terça-feira, 29 de setembro de 2020

Salles, mentor do ecogenocídio


     Embora em todos os governos tenhamos presenciado muitos fatos que denunciaram a incompetência de vários ministros em função de interesses frequentemente escusos, é de conhecimento de todos que neste governo se destaca por equipe ministerial que coleciona desfaçatez recorde na cara de pau.
     Isso ficou mais claro do que nunca na reunião ministerial de 22/4/2020, em que cada um lançou suas ideias e propostas um tanto absurdas. O pior dessa piada é a seriedade do problema: eles cumprem a sua agenda, custe o que custar, seja por interesses próprios, ou para agradar o histriônico chefe.
     Foi nessa reunião fatídica, cujo vídeo foi liberado pelo STF às mídias após análise, que um deles, o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, se destacou em declaração friamente calculada: "é pra aproveitar a atenção do país com a pandemia pra passar a boiada".
     Ao seu lado, o então ministro da Saúde Nelson Teich parecia assombrado ao ouvir aquilo. Com total razão: afinal, quem em sã consciência iria se naturalizar com tamanha frieza psicopática em franco descaso ambiental?
     O olhar de Teich, aliás, lança mais uma nota para pensar: quem, afinal, é Ricardo Salles, um nome completamente desconhecido da maioria do povo até ser nomeado por Bolsonaro depois de voltar atrás na ideia de extinguir a pasta ambiental?
     O paulistano Ricardo Salles virou mais um advogado na família. Também é administrador. Fundou o Movimento Endireita Brasil (MEB), tentou a política como vereador pelo então PFL, deputado estadual no DEM e federal pelo Novo, sem sucesso. Tornou-se secretário particular, e depois, de meio ambiente, no governo Alckmin. Sua posição reacionária sobre fim do Estado, pena de morte e criminalização total do aborto e das drogas não era aceita no PSDB.
     Mas ele permaneceu desconhecido dos brasileiros até ser nomeado cabeça do MMA: Salles passou a ser um nome da tal "nova política", cuja surrealidade era inimaginável até então - da qual o próprio Salles seria apenas mais um dos grandes protagonistas, com a satisfação do presidente, que tem a destruição entre as prioridades de sua agenda.
     Como ministro, ele mostrou ao país a que veio. Não pelos bons, mas pelos péssimos feitos. Incompetência total ou crime proposital? Que o digam as imensas destruições criminosas em biomas, como Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica, óleo nas praias, etc., desde o ano passado, enquanto Salles fecha os olhos e inibe as ações de brigadistas, bombeiros e militares.
     As mostras de sua gestão no MMA estão reunidas em um documento de 128 páginas em mãos da Justiça Federal, contendo denúncias de servidores lotados em órgãos de combate aos crimes ambientais (Ibama, ICMBio, etc) de interferências e constrangimentos ilegais nesses órgãos e revogação de decretos.
     Entre as denúncias, graves pela natureza ilegal e arbitrária, figuram assédios morais sobre servidores subordinados, afastamentos de servidores com atuação ativa nas áreas de crime ambiental, substituição de chefias com devida qualificação na área por PMs, que inibem as ações de combate, e outros.
     As revogações de decretos que obrigam a preservação das áreas naturais e em recuperação de manguezais e restingas no já modificado litoral fluminense pode ser outra dor de cabeça para Salles, devido à repercussão imediatamente negativa nas redes sociais e até na grande mídia, dada a natureza inconstitucional das medidas liberatórias do ministro.
     Se levada em prática essa liberação, a liberação dessas áreas será extremamente deletéria, tendo-se em vista os manguezais serem berçários naturais da maior parte da vida marinha por seu potencial fornecedor de nutrientes suspensos na água e nos sedimentos. As restingas, por sua vez, asseguram maior resistência da orla arenosa à ação das ondas de maré alta.
     A decisão de revogar decretos que preveem preservação permanente dessas formações será decerto uma dor de cabeça para Salles. E começa pontualmente: segundo notícia no Jornal do SBT e Jornal Nacional, em 29/9, a Justiça-RJ barrou a ideia no litoral do estado, o que pode ser seguido nos demais estados litorâneos. Aí é a parte mais fácil.
     A mais difícil, devido o foro privilegiado adquirido, é impeachment por condenação do ministro. Em tempo: quando ele foi nomeado ministro, a mídia noticiou que ele foi condenado em 1ª instância (a 2ª em curso) por fraude de mapa de área de preservação em relatório, e desvio não declarado de grana pública de escritório da SMA/SP, no governo Alckmin.
     Se tantas inações de Salles nos têm dado dores de cabeça, por indignação ou intoxicação, há de se pensar nas inações propositais dele como ingredientes da agenda autodestrutiva da era Bolsonaro. Claro que passou da hora de depor o ministro, o presidente, toda essa equipe que se colabora no grande crime de ecogenocídio - para nós, ética e moralmente hediondo.
     E que essa consideração se estenda, com eficiência, ainda que demorada, pela Justiça, para exemplo.

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Fotomontagem: autoria do artigo. Crédito das fotos: Google imagens.

Nota1: marcações em azul ou arroxeado se referem a alguns dos links abaixo.

