-selecao-natural.html
https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2020/06/bolsonaro-nazifascismo-brasileira.html

Fontes Youtube - Paulo Ghiraldelli
https://www.youtube.com/watch?v=WVCwjPKl5Nc
https://www.youtube.com/watch?v=YknUqn-HdNU e outros...




     
     
     
     

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

100 mil pelo Covid: uma tragédia política

     O dia 8/8/2020 pegou o mundo e o Brasil: no Libano, mais de 100 mortos, milhares de feridos, prejuízo estrutural e gases tóxicos pela megaexplosão na capital Beirute.
     No Brasil, o Covid alcançou um patamar trágico, no patamar de 100 mil vítimas fatais. Um tema que merece uma análise crítica, que perpassa as diferentes reações na mídia, na população e, mais ainda, na classe política.
     O Brasil perde Dom Pedro Casaldáliga, o bispo dos índios, quilombolas e pobres, um gigante da Teologia da Libertação, que bate de frente contra a ala conservadora da ICAR. E a teledramaturgia perdeu a atriz e mãe-de-santo Chica Xavier. 
     Chica e Dom Pedro não morreram pelo Corona, mas o Brasil perdeu: ela defendia os seguidores da fé afro-brasileira, e ele, os alvos mais vulneráveis do terror de Estado engrossado no governo Bolsonaro. E eles temiam o terror do Covid sobre esses povos.
     Por sorte, eles deixaram seu legado, inspirando os lutadores que ainda vivem como Ivanir dos Santos e outros para os afro-brasileiros, e padre Júlio Lancelotti, Eduardo Suplicy (um político das bases) e líderes indigenistas e quilombolas.
     O trágico patamar do Covid é ainda mais tétrico a partir do fato de esses 100 mil, agora rumando rápido a 110 mil, serem dados oficiais, que se sabe muito bem, exclui muitos doentes graves que não tiveram o socorro necessário ou adequado.
     E junta-se a isso o fingimento das autoridades: ao apertar o botão "foda-se", Jair Bolsonaro dá de ombros: "toca a vida"; Paulo Guedes prioriza reformas e mais cortes na área social. No Congresso, seus presidentes ordenam luto hipócrita de 3 dias, e o STF, de 5 dias. 
     Muitas reações de internautas sobre a tragédia dos 100 mil. A maioria indignada, claro, e notícias de homenagens póstumas no país e repercussão no exterior. A OMS vê no Brasil e EUA, e na 2ª onda europeia exemplos da plenitude pandêmica.
     Entre o luto das famílias e o horror geral, Bolsonaro terceirizou a culpa desta vez ao STF, por lhe ter "tirado poder de atuar nas regiões". Todavia, todos sabem que isso é mentira e só agrada aos seus fãs mais aguerridos. 
     Na prática, o STF apenas reiterou cláusulas constitucionais que dão autonomia a prefeitos e governadores de atuarem nas respectivas regiões (links abaixo). E cabe à maior entidade do judiciário brasileiro, resguardar e reiterar a Carta Magna.
     Por outro lado, não merecem elogio os governadores e prefeitos que, mesmo sendo críticos de Bolsonaro, fazem igual ao liberar atividades propensas a criar aglomeração como praias, bares, igrejas. Devem carregar responsabilidade pelas consequências econômicas, humanas e materiais do flagelo em suas regiões de atuação.
     As pessoas também deveriam carregar a sua culpa: a cena do boêmio Baixo Leblon daquele sábado, em que jovens de classe média-alta se aglomeravam como nos velhos tempos, sem máscaras e se abraçando, é uma mostra clara. Por quê?
     Historicamente dominantes, as classes mais abastadas poderiam ter mais instrução, porém exemplos como o do Leblon têm mostrado a necessidade de reflexão sobre os significados reais de um simples termo: instrução. Complicado? Não.
     O que tem se observado nas classes dominantes, na prática, não é maior instrução, mas maior grau de escolaridade, que significa mais anos de estudo. A possibilidade de ter curso superior completo é também maior devido às chances financeiras.
     Instrução é o poder de reflexão desenvolvido pela pessoa. Embora o maior grau de escolaridade facilite a sua aquisição, essa habilidade se liga ao grau de senso crítico. Não é genérico, mas é possível ver ricos tão fãs de Bolsonaro e populares analíticos. 
     Pelo menos esse spoiler explica em parte por que muto do povo não se importa em se proteger. Governadores e prefeitos retornaram à normalidade que na prática nunca cessou. Um erro crasso que apenas revelou a prioridade à economia em detrimento da vida.
     Essa reflexão tem sido importante na compreensão de muitos brasileiros sobre a realidade da Covid-19 no país e, dai, aderirem mais às medidas profiláticas. Mas, por que então a maior parcela das vítimas fatais de Covid são de camadas populares?
     Não é difícil. O programa de auxílio emergencial foi repetidamente fraudado, e a maioria dos envolvidos não devolveu nada. E o governo já fez troça disso. Milhares de populares que não foram demitidos voltaram ao trabalho, com máscara artesanal ou nada. Muitos, sob livre pressão e ameaça de seus patrões.
     Essa massa também vive a promiscuidade habitacional, dividindo espaços exíguos com vários familiares, sem devidos recursos de higiene, nas favelas. Álcool gel nesses lugares é artigo de luxo. Problema também nas escolas locais, expondo os alunos e educadores a mais risco.
     Tudo isso explica a dimensão da tragédia e quem ela mais afetou. Quando o líder da nação diz "lamento, mas vamos tocar a vida" deve, como maior autoridade do país, assumir ser o maior culpado, tanto pelo péssimo exemplo de desrespeito à Carta Magna e pelas consequências econômicas.
     Consequências econômicas? Sim. Afinal, está morrendo quem realmente aquece a economia, a movimenta conforme o desígnio de oferta e consumo do capitalismo. E o anarcocapitalismo de Guedes não só emperrará a economia de vez como acelerará o ritmo da tragédia.
     Triste Brasil. Quem viver, verá.
      
