quinta-feira, 29 de abril de 2021

Análise: Biden e o socialismo às avessas

 
        Já tornado presidente dos EUA, Joe Biden assumiu um país bem dividido em grupos que se digladiavam entre trumpistas e antitrumpistas, supremacistas brancos e grupos negros, tudo mais inflamado pela era trumpista.
        Pegou também um país mais desigual, mais empobrecido, com população grande de sem-teto a lotar viadutos, marquises e prédios desabitados. Além da herança trumpista dos mais de 500 mil mortos pela C19.
        No Brasil com o submundo no poder, o clima era de comemoração muda, pois se apostou que Biden enfraqueceria as hostes daqui. Ainda é possível, pois é inegável a "guerra fria" diplomática entre os dois países, que o chanceler atual, Franco França, terá que corrigir a duras custas.
        Biden e Kamala Harris mostraram desde o início que formam uma boa dupla. A vacinação em massa nos EUA de pronto atingiu mais de 150 milhões de cidadãos, e ainda sobram doses aos montes, a serem distribuídas a outros países. O Brasil seria um potencial contemplado se acatasse a cobrança de Biden na política ambiental. 
        Na Cúpula do Clima nos EUA, o discurso fake news brazuca fez fama e Salles cobra US$ 1 bilhão "para salvar a Amazônia" - e formar milícias na região, com objetivos suspeitos. Claro, até o momento não recebemos nem as doses, nem o dinheiro.

Socialismo às avessas e reflexões finais

        Enquanto a Cúpula do Clima continua rolando, a imensa maioria da patuleia parece alheia sobre a retomada dos bombardeios estadunidenses na Síria. Veremos, pelo menos mais raramente, notícias de grupos enormes de famílias sírias saindo do país para escapar da morte dessa guerra.
        Nessa altura, a notícia dos EUA mais frequente e o "choque de gestão" do governo para retomada econômica. Entre outras medidas, Biden resolve taxar as grandes fortunas e beneficiar milhares de famílias pobres com um "bolsa-família", totalizando o desembolso público em US$ 1 trilhão.
        O pacote de medidas foi um dos top trendings (os mais postados) nas redes sociais. Houve quem, comparasse o pacote político de Biden à de distribuição de renda de Lula ou ao auxílio emergencial do governo Bolsonaro. Mas as diferenças dominam.
        A versão brasileira do Bolsa-família foi um aperfeiçoamento do Bolsa-escola de FHC. Prevaleceu o respeito a alguns requisitos do original, como a obrigação de escola dos filhos, mas o benefício ficou melhor e abrangeu mais famílias, distribuindo melhor a renda. Ficou estável.
        Chamado inicialmente de coronavoucher, o auxílio emergencial de agora é temporário de um a três meses no máximo - se houver. Se liga estreitamente à sindemia de C19 e tem valor esdrúxulo. Quem mais ganhou com isso foi quem não precisa, como megaempresários, investidores e militares.
        A versão estadunidense é temporária, mas flexível. Também contempla famílias com filhos nas escolas. Diferente do auxílio emergencial de Guedes-Bolsonaro, ele é um contributivo ao reequilíbrio econômico, não dependendo necessariamente da sindemia, e o valor do benefício é o maior dos três.
        Além disso, o pacote tem como objetivo fortalecer os direitos trabalhistas (nos EUA a coisa não é solta como se acredita), o que mostra a perigosa contramão que o governo Bolsonaro está rumando em seu governo. O pacote de Lula também não mexeu com direitos trabalhistas.
        É verdade que o benefício social de Biden se aproxima mais do petista, e coloca a versão atual, de Guedes-Bolsonaro como escárnio aos mais pobres, que ainda terão que devolver como imposto de renda (como, se estão sem renda?). 

Reflexões finais
        Não podemos negar que o pacote de Biden representa algo audacioso em meio à personalidade do capital inserida na cultura estadunidense. Audacioso por ter caráter de certo modo progressista, o que não significa que o presidente seja progressista de fato. Sua vice é progressista, provavelmente teve influência dela.
        Entretanto, é errôneo citar tal benefício social como sendo "socialista" ou comparar com alguma coisa nesse sentido. Na verdade se trata de uma obrigação que todo líder nacional tem que prestar para o país. No umbigo do capitalismo global. o pacote é plenamente compatível com os interesses dos mais ricos.
        O que torna o pacote parecer "socialista" é haver, entre as medidas, a tributação dos mais ricos. Lá como cá, os mais ricos quase ou nada pagam de impostos. O que torna a desigualdade de lá menor do que aqui é que lá a carga tributária é muito menor, tornando os preços mais acessíveis ao consumidor final.
        Se engana quem acredita que isso fará os poderosos se evadirem dos EUA: o aumento das taxas malfazem cócegas em seus bolsos, quanto mais nos abarrotados cofres. Na verdade, os pobres de lá pagam proporcionalmente muito pouco a mais que os mais ricos, em comparação com a relação rico-pobre no Brasil.
        Isso talvez explique porque se evita a todo custo evitar a taxação dos poderosos no Brasil. E por isso as medidas de distribuição de renda lulista não esbarrou nos ricos.
        Então, nisso tudo, se finaliza: se o pacote for encarado como socialista, então vale enfatizar, que esse é o "socialismo às avessas", que a direita capitalista gosta.