Para saber mais:
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Ricardo_de_Aquino_Salles
- https://bemblogado.com.br/site/dez-exemplos-de-como-a-boiada-do-governo-atropela-o-meio-ambiente/
- https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/09/politica/1544379683_286039.html
- https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/09/politica/1544379683_286039.html
- https://brasil.elpais.com/brasil/2020-05-22/salles-ve-oportunidade-com-coronavirus-para-passar-de-boiada-desregulacao-da-protecao-ao-meio-ambiente.html
- https://theintercept.com/2019/09/28/a-agenda-secreta-de-ricardo-salles-com-os-destruidores-do-planeta/
- https://theintercept.com/2019/02/03/ricardo-salles-mineradoras/
- https://theintercept.com/2019/05/08/salles-paralisa-meio-ambiente/
- https://theintercept.com/2019/02/23/ricardo-salles-yale-mentira/
- https://theintercept.com/2019/08/26/exclusivo-secretaria-ricardo-salles/
- https://www.dw.com/pt-br/as-acusa%C3%A7%C3%B5es-que-pesam-sobre-ricardo-salles/a-54087202
- https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2020/07/em-carta-tecnicos-do-inpe-denunciam-estrutura-paralela-de-gestao-e-citam-riscos.shtml
- https://www.dw.com/pt-br/entidades-repudiam-fala-de-ricardo-salles-em-reuni%C3%A3o-ministerial/a-53545877
- https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/05/23/interna_politica,1150065/salles-reforca-fala-em-reuniao-ministerial-sobre-passar-a-boiada.shtml
- https://marsemfim.com.br/a-importancia-do-manguezal/
- https://canalciencia.ibict.br/ciencia-em-sintese1/ciencias-biologicas/40-ciencia-mostra-porque-preservar-a-vegetacao-de-mangues-e-restingas-e-essencial-para-as-comunidades-pesqueiras

No blog:
- Necropolítica, foraminíferos e bilhões perdidos


   

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Bolsonaro e a crueldade eficiente


     Tosco, pouco inteligente, mal educado, grosseiro, boca suja, indecoroso. Mentiroso, negacionista, antiético. Intolerante, perseguidor, egocêntrico, narcisista, traço de psicopata, insensato, imprudente, insensível, autocrata, genocida, antipovo. Misógino sexista, homotransfóbico e racista.
     Sobram maus adjetivos e fatos para Jair Bolsonaro, adicionados no avançar de seu governo.
     Indecoro com jornalistas e colegas em seus tempos de parlamentar, e agora, presidente, se acha cheio de todas as liberdades e pratica vários crimes de responsabilidade. Descaso com a coisa pública, a sociedade e o ambiente.
     Junta-se também as tretas com todas as instituições internacionais, entre elas e ONU e a a OMS, às quais se nega a respeitar tratados de direitos humanos, medidas de proteção ao meio ambiente e mitigação de contágio do Corona, respectivamente.
     Vale lembrar da Córtex, política de vigilância sobre os cidadãos por meio de milhares de câmeras inteligentes espalhadas por aí: um claro desrespeito ao direito de ir e vir, que pode ter um significado ideológico mais extenso do que se imagina. E mil artimanhas para proteger os filhos cada vez mais cercados pelas investigações da PF e na mira da Justiça.
     E há tantos outros fatos, que fariam este texto muito longo se fossem postos aqui. Além do estado policial/paramilitar que mudou a abordagem de crime e violência em lugares como o já perdido Rio de Janeiro, há as políticas econômicas coroadas com o ralo de R$ 2,215 trilhões públicos aos bancos na era Corona e os -10% de PIB, na maior queda livre da nossa história.
     As mirabolâncias dos filhos Flávio (01), Carlos (02) e Eduardo (03), para não serem pegos pela PF. O impeachment de Witzel - ainda que este tenha suas culpas - foi arranjado para livrar o 01 de ser pego pela PF-RJ e justiça-RJ, aparelhando-as com nomes a seu favor, via Claudio Castro, o governador interino. E 02 e 03 se mirabolando para escapar do pega de Brasília.
     E, mesmo com isso tudo, o que ocorre para ele se manter no poder, e ainda causando tretas com instâncias superiores como o Congresso e o STF, que têm garantias para impor os limites constitucionais às liberdades do presidente? Por incrível que pareça, até agora, a resposta são vários pontos altos para Bolsonaro.
     O primeiro, o marketing pessoal sustentado por dois personagens: o tradicional, que atiça os fãs chegados à violência e à difusão de fake news; e o "paz e amor" em rincões então "lulistas". Se o primeiro é base do perfil bolsominion citado, o segundo ilude incautos com o Renda Brasil e água em um canal transposto do Velho Chico.
     Renda Brasil que tem mais cara de não sair do papel do que tudo, pois Paulo Guedes quer diminuir salários de servidores públicos do "carreirão", da base da pirâmide de renda pela Reforma Administrativa para repassar as migalhas ao tal plano. Como se esses servidores fossem classe média - só que não.
     O segundo é o proveito inteligente dos predicados louco e idiota, atribuídos ao presidente pelos indignados. Ele abusa da esperteza e de sua tosquidão, que lhe dão o ar do brasileiro carismático e com senso de humor. Mas Lula também é naturalmente tosco, embora tenha a personalidade bem diferente da de Bolsonaro.
     A tosquidão de Lula é naturalmente carismática: ele não se esforça para tal, por ser líder popular por natureza. Já a de Bolsonaro é agressiva e sarcástica, daí o esforço daqueles para compor o "paz e amor" que, mesmo falso, pareceu conquistar a incauta geral do interior.
    Mas o esforço valeu: em agosto/2016, Dilma foi deposta, e depois vieram as eleições nos municípios que elegeram muitos candidatos da direita no interior, graças à retomada à direita liberal por Temer. Bolsonaro sabia disso, daí o proveito de sustentar um perfil populista para as próximas eleições.
     O terceiro é a manutenção de Paulo Guedes na Economia, que muito agrada ao mercado megaempresarial-financeiro. A mídia da casa grande admite a sua fritura, mas quer mantê-lo lá, daí esconder o supracitado ralo trilhonário. Exceto se houver um substituto idêntico.
     O quarto é a fraqueza momentânea da oposição à esquerda democrática: parece não haver candidato à altura a prefeito, com poucas exceções. Mas se vê uma cautela quanto a 2022, para evitar proveito político de acusação de campanha antecipada, um crime eleitoral que o próprio Bolsonaro pratica, pelas instituições aparelhadas.
     Enfim, há muitos elementos que devem ser alvos de conhecimento e debate junto às bases, para que estas sejam motivadas a reagir com elaboração de estratégias que possam desgastar em definitivo o governo atual e, aí sim, obter no voto a consequência final. Quem viver, verá que, por mais bem aparelhado que seja, não há mal que sempre dure.

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Crédito da imagem: Google imagens-charges.

Para saber mais:
- https://www.youtube.com/watch?v=BLTONE7HisE
- https://theintercept.com/2020/09/21/governo-vigilancia-cortex/

   
   

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Um governo intolerante à diversidade

     A mídia transmitiu um discurso por videoconferência do presidente Jair Bolsonaro à ONU, segundo a qual, além das menções sobre os incêndios e ao Covid, há "cristofobia" no Brasil. Sim, ele proferiu isso também.
     O acréscimo se alude à preocupação da ONU com a intolerância religiosa, uma das violações crescentes aos direitos humanos no Brasil. A colocação fez o legislativo federal brasileiro reagir nas redes sociais.
     A estranheza com a "cristofobia" foi pelo presidente talvez não saber o significado de fobia. Realmente a coisa não caiu bem, mas pelo visto o presidente não deu trela. O significado se explica no spoiler a seguir:
     Na etimologia, o radical fobos significa, em grego, aversão, ou medo. Fobos é o nome de uma das duas luas do planeta Marte, em alusão ao mito greco-romano baseado na Odisseia de Homero: da união da deusa do amor Afrodite (Vênus) e Ares (Marte) nasceram Deimos (terror) e Fobos (aversão ou medo - que na nossa realidade pode se estender, também, como ódio).

Reflexos na política
     Tirando a supracitada questão religiosa, a estranheza à maioria do parlamento e a cidadãos sensatos e bem informados se deve à distorção do discurso à realidade na qual não ha qualquer sinal de perseguição à imensa maioria dos brasileiros que professa as diversas vertentes da fé cristã.
     Mas a fala tem seus fundamentos, na crítica crescente dos grupos progressistas àqueles que se arrogam de sua cristandade na total simpatia ao imbróglio ideológico do presidente. Desses grupos, os que mais preocupam o governo são os ligados ao agnosticismo e ao ateísmo, contra o stablishment bolsonarista.
     Como sabemos, o bolsonarismo* é um imbróglio ideológico que, além do nazifascismo para perseguir "potenciais comunistas" e minorias étnicas, sexuais e religiosas, é cristofascista: visa "o eixo dos valores patrióticos da família tradicional e bons costumes" contra o feminismo, o aborto e até a ciência.
     As escolhas de Bolsonaro por chefias "terrivelmente evangélicas" nas instituições públicas são alguns exemplos, bem como as participações diplomáticas em eventos internacionais, com inclusão do supracitado pronunciamento repassado por videoconferência à ONU. O que tem afrontado a laicidade estatal, com a incrível inércia do judiciário. 

Na relação com a diversidade religiosa, étnica e rural
     A direção do governo implicou negativamente na vida social pelo crescimento de crimes de ódio a grupos não cristãos, sobretudo aos afro-brasileiros, dado o racismo anti-africano. Que o digam os ataques aos templos e praticantes, reportados à exaustão pelas mídias.
     Claro que sempre houve intolerância religiosa, dada a histórica aversão da ICAR contra qualquer fé não católica, hoje exaltada pelas vertentes cristãs mais reacionárias. A política de combate ao racismo religioso se dissolveu no bolsonarismo, e os ataques aumentaram.
     Os índios sofrem as sequelas** da perda de identidade ancestral pelas conversões forçadas na colonização e, hoje, pelas igrejas neopentecostais hoje, como documentado antes mesmo de Bolsonaro. Mas hoje a conversão tem se alastrado com uma força ainda maior, como fruto da intolerância às tradições milenares, nativas e africanas.
     Hoje, a evangelização de índios é, além de religiosa, uma estratégia política de facilitação da penetração em suas terras para a obtenção de madeira e minérios pelos EUA. Tanto é que, em quase 2 anos de governo, não se demarcou nova terra indígena. Pelo contrário: as invasões ilegais aumentaram muito, assim como o assassinato dos indígenas.
     Na questão rural, o governo já anistia a grilagem de terras já assentadas legais de posseiros independentes, quilombolas e MST, sem decreto. O presidente já freou a reforma agrária. Com a ajudinha das igrejas, já que o presidente do INCRA é evangélico.
     
Na relação com direitos humanos, cultura e ciência
     Presentes no grupo fanático que insultou a menina vítima de estupro que teve aborto em Recife, os ultracatólicos se opõem à relativa tolerância da CNBB aos não cristãos. Igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais, ao contrário, têm posição muito prosélita e são as mais próximas de Bolsonaro.
     O presidente quer reassumir a agenda de costumes em textos já enviados ao Congresso, parados devido às prioridades nas propostas administrativa e tributária de Guedes, ambas em análise, e à tragédia pelo Covid no país. E não há previsão de que sejam discutidas este ano.
     As pautas de costumes são: Escola sem Partido; Estatuto da Família; redução da maioridade penal; combate à "ideologia de gênero" na escola e outras, como a que criminaliza o aborto mesmo nos casos legais e restringe direitos dos LGBTQs e de proteção à criança e mulher vítimas de violência.
     Para o MEC, Bolsonaro nomeou um pastor, visando a maior penetração de temas cristãos e o fim da "ideologia de gênero" nas escolas. No ano passado foi desengavetada a proposta que obriga o ensino do criacionismo para ensinar sobre a origem da vida, ao lado da Evolução. 
     A cultura sofre engessamento desde o ano passado, dada a exaltação dos secretários a temas gospels como alvos de investimento público em shows, teatro, cinema e TV. Mas a vultosa grana pública à Record e SBT por afinidade política não tira da Globo o título de campeã de audiência.
     Já circula nas redes recente matéria do The Intercept sobre a estratégia Córtex de vigilância de pessoas pelo governo, com mecanismos de inteligência artificial que rastreia até por câmeras de segurança instaladas em prédios públicos, comerciais e residenciais. Tudo ideológico, claro.
     Estratégia parecida foi o dossiê antifascista do Ministério da Justiça com mais de 450 nomes de servidores, sob alegação de "terrorismo". Por ordem do STF o doc foi interrompido, mas a política persecutória continua de pé, via monitoramento de redes sociais dos servidores, no intuito de apagar postagens críticas.
     O acachapante negacionismo do governo ao aquecimento climático, à destruição das áreas naturais e à tragédia brasileira da pandemia se revela uma intolerância à ciência. E, ao mentir para a ONU que paga auxílio emergencial de U$1000 a cada brasileiro, o presidente assina o certificado de intolerante à verdade.
     As pautas de costumes do governo são levadas tão a sério pelos fanáticos e simpatizantes que se percebeu o aumento substancial de crimes de intolerância contra todos os grupos que eles passaram a ver como problemas para o governo. E contam até com participação das PMs nesse jogo infeliz.

Enfim, concluindo...
     A meta de governo para controle de tudo - de instituições à vida privada - revela algo muito mais distante de uma política de ordenamento social do que se imagina. Bem pelo contrário, se revela um indutor da anomia social.
     Pois quando assim se revela, tal política mostra a persona autocrática de Bolsonaro, que se nega a conhecer a realidade social a partir da perspectiva histórica mais básica: o Brasil se fez na diversidade, à qual ele direciona a sua total intolerância. E a anomia é o reflexo fiel de seu eu caótico.

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**Nota1: infecções contagiosas dos colonizadores, alcoolismo, suicídio de jovens, violência e crimes comuns como extorsão e roubos.
Nota2: os links podem ser acessados ao clicar nos trechos em roxo e em azul.
Crédito da imagem: Google imagens.

*Bases deste blog relacionadas a bolsonarismo:
Biopoder na punição da vítima
Biopoder de Hitler a Bolsonaro
Bolsonaro: nazifascismo à brasileira?
O que anticiência e pseudociência têm em comum
O bolsonarismo pós-Bolsonaro
Olavismo, uma base bolsonarista
Cristofascismo, base bolsonarista

domingo, 20 de setembro de 2020

Curiosidade- Brasil treme: tremor de terra ou terremoto?


     Neste segundo artigo da categoria Curiosidades, o tema sugerido por amigo é: tremores de terra no Brasil. Com linguagem acessível ao leitor leigo, o objetivo se focará em desmistificar a crença de que no país não tenha terremotos, e porque a preferência pela expressão "tremor de terra". 
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Introdução
     No amanhecer de 30/8/2020, moradores de Amargosa, no Recôncavo baiano, acordaram com ronco indescritível de segundos do fundo da terra, e um tremor que danificou suas casas. Amedrontados, saíram de suas casas e se prepararam para a rotina diária. Mais tarde souberam se trata de um tremor de 4,6 magnitudes Richter, seguidos de réplicas.
     No Globo de 17/9/2020, em um estudo do Serviço Geológico do Brasil levantou uma série histórica de registros de tremores na Bahia, e o recente ocorrido foi considerado o mais forte.
     Em 19/9/2020, um terremoto de 6,9 Richter ocorreu no arquipélago de São Pedro e São Paulo, na costa potiguar. O fenômeno, de epicentro no oceano, foi registrado pelo Laboratório Sismológico da UFRN (LabSis). Houve danos materiais, mas não há menção de vítimas.
     Com as notícias nas redes sociais, pipocaram comentários com diversas visões sobre os sismos no Brasil. "No Brasil tem terremoto, mas a maioria não percebe", "é mentira, no Brasil não tem terremoto", ou mais conspiratórios como "será que vai ter vulcão?".
     Impressiona a maioria de comentários negacionistas, revelando a desinformação sobre as ocorrências de sismos e seus potenciais de estrago e vítimas. Em geral creem no "abençoado berço esplêndido" onde "não tem terremoto, furação nem vulcão". Doce engano.
     Embora os registros brasileiros dignos de nota sejam raros, o que facilita a ignorância geral, a verdade é que os sismógrafos das universidades brasileiras anotam em seus gráficos muito mais tremores do que se pensa. É que essa quase totalidade não é sentida.
   
Causas
     Aprendemos que a Terra é formada em camadas de dentro para fora: núcleo, manto e crosta. Nesta última é onde vivemos e extraímos e aproveitamos os seus recursos.
     Composto principalmente de ferro e níquel, o núcleo é a parte mais metálica da Terra. O interno é a fonte de calor emitido por radiação e de gravidade. O externo interfere no campo e polos magnéticos. Tecnologias sismológicas detectaram uma zona núcleo externo-manto, uma provável origem de pontos quentes que sobem pelo manto e atingem a crosta.
     Com mais de 2000 km de espessura, o manto é dividido em dois: superior e inferior, que se distinguem quimicamente. É sólido sob pressões imensas, mas se liquefaz nos "reservatórios de magma", para ser liberado como lava nos eventos vulcânicos. A viscosidade da lava é ligada à composição química do magma.
     A maioria dos vulcões está nos continentes, onde a crosta oceânica mergulha por baixo da continental (subducção). Os de ilhas distantes nos oceanos, como as do Pacífico e do Atlântico, se originam de irrupções de bolsões de pontos quentes (hot spots) surgidos nas profundezas.
     Variando de 5 km (oceanos) a 150 km (continentes), a crosta é fraturada em várias placas tectônicas (do grego tékton = construtor), que sempre se friccionam, se pressionam ou se afastam, e com isso ocorre tensão crescente, até que há uma liberação de energia como tremor sentido na superfície e com som: é o terremoto - nesse caso, de limites entre placas.
     Os eventos mais fortes ocorrem nessas zonas limítrofes. Mas o corpo da placa toda tem as linhas fraturadas (falhas), que vemos na superfície como serras que, erodidas por vento, gelo e água, geram sedimentos que se depositam em camadas para as planícies. Embora estejam em áreas menos ativas, as falhas refletem ondas de eventos nas zonas mais ativas, ou ser epicentros de terremotos com quebra de sedimentos.
     A movimentação das placas é contínua, mesmo após a liberação da energia do terremoto. Essa energia é refletida em ondas vibratórias horizontais nas falhas que, na área menos ativa da placa, também podem se tornar novos epicentros de terremotos locais, às vezes importantes.
     Se próximos dos limites de placas os terremotos são mais intensos e frequentes devido à instabilidade geológica local, os ocorridos nas falhas "do interior" do corpo também podem se dever à acomodação de subsuperfície das camadas sedimentares sobrejacentes, podendo haver quebra das mesmas.
     Assim se desenham os fatores para os terremotos.

Os mais fortes no Brasil
     Os registros históricos de grandes terremotos são de países da Ásia oriental (China, Japão), Índia, todo Himalaia, Indonésia, parte do Oriente Médio, África oriental (em especial na zona etíope de Afar e Grande Vale do Rift), nossos vizinhos andinos, América Central e México.
     Os terremotos mais fortes ocorreram no Chile (1960, magnitude 9,5), Indonésia (2004, 9,4), e no Japão (2011, 9,0), sendo o segundo o mais catastrófico, com mais de 250 mil mortos e um tanto de desaparecidos, e grandes danos materiais.
     No Brasil, o terremoto mais forte com epicentro no território foi em 1955 no Mato Grosso, com 6,6 magnitudes Richter validadas pelos sismogramas de então. A não menção de vítimas se explica no local então desabitado, ou sem descrição sobre nativos na área.
     O primeiro registro histórico é de 1690, de autoria do padre Samuel Fritz, em catequização de indígenas no Amazonas. A descrição é de forte tremor que gerou grandes ondas no rio que inundaram e destruíram aldeias. O pesquisador geólogo responsável estima que tenha sido de 7 magnitudes. Se confirmada a estimativa, este evento passará a ser o mais forte registro histórico no Brasil, de epicentro local.
     Se houver confirmação da magnitude 7 no evento de 1690, este passará a ser o registro mais forte do Brasil. Para saber mais sobre registros históricos de sismos brasileiros, ver aqui.


Classificação dos terremotos
     Os terremotos são classificados conforme a localização de seu epicentro e o processo.
     Pela localização, são continentais, marinhos e insulares. Os primeiros têm epicentros nos leitos de rios, lagoas, lagos, represas, etc. Os dos segundos, em solo oceânico, foram o antigo "maremoto", que depois foi desusado por confusão com o tsunami. Os terceiros ocorrem em ilhas, em geral oceânicas.
     Pelo processo, pode ser: cisalhantes (por atrito horizontal nos lados da falha ou limites das placas), de falhamento (atrito vertical em inclinação normal que escorrega, ou cavalgante), de rifte (afastamento de limites das placas), distensão (maior abertura da falha), de subsidência (porção de terra que abaixa por quebra da falha), de subducção (uma placa mergulha por baixo de outra com atrito), de colisão (de duas placas), de elevação (porção de terra que se eleva em zona de falha ou limite de placa).
     Os terremotos marinhos podem ocasionar as tsunamis, por agito de grande volume de água. As tsunamis vagam no oceano a 800 km/h e, próximas à costa, perdem velocidade e ganham grandes alturas. Invadem ilhas e continentes destruindo tudo à frente e mudando a paisagem.
     Mas as tsunamis ocorrem quando o terremoto tem epicentro raso na crosta e magnitudes geralmente acima de 7. Um evento de grau 7 gera tsunami se seu epicentro ocorrer em 10 km ou menos. Isso revela que tudo depende da do poder da energia liberada, da profundidade do epicentro na crosta, e mesmo da distância da terra emersa.

Tremor de terra ou terremoto?
     Há muito se pergunta se os registros brasileiros são meros tremores ou terremotos de fato. Os termos geram confusão natural, mas explicável, se houvesse investimento real em difusão científica sólida e de longo alcance por mídias educativas e pela imprensa ao noticiar os fatos.
     Basicamente, tremor de terra e terremoto são a mesma coisa. Bem no meio de uma placa tectônica, o Brasil tem eventos geralmente fracos, sem potencial de grandes danos e vítimas, daí a preferência por "tremor de terra". Mas na geologia não há regra, é terremoto ou sismo.
     A explicação é simples: o meio de uma placa tectônica não é imune a tremores fortes com potencial catastrófico com mortalidade elevada. É bem provável que o evento de 1690 tenha causado mortes*, dada a descrição explicitada pelo pesquisador de Geociências da UnB, Roberto Veloso.
    E, dado que na geologia não há regra obrigatória que distinga tremor de terra de terremoto, como processo ou sua causa, as acomodações de sedimentos mal consolidados na fratura do leito rochoso subjacente podem proporcionar eventos fortes, alterando a superfície ou o curso de rio próximo, se houver.
    Portanto, pode-se concluir facilmente que tremor de terra brasileiro é, sim, terremoto. Sem choro.
 
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*Nota: não foi possível encontrar fonte com mostra original do diário de Samuel Fritz. (N. da A.)
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Para saber mais sobre o tremor no Recôncavo e matérias relacionadas:
- https://www.painelglobal.com.br/
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_sismos_no_Brasil
- https://www.cartacapital.com.br/carta-explica/o-que-causa-um-terremoto/#:~:text=Eles%20acontecem%20quando%20as%20placas,s%C3%A3o%20chamadas%20de%20placas%20tect%C3%B4nicas.
- https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/brasil-tem-sim-terremotos-e-ha-registro-ate-de-tremor-com-pequenos-tsunamis,0e52e4d35a98db8dc60435085a944a47v4bdlj9w.html
- https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/08/30/tremor-reconcavo-baiano.htm
- https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/08/30/moradores-relatam-tremor-de-terra-em-varias-cidades-da-bahia.ghtml
- https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/bahia-registra-tremor-de-terra-pelo-terceiro-dia-consecutivo,1e33ae364d966c56f20ec35c47c73dd02ut4w6cq.html
- https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/09/17/terremoto-registrado-no-reconcavo-e-considerado-maior-evento-sismografico-da-bahia-aponta-servico-geologico-do-brasil.ghtml.
- https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/apos-tremor-recorde-na-bahia-terremoto-de-69-graus-e-registrado-na-costa-nordestina/
- https://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/04/23/ult23u1983.jhtm
- http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2015/09/moradores-relatam-tremor-de-terra-em-cidades-do-litoral-de-sp.html
- https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/predios-sao-evacuados-apos-tremores-em-santos-sp.ghtml
- https://www.jcnet.com.br/noticias/nacional/2007/11/662616-terremoto-no-chile-reflete-em-sp.html
- http://www.labsis.ufrn.br/noticias/20754905/30-anos-do-terremoto-de-joao-camara#:~:text=O%20sismo%20de%20Jo%C3%A3o%20C%C3%A2mara,%3A%204.3%20e%204.4%2C%20respectivamente.
- https://www.acritica.com/channels/cotidiano/news/tremor-de-magnitude-6-4-na-escala-richter-atinge-cidade-do-acre-afirma-instituto-geologico
- Histórico: https://amazoniareal.com.br/pesquisa-atesta-que-terremoto-na-amazonia-em-1690-foi-o-maior-do-brasil/ (o 1º registro de terremoto no país)



quarta-feira, 16 de setembro de 2020

O imbróglio político do perdão às igrejas endividadas



     Nessa semana, o Congresso aprovou uma proposta legislativa, cujo texto previa o perdão concedido pela Receita Federal às igrejas em relação às dívidas acumuladas de quase R$ 1 bilhão. A aprovação do projeto reaviva um assunto recorrente na opinião pública.
     O não pagamento de impostos pelas igrejas evangélicas é tema polêmico na boca do povo. As líderes são as neopentecostais e as pentecostais, que arrebanham 85% dos 43 milhões de seguidores no Brasil. Mas não é o contingente o fator de discussão.
     É a relação entre entidade filantrópica e imposto. Entre os de encargos trabalhistas e de aquisição de material, há o imposto de lucro líquido (CSLL), pago pelos demais entes filantrópicos como abrigos sociais, ONGs, hospitais... E então?...
     Estes impostos são pagos pela pessoa jurídica (a entidade em questão) ou a pessoa física responsável. E o CSLL, imposto alvo da dívida em tela, não foi isentado pela Constituição para o ente filantrópico. O que constitui sonegação, que a geral não sabe.
     Esta sonegação também ajuda a enriquecer muitos líderes evangélicos, que ostentam um patrimônio financeiro e material vultoso, de mansões a aviões. Fazem na cara dura, aos olhos de todos. O grande poder econômico e de influência os promoveu à classe política.
     Mas como, se as igrejas não têm fins lucrativos? Eles abrem conta em nome da entidade. O rendimento é contínuo, via depósitos assíduos de dizimistas e ofertantes, somados à sonegação do CLSS e dos impostos das aquisições dos bens pessoais citados. O valor da citada dívida se refere, portanto, à soma dessa dupla sonegação.
     Os pastores mais influentes figuram entre os mais ricos do Brasil, conforme a revista Forbes. O campeão Edir Macedo tem hoje R$ 2 bi. Waldomiro (2º), Malafaia (3) e RR Soares (4º) têm centenas de milhões de reais cada. Todos da linha neopentecostal.
     Isso virou uma febre em muitas das mais de 200 denominações de portes menores, algumas de nomes bem esquisitos. A maioria do povo percebeu nisso um negócio muito rentável, mas desconfiável: com liberdade política, algumas igrejas criaram partidos, como o Republicanos e o PRB, da IURD, Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo.
     Daí ocorrer a participação em desvio de grana pública municipal, como a presente série de fatos a envolver o prefeito carioca Marcelo Crivella (Republicanos), em valor bilionário. Uma gestão que só fez definhar os serviços públicos essenciais e entregou o Rio ao abandono. E... Crivella é bispo licenciado da IURD e sobrinho de Macedo. 
     O caso Crivella-IURD é só um spoiler para entendimento. Vamos ao objetivo: o perdão às dívidas das igrejas foi aprovado com a participação, também, de deputados da ala de oposição. Após bom tempo de hesitação, o presidente Bolsonaro vetou o perdão. Pode-se aí perceber as duas faces da "moeda da treta": a da oposição, e a do presidente.
     Na oposição, a maioria votou conforme orientação das respectivas siglas. PT, PDT, PSDB e Novo votaram contra em peso. PSOL foi todo contra. Já o PCdoB de Jandira Feghali votou a favor e foi criticado por "trair a esquerda". O líder Orlando Silva justificou a orientação na Constituição (citação).
     A líder do PSOL, Sâmia Bomfim, justificou a orientação de sua sigla de "não ter sentido anistiar essa quantia num contexto de pandemia". Compreensível, visto que a Carta prevê recursos extras em contextos de emergência como o do Covid, houve, pelo governo, muitos cortes à saúde em plena crise e PECs antieconômicas de Guedes em curso.
     Entre alguns círculos bolsonaristas houve, de início, a hipótese de o veto ter sido dado por pressão de Guedes, mas o presidente alegou seu veto em outro ponto: a anistia seria dada como crime de responsabilidade a descambar em impeachment certo. Mas o veto não foi total.
     Basicamente, o veto se deu por motivos legais em discussão. Multas previdenciárias foram perdoadas, e há possibilidade de diálogos para novas isenções. Mas, politicamente, ele temeu perder apoio da briguenta bancada da bíblia. Apoio tão valioso não pode ser perdido.
     Pura bravata: não há dispositivo na Carta que o condene à deposição a sancionar a favor da anistia, que o próprio apoia plenamente. Ele quis provocar o PCdoB. O problema é na lacuna legal, que necessita de regulamentação específica a templos religiosos.
     Foi ruim para o PCdoB. Mas, para seu público de esquerda. Em parte, pela incompreensão deste sobre certas permissões pelo Estado às igrejas. Aos parlamentares faltou discernir melhor sobre a inclusão, na dívida, de valores da ilicitude tributária dos pastores muito ricos.
     Mas, essa história só mostra como é delicado na política tratar de assuntos de instituições religiosas com imparcialidade. Ainda mais envolvendo questões como essa. Sempre haverá a sobra de imbróglio político, para uns, outros ou todos.
      
      
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*Nota 1: links das fontes nos escritos em azul.
*Nota 2: a Constituição Federal cita que “determina ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto” (justificativa de Orlando Silva ao voto favorável do PCdoB). Mas tal veto da CF não inclui os impostos explicados no início do texto, nem a incoerência de somente igrejas evangélicas não serem cobradas.
*Nota 3: fotomontagem - logo do PCdoB, caricaturas de pastores ricos e Bolsonaro (fotos via Google). O X sobre o logo simboliza a negação de "ser esquerda" na crítica ao partido pelo voto pela anistia da dívida em tela.

Fontes:
- https://www.poder360.com.br/congresso/de-24-partidos-apenas-o-psol-votou-contra-anistia-de-divida-das-igrejas/
- https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/09/13/bolsonaro-veta-perdao-de-dividas-tributarias-de-igrejas-informa-governo.ghtml
     
     
     

domingo, 6 de setembro de 2020

Quimeras sociopolíticas 

     Nesse mundo tão diverso, há muitos seres que admiramos, entre vários grupos de vidas, e por vezes nem nos atentamos para a ideia de que haja seres um tanto... esquisitos.
     Podemos nos esbarrar com estes seres em qualquer lugar e tempo. Mas, pelo nome que aparece no título, um deles se destaca bem merecidamente e não é qualquer um: seu nome é quimera.
     O animal mais conhecido com esse nome são peixes marinhos de aspecto estranho, listados no grupo Chimeriformae. Também são biologicamente resultados de hibridismo, podendo ter células de diferentes números de cromossomos, correspondentes às duas espécies genitoras.
     São essas "aberrações" da natureza, além da visão de fósseis que existiam na superfície há dezenas de séculos, que favoreceram o surgimento de quimeras mitológicas, figuras híbridas fantásticas cujas formas corresponderiam a entidades espirituais diferentes.
     Como demônios ou divindades, mistos de homem e outro animal, ou dois bichos distintos: sereia (homem e peixe), Minotauro (humano com cabeça de touro), Sagitário (meio cavalo, meio homem), o diabo de Dante (homem, pés de bode, asas de morcego etc.). Leões com asas de morcego, leão com cabeça humana, certos deuses indianos, dragões do Oriente.
     Se as quimeras mitológicas e biológicas acima são as mais conhecidas, vale a analogia com as quimeras de nosso tempo. Não são híbridas biológicas, nem mitológicas, mas derivadas de relações insólitas entre a mentalidade desenvolvida e seus estilos de vida. Na esfera política é muito fácil distingui-las.
     Pessoas LGBT+ que defendem homotransfóbicos que estão bonzinhos em época eleitoral. Aliás, que fim levou aquela lésbica bolsominion que levou porrada após provocar pessoas num bar no ano passado?
     Pessoas não-brancas (não são só negras!) que elegeram um racista , que minimiza minorias "raciais" ao status utilitarista (negros escravos, índios e mestiços servis). E qual a utilidade do Hélio Negão, heim?
     Mulheres que elegeram e continuam defendendo políticos machistas porque confundem o machismo com a (nada) doce cartilha pela moral e bons costumes e acreditam que feminismo é carência sexual de militante comunista ou lésbica.
     Aqueles doces políticos cristãos que defendem a família e tal, mas vieram totalmente pelo ralo do submundo.
     Fãs de determinados políticos que dizem defender a paz pela liberdade de expressão, mas enchem de ameaças e porrada os diferentes e contrários.
     Gente que diz que nazismo "é de esquerda" só porque no nome do partido fora incorporado o "socialista", porque nunca se interessaram por história para saber que foi apenas uma isca para cooptar socialistas e comunistas iludidos.
     Aqueles grandes grupos da classe média e média-alta que embarcaram num bote contra a corrupção cooptando seus empregados e naufragaram ao se deparar com fascistas recordistas em crimes e crimes contra recursos públicos.
     Cidadãos que acreditam que Michel Temer era de esquerda porque lançou mais medidas para privatizações. Então as privatizações são coisa de comunista? Bolsonaro e Guedes são comunistas, então?
     Direitistas ultraneoliberais que gritam pelo bem-estar do povo pelo Estado - ideia tirada da esquerda.
     Ala "identitária" atribuída à esquerda que defende a liberdade de pensamento, mas faz uma patrulha radical que os aproxima dos tão criticados fascistas de direita.
     Economista que defende país sem estado, gerido por empresas. É o cúmulo, mas existe quem defenda isso...
     O mito do Estado inchado: criminalizar a base do funcionalismo que atende o povo e onera apenas 5% da folha total de recursos e salários.
     Defensores da reforma administrativa que concordam com a minimização estatal, mas se recusam a abrir mão de seus muitos privilégios e benesses que sugam mais de 90% da folha pública.
     O ministro do meio ambiente que incentiva a destruição das áreas naturais e dos órgãos que enfrentam dificuldades crescentes para protegê-las.
     Aqueles que acreditam que a crise da economia popular é necessária para salvar o "pobre" mercado financeiro, e por isso parte considerável do nosso PIB é "necessária" às empresas e bancos internacionais.
     Daí haver um país que, sozinho, sustenta 1/3 de toda a lucratividade global de um banco internacional de enorme porte.
     Num Estado laico, organizações neopentecostais ficam livres de dívida relativa à meta de arrebanhamento de fiéis; Como? O povo paga, não importa se qual a sua fé ou se não crê em nada (aqui).
     Em plena CoronaFest, os que se aglomeram em barzinhos da moda e nas praias acham certíssimo as escolas não voltarem ao presencial mesmo para evitar contágios.
     Na era CoronaFest, gente na feira livre reclama das barracas lotadas, isso porque está sem máscara e álcool gel e fungando em você que só foi ali porque é mais barato, afinal os preços no sacolão estão que arrancam os olhos da cara.
     Gente que depara com preço do gás a fazer os bolsos gritarem de pavor, mas acredita que o governo é uma maravilha para o povão.
     [...]
     Desculpem-me pelo teor do texto. Mas, o que esperar de quimeras sociopolíticas tão reais?

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Fontes:
https://www.paulopes.com.br/2015/06/cunha-e-malafaia-parem-jabuti-que-livra-pastores-de-imposto.html#.X1VlBVVKjIU
https://relatorioreservado.com.br/?s=Santander

   
   
   
   
   

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Witzel e a teia de aranha Bolsonaro


     Para o entendimento do tema, este artigo primeiro visa trazer uma rápida retrospectiva da passagem de Wilson Witzel como governador do estado do Rio de Janeiro.
     Ele era um desconhecido juiz federal atuando no Rio. Se licenciou da magistratura para tentar a fezinha como político. Não foi fácil, diante de nomes como Anthony Garotinho e Eduardo Paes, que lideravam nas intenções de voto.
     Na maior parte do 1º turno esteve obscuro como no tempo de juiz, atrás até de Tarcísio do PSoL. Esperto, Witzel foi na carona de Bolsonaro ao ver o apoio dos fluminenses a este. Batata: como um fenômeno, virou o placar no 2º turno, sendo eleito governador.
     Como Bolsonaro, ostentou sua faixa no início, com orgulho, e depois mostrou a sua sede: no conforto de helicópteros, assistia, e comemorava, as sangrentas operações por snipers da elite da PM nas favelas ou na ponte Rio-Niterói.
     O saldo foi péssimo para a imagem do governador, que não negou sua hostilidade sobre os cidadãos pobres inocentes, os mais expostos alvos diretos dos tiros de fuzil dos snipers da elite da PMERJ. Sniper é um militar especializado em tiros à distância, em treinos de guerra.
     Agora Witzel está afastado a partir de votações favoráveis na Alerj, após as denúncias de malversação de verbas para hospitais de campanha, e por depósito irregular na conta de sua esposa. Considerando tudo um complô, ele pediu vistas ao STJ, mas foi derrotado: teve que se afastar de fato nos 180 dias, pelo rito processual pré-impeachment.
     A história parece ser repentina, mas na prática já era caso a se desenrolar desde o início deste ano, vindo a se aguçar logo após o início do crescimento dos números sobre a pandemia no Brasil, quando os governadores decidiram pelos controles profiláticos da OMS e Bolsonaro (até hoje) negando o flagelo, o que muitos populares têm seguido.
     Mas, as mídias se concentraram em revelar hospitais de campanha vazios ou incompletos (sem materiais ou sem servidores da saúde suficientes). Com o crescimento rápido do flagelo, os hospitais comuns ficaram logo congestionados, com direito à criticada "escolha de Sophia" em Estados mais críticos.
     A suspeita de Witzel parece fazer sentido por dois motivos: já ocorreu insinuações por parte dos bolsominions de que sua ação diante da pandemia era para obter mais verbas da saúde. E se houve tal fato por parte destes fanáticos, significa que a acusação teria partido do Planalto.
     O outro motivo decorre do tal depósito irregular na conta de sua esposa: se ele mereceria ser impichado por isso (além da malversação de verba), como nada ocorreu com o presidente se a esposa Michele também continuou recebendo valores em sua conta mesmo recentemente? E por que Bolsonaro teria adorado o afastamento dele?
     Sabe-se que se vira inimigo de Bolsonaro alguém discordar dele. Birra pueril herdada pelos filhos: o 03 entregou à Câmara PL birrento que criminaliza comunismo e nazismo, inspirado em lei ucraniana em vigor. O alvo é o comunismo, pois o nazismo já é crime há tempos!...
     Witzel é tido como nazista por opositores como Glauber Braga, e por algumas mídias pelo conhecido desprezo a pobres e não-brancos, que não sendo contemplados nas políticas anti-Covid, continuam se expondo ao vírus para manter sustento. Mas, não foi isso que provocou a corrida repentina pelo impeachment.
     Em verdade, o presidente entendeu que as investigações das rachadinhas de seu filho Flávio, comandadas por instituições do RJ, tenham sido "obras" do então governador. A rixa e as acusações de corrupção foram apenas caminhos para haver um plano ainda mais audacioso de Bolsonaro: aparelhar as referidas instituições.
     No momento, segue interino o vice Cláudio Castro, por sua vez tido como o "governador que Bolsonaro pediu aos céus". Faz sentido, e não é só pelo fervor católico: ele é próximo dos Bolsonaro, pessoal e politicamente, podendo mudar as chefias das instituições judiciárias e investigativas no Rio.
     Não é segredo para ninguém que Bolsonaro tem essa ambição, que foi motivo de rixa com o então ministro da justiça Sérgio Moro por conta da chefia da PF-RJ. O presidente sempre teve ambição de montar um Rio de Janeiro à sua maneira, um faroeste sacramentado comandado por milícias como polícia para proteger uma elite armada, e igrejas evangélicas como Estado.
     É claro que, até o momento, não há comprovação do quebra cabeça fático, se mantendo a acusação, decerto consistente, da malversação de verbas públicas para contenção do Corona no Estado, pois a saúde continua precária e em risco de colapso. Mas, até o momento, não foram apresentadas provas substanciais do crime financeiro propriamente dito.
     Mas, também, não há como provar que Bolsonaro não esteja por trás de toda essa teia, teia essa que tem tudo para ter sido, realmente, bem tecida pela família que hoje domina as dependências do Palácio do Planalto. E teia esta que tende a atingir outros governadores. Quem sobreviver, verá o desfecho.


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Fontes: diversas mídias disponíveis (Globo, UOL, Bol, Carta Capital, Blog da Cidadania, e outros noticiosos).
https://blogdacidadania.com.br/2020/09/filho-de-bolsonaro-quer-15-anos-de-prisao-para-comunistas/
https://www.bol.uol.com.br/noticias/2020/09/02/pl-de-eduardo-bolsonaro-quer-criminalizar-apologia-ao-nazismo-e-comunismo.htm
https://revistaforum.com.br/politica/em-projeto-de-lei-eduardo-bolsonaro-tenta-equiparar-comunismo-e-nazismo/
Youtube (posição de Witzel): https://www.youtube.com/watch?v=ql3gfKA9EC0
https://jornalggn.com.br/noticia/as-semelhancas-entre-witzel-e-o-nazista-eichmann/
Vice: https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/314174/claudio-castro-e-o-governador-que-bolsonaro-pediu-.htm



CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...