Reflexão: A PEC da impunidade parlamentar
Em meio à geral atenta ao BBB, à insistência de Paulo Guedes pela urgente votação da PEC 186, e diante da prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira por ofender ministros do STF, a galera no Congresso inteiro se danou a mexer os pauzinhos. Era "preciso fazer algo depressa".
Tal comportamento se mostrou anormal, numa clara indicação de que mais parlamentares estão envolvidos nos mesmos crimes políticos do colega preso. Este foi apenas um boi de piranha, mas já deu mostra dos riscos. Na calada, surgiu o texto de nova PEC, a da imunidade parlamentar, cuja votação por sua admissibilidade foi relâmpago.
Mas os parlamentares já possuem certo nível de imunidade. Para que mais? Este artigo objetiva dissertar e abrir reflexões sobre as possibilidades da nova PEC. Antes disso, a origem.
-> A imunidade parlamentar
A imunidade ou inviolabilidade parlamentar é dispositivo previsto no Art. 53º da CF/1988. Visa a proteção dos deputados e senadores contra a punição por suas expressões e votos, segundo o jurista Rafael Kriek Lucena Cavalcanti, no blog jurídico Ebeji.
O objetivo do dispositivo citado é a democratização das expressões dos parlamentares em sessão, de análises em plenário ou em votação aberta de alguma proposta ou decreto, o que era muito restrito na ditadura militar, quando alguns parlamentares preferiam votar em silêncio para evitar represálias.
No entender do STF, a inviolabilidade parlamentar tem três tipos: material, absoluta e relativa. A material bate com o conceito básico acima, fora da atividade de mandato; a absoluta ocorre quando o parlamentar se expressa dentro da casa legislativa a que se vincula; e a relativa, quando estiver fora da casa. (Ebeji)
Seguindo essa classificação do STF, vale lembrar de casos recentes, como a prisão de Silveira pelo vídeo hostil aos ministros do STF. A opinião em si não foi o problema, e sim a ofensa acompanhada de ameaças, reiterada em suas redes sociais, fora da Câmara. Nesse sentido, ele se saiu como qualquer cidadão comum.
A decisão de prisão em flagrante pelo STF se concentrou mais no parágrafo 2 do Art. 53 da CF, segundo o qual os congressistas "não podem ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável", sendo os autos "remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva para que, pelo voto da maioria dos seus membros, resolva sobre a prisão".
O flagrante foi justificado pela publicação do vídeo nas redes sociais públicas do deputado.
Outro fato coincidente e merecedor de menção por aqui é o súbito cancelamento da quebra dos sigilos do senador Flávio Bolsonaro pelo STJ, após tempos de investigações muito aos trancos e barrancos. A decisão ocorreu após o presidente Jair Bolsonaro "dar o seu jeitinho".
A despeito disso, a presente imunidade parlamentar tem sido alvo de crítica por parte dos juristas, que denunciam o caráter frequentemente absoluto de certas expressões em caráter material que se reiteram na imprensa, mesmo ocorridas em plenário.
Ofensas públicas que afetem a honra de terceiros são injustificadas, necessitam ser punidas, bem como o simples inocentar um parlamentar a despeito das provas pungentes do contrário. São dois pontos a serem analisados criticamente sobre os limites dessa inviolabilidade. E a nova PEC, abordará isso?
-> A nova PEC da imunidade parlamentar
A conduta imediatista da Câmara em relação ao texto da PEC da imunidade desagradou em cheio a opinião pública e o STF, em meio à emergência da C19 e outras pautas que podem por o futuro da nação em jogo.
Apesar da admissibilidade do texto, não houve consenso entre os partidos para a votação. O bloco opositor, grande nesse momento, não aceitou votar. Desistindo, Lira prometeu alterações no texto, que já aparece com pontos bem controversos, segundo disponibilizado pela mídia.
No regimento, o texto é analisado jurídica e constitucionalmente pela CCJ; depois, por 40 sessões plenárias por comissão especial seguidas por audiência com especialistas e votar numa proposta, que só após parecer favorável da comissão o texto vai para votação em plenário.