----
Imagem: Google

Notas da autoria
1. 


quarta-feira, 28 de abril de 2021

#Curiosidade: Transtornos alimentares

Algumas pessoas comem demais e parece não haver limites. Outras simplesmente se recusam a comer a tal ponto que perdem peso perigosamente, e mesmo assim acreditam que estão acima do peso ideal. Há outros que entram na gula, mas depois vomitam tudo o que comeram. Transtornos alimentares são o tema deste artigo da categoria #Curiosidades, subcategoria Transtornos Psiquiátricos.

****

        Tendo sonho de ser modelo de passarela, Gláucia reduziu sua alimentação seguindo receitas de amigas. Emagreceu bastante, mas mesmo insatisfeita, se inscreveu em site de agência de modelos com suas selfies pós-emagrecimento. Apesar do corpo magérrimo, a resposta do seu sonho nunca veio.
        Vítor é um jovem ansioso. Após estudo para se preparar para o ENEM, foi comer depois de pouco mais de uma hora do último lanche, tamanha a ansiedade. À noite, saindo com amigos para comer uma pizza, chamou a atenção por ter comido sozinho uma pizza inteira em pouco tempo.
        Claudio e Gina têm todo o amor pela linda filha Eva. Mas não escondem a sua preocupação com ela, pois têm certeza absoluta de que a jovem está com algum problema aflitivo. Tudo porque Gina a flagrou vomitando tudo que comeu quase ferozmente na hamburgueria onde pararam para lanchar.
        As três histórias acima são fictícias, mas mostram a realidade sobre os transtornos alimentares. E esses três acima aparecem entre os exemplos de transtornos alimentares que serão o tema deste artigo.

        Se caracteriza pela obsessão por magreza e dieta muito hipocalórica, medo de sobrepeso e visão distorcida do corpo. Purgação1 não é regra geral. Pode ser leve a grave, e afeta em geral adolescentes. O termo anorexia é errado, pois não há perda de apetite, e sim severidade na dieta e quantidade.
        Fisiopatologiaredução de hormônios gonadais (sem ou com amenorreia2), de tiroxinas T3 e T4 da tireoide, e aumento de nível de cortisol, ligado ao estresse. Declinam a massa óssea e a fisiologia de vários sistemas do organismo. Alcalose metabólica proporcional à gravidade. Alterações cardíacas.
        Sintomas: visão distorcida do corpo ou de parte dele, atitudes atípicas com alimentos (estudo de calorias e dieta; esconder ou desperdiçar; coleção de receitas; incitar dieta restrita a outro); recusa em aceitar que está em subpeso; exercícios físicos vigorosos; depressão e perda de libido; hipotensão.
        Em casos graves, o subpeso é tão grande que o prognóstico geral é sombrio. A sua mortalidade se relaciona a taquiarritmia ventricular induzida pelas alterações cardiofisiológicas.
        Etiologia: desconhecida; fatores sociais e familiares são considerados devido à crítica feroz ao sobrepeso e obesidade.
        Comorbidade: a mais comum é alguma presença de depressão, mas não é regra.
        Prevalência: jovens do sexo feminino com comportamento preocupado e meticuloso.
        Diagnóstico: clínico - físico e análise de comportamento (se achar gordo mesmo estando muito magro e manter dieta restritiva).
        Tratamento: psicoterapia; suplemento nutricional a critério médico; antipsicóticos de 2ª geração em alguns casos. Casos leves têm reabilitação fisiológica, inclusive cardíaca. A teimosia dos pacientes pode dificultar o sucesso do tratamento.

        É uma alteração da relação com a comida: episódio de ingestão compulsiva de grande volume seguida de purgação (vômitos autoinduzidos ou uso de laxantes/ diuréticos), em frequência média de 2 vezes semanais, por até 3 meses. É semelhante à AN, mas sem se obrigar a uma dieta restritiva.
        O peso é normal, ou pode ser acima. As complicações fisiopatológicas da AN são ausentes, mas há desidratação pela purgação. Usuários de xarope de ipeca em longo prazo para induzir vômitos podem ter miocardiopatia. Rompimento estomacal ou esofágico é excepcional, sendo fatal se ocorrer. 
        Sintomas: compulsão descontrolada de ingestão rápida de grande volume de comida, seguida de purgação, exercício violento ou jejum, uma ou mais vezes por dia. Tais episódios ocorrem por estresse psicossocial e ocorrem em segredo. Erosão do esmalte dentário pelo vômito ácido, edema de glândula parótida e esofagite são as complicações mais comuns.
        Etiologia: possivelmente desconhecida; estresses psicossociais constantes são o fator comum.
        Comorbidade: quando presente é geralmente transtorno de ansiedade ou depressivo. 
        Prevalência: em 0,8% em adolescentes do sexo masculino e 1,6% no sexo feminino.
        Diagnóstico: como o da AN. 
        Tratamento: psicoterapia e medicamentos inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS). Em geral, pacientes de BN têm consciência de seu distúrbio, facilitando o sucesso do tratamento.