     
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Crédito da foto: O Globo de 8/8/2020 (via Google imagens). 

Fontes
-https://www.conjur.com.br/2020-mar-30/constituicao-poder-cf-estabelece-cooperacao-federativa-crise-covid-19;
-https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-reafirma-competencia-de-estados-e-municipios-para-tomar-medidas-contra-covid-19-15042020;
-http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441075&ori=1;
-https://www.migalhas.com.br/quentes/324791/stf-governadores-e-prefeitos-podem-estabelecer-medidas-contra-pandemia;
-https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/16/decisao-do-stf-sobre-isolamento-de-estados-e-municipios-repercute-no-senado;
Outras disponíveis no Google.



     
     

domingo, 9 de agosto de 2020

Quem de fato governa o Brasil?

cada quatro anos, os brasileiros dos 16 aos 70 anos obrigatoriamente vão às urnas para teclar os números de governador, deputado estadual e federal, senador e presidente da República.
O pleito de 2018 para governadores e presidente foi impulsionado sobretudo pelo retorno ao conservadorismo político de capitalismo aberto defendido nas manifestações pós-2014, durante o frágil e inconcluso segundo governo de Dilma Rousseff.
Entra o personagem Bolsonaro, defensor da moral cristã ferrenha e disciplina militar expressada ao nomear vários militares e pastores na sua equipe. Nessa esteira ideológica se elegem vários governadores, como Witzel no RJ e Doria em SP.
Na esfera econômica impera um senhor baixo, soturno e tão reativo quanto o chefe, a tentar impor, em várias reformas, um contexto neoliberal hoje depreciado lá fora. Um dos Chicago Boys de Harvard, que implantaram a financeirização do capital nos anos 1980-90.
A universidade de Harvard formou laureados com Nobel como o ex-presidente Barack Obama e cientistas das áreas naturais e da saúde. O mercado de capitais dos Chicago Boys formou rentistas que hoje compõem o topo da elite do mundo.
Mediante compra de ações em Bolsa de Valores, o rentismo é a acumulação de capital improdutivo, que só serve para proporcionar uma vida nababesca impossível até para celebridades de ponta das artes e do esporte. Não serve para nada.
São rentistas os banqueiros quanto donos dos maiores oligopólios (empresas) do planeta. Nada servem à economia de Estados-nações, mas são os beneficiários de Paulo Guedes.
Foi nesse intuito que ele trabalhou no Chile de Pinochet, levando as classes trabalhadoras à miséria via capitalização previdenciária, cerne não alcançado no texto aprovado aqui. Mas ainda é um ponto em aberto, perigo iminente.
A reforma administrativa que subestima o valor da Lei 8112/1990 (a CLT dos servidores públicos) em numerosos pontos está para ser votada. No momento está em segundo plano pela nova prioridade: a reforma tributária.
Reforma esta que, palestrada como uma dádiva de combate a privilégios, tem como cerne aumentar ainda mais a carga tributária da classe trabalhadora, inclui-la na dedução de IR, achatar o FGTS de 40% a 2% (sério!), e retomar sobre a capitalização da previdência. 
Não bastando o fingido lamento de Bolsonaro aos 100 mil mortos por Covid-19 (tema do próximo artigo), Guedes não esconde seu cinismo em menosprezar as vidas perdidas em prol de propostas egoístas que prometem ferrar o já alquebrado Estado.
Isso, no alcance da marca horrenda de 100 mil mortos e mais de 3 milhões de diagnosticados com Covid. O esgar de dois genocidas.
Como narrado em artigo já publicado, Guedes atua atrás da cortina do palco governamental, mas é o grande protagonista nos rumos do governo, enquanto o chefe mostra indiferença em meio às bravatas e palhaçadas. 
Como o chefe daquela que foi eleita por Bolsonaro como a mais importante das pastas de seu governo, Paulo Guedes dita os rumos a serem seguidos pelo Brasil sob seus desígnios. Sim, é ele, Guedes, quem realmente governa.
Ainda que seja para um cenário de horror nunca antes imaginado na nossa história recente.
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CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...