Mas, como a CCJ ainda não estava formada, Lira queria que a PEC seguisse direto ao plenário, daí o imbróglio com alguns partidos, devido à formação de comissões na próxima semana. Mas, a relatora da PEC já fez o parecer de admissibilidade que foi aprovado.
-> Reflexão final crítica acerca da PEC (texto original)
É normal a crítica da opinião pública sobre a citada votação relâmpago de nova PEC de imunidade parlamentar. Afinal, a patuleia mostra cansaço de tanta impunidade a parlamentares - apesar de estes estarem lá, sobretudo, por eleição popular direta (há vários suplentes, não eleitos).
A crítica se estende também às alterações contidas no texto, que segundo Arthur Lira, se resumem apenas ao Art. 53º da CF, se referindo às formas de abordagem do parlamentar que tenha cometido "excessos de opinião, voz e voto".
A PEC ocorre principalmente sobre a forma de abordagem e custódia do parlamentar que tenha praticado ato criminoso, entre outras providências. Abaixo aparecem os principais pontos de alteração propostos, citados pelo G1-Globo:
- Parlamentar não poderá ser afastado do mandato por decisão judicial: segundo a CF, o STF determina esse afastamento para posterior julgamento. É que ocorreu nos casos Silveira e Flor de Lis (este último foi criticado por Lira);
- Quem cometer crime em flagrante ficará sob custódia da Casa legislativa correspodente: a PEC faz entender que haverá dependências próprias onde o infrator ficará. Ou seja, acaba a possibilidade de prisão como no caso Silveira;
- Acusados responderão por seus atos diretamente à Comissão de Ética da sua casa legislativa: é questionável: se a comissão de Ética é formada de parlamentares, alguns deles colegas de partido, vale tudo?
- Acusados não serão mais imputados civil e penalmente: consequência direta do tópico acima, se torna uma clara forma de impunidade, desta vez a ser constituída. É o ponto mais questionável para a opinião pública.
- Medida cautelar a afetar o mandato só terá efeito após confirmação pelo STF: já que se dissolve a possibilidade de imputação judicial, esse ponto indica que a entrada da justiça caberá somente em casos de "grande gravidade".
Apesar de termos visto várias atitudes republicanas dos parlamentares, em especial reprovando alguns decretos presidenciais absurdos, interesses seletivos são habituais. O próprio Lira pode ser um exemplo clássico, por sua extensa ficha corrida.
Quanto à comissão de Ética para a qual o acusado responderá, segundo a PEC, vale salientar que muitos dos futuros comissionados serão responsivos por condutas antiéticas e imorais, graves ou não. Um tópico suficientemente discutível, em virtude de poder abrir precedente de uma inviolabilidade absoluta ao infrator.
Vale refletir também os significados dessa PEC não tanto para casos como o de Daniel Silveira e Flor de Lis, de expressão política irrelevante comparada a de Flávio Bolsonaro1. A coincidência da sua presunção de inocência coincide muito com a PEC e com a afinidade de Lira, que também a quer logo votada para a sua promulgação.
Portanto, fica apresentada a PEC. Da disciplina da imunidade ou incentivo à impunidade?
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Imagem: Google
Notas da autoria
1. A relevância política do senador se refere só por ser filho do presidente da República e suas ligações com grupos paralelos.
Para saber mais
- https://blog.ebeji.com.br/imunidade-parlamentar-material-absoluta-e-relativa-manutencao-do-entendimento-do-stf/
- https://jus.com.br/artigos/29608/criticas-ao-carater-absoluto-da-imunidade-parlamentar-material-brasileira
- https://www.camara.leg.br/noticias/730472-camara-aprova-admissibilidade-de-pec-sobre-imunidade-parlamentar
- https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/02/26/camara-pec-imunidade-sexta.ghtml
- https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/02/26/sem-consenso-camara-desiste-de-votar-pec-da-imunidade-e-envia-texto-para-comissao.ghtml
- https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/02/23/stj-anula-quebra-dos-sigilos-de-flavio-bolsonaro-no-caso-das-rachadinhas.ghtml
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-02/lira-pec-deve-disciplinar-imunidade-por-excessos-de-voz-e-voto