        Transtorno com episódio de ingestão compulsiva de grande volume alimentar com sensação de perda de controle. Não há purgação. A comida é hipercalórica e as pessoas mais afetadas são obesas e mais velhas. A sensação de perda de controle ocorre durante e/ou após a ingestão.
        A ingestão é rápida e quase sem mastigar, sozinho por vergonha, até se sentir uma desconfortável saciedade. Come mesmo sem fome física. Tem vergonha do excesso de peso, mas não faz exercícios. Devido ao sofrimento, o paciente geralmente tem ciência do distúrbio e da necessidade de se tratar.
        Prevalência: em 2% dos homens e 3,5% das mulheres. 
        Comorbidade: quando há, geralmente são transtorno de ansiedade generalizada ou depressão.
        Etiologia: como a da BN. 
        Diagnóstico: clínico, análise de comportamento.
        Tratamento: psicoterapia; fármacos a critério médico (ISRSs ou lisdexanfetamina). Este último contribui para a redução da compulsividade alimentar. A aceitação facilita o sucesso do tratamento.

        Embora o público o confunda com a AN, o TIAER é diferente, por não envolver dieta rigorosa nem visão distorcida do corpo. Pode se iniciar em qualquer idade, em geral na adolescência tardia, de leve a grave. A recusa ou restrição em comer ocorre por medo ou desinteresse. 
        Sintomas: o medo de comer (de vômito ou asfixia) é imperioso. Há importante perda de peso e queda nutricional havendo, em caso grave, dependência de suplementos nutricionais orais ou sonda enteral. Disfunção psicossocial pode ser quase nula em casos leves ou marcante nos mais graves.
        Há potencial fatalidade por desnutrição grave com alteração fisiológica severa de órgãos vitais.
        Etiologia: há histórico de trauma a vômito ou asfixia (ligada a alimento).
        Comorbidade: quando há, transtorno de estresse traumático ou depressivo.
        Prevalência: não mencionada.
        Diagnóstico: clínico; avaliação comportamental a afastar outros transtornos que inibem a ingestão como depressão, esquizofrenia e outros distúrbios alimentares.
        Tratamento: psicoterapia. Medicação só em caso comórbido importante, a critério médico.

        Condição de regurgitação, voluntária ou não, de alimento ingerido, sem ocorrer náuseas ou ânsia de vômito. Pode ocorrer desde o bebê ao adulto, e se manifestar todos os dias, repetidamente.
        Sintomas: volitiva (imperiosa, mas o paciente não sabe que pode controlar), a regurgitação pode findar em cuspida, ou nova mastigação e redeglutição. O comportamento é visível. Por saber que o ato é socialmente ruim, o paciente evita comer antes de encontros, ou disfarça como pode. O que limita a ingestão tende a perder peso ou ter deficiência nutricional. Não se observa disfunção psicossocial.
        Prevalência: não mencionada. 
        Etiologia: desconhecida; se cogita alguma pressão psicológica imperiosa.
        Comorbidade: não mencionada.
        Diagnóstico: critério clínico; o médico pode perceber a ruminação diretamente, quando houver.
        Tratamento: psicoterapia por modificação comportamental. Alta chance de sucesso, os pacientes tendem a aceitar a situação.

        Distúrbio singular caracterizado por ingestão de material não alimentar atóxicos, como papel, giz, cabelo, terra, argila, barbante, etc.). Pode ser iniciado até na infância, acima de 2 ou 3 anos. Observável em gestantes. Há relatos de ingestão de moedas, tampas de caneta ou mesmo parafusos.
        Sintoma: Desejo por ingerir material não alimentar, por um mês ou mais. Vida psicossocial normal em não comórbidos. Complicações: infecções ou verminoses com material sujo ou terra; intoxicação química por metais pesados (fragmento de tinta); e mecânica (obstrução ou perfurocorte, neste há o potencial fatal).
        Prevalência: não mencionado em relação à população geral, nem entre grupos específicos.
        Comorbidade: com esquizofrenia ou déficit intelectual, se ocorrer.
        Etiologia: ligada a alguma deficiência nutricional.
        Diagnóstico: critério clínico sobre complicações gastrintestinais ligadas à conduta. Em pacientes sem nenhuma comorbidade, a pica desaparece espontaneamente com o uso do suplemento.

Reflexões finais
        Todos os transtornos alimentares acima são alterações das relações com alimentos, incidindo na conduta alimentar. O maior risco letal da AN se explica na sua conhecida estatística, inclusive em qual grupo ou segmento prevalece. Mas há relatos de casos graves de AN (ou TIAER) que retornaram à vida normal com quase ou nenhuma sequela fisiológica e/ou psíquica.
        O termo Anorexia poderia ser trocado por disnorexia, que sairia mais adequado para designar a importante alteração da qualidade da dieta ingerida pelo paciente. Seria, assim, a sigla DN.
        É possível que até recentemente o TIAER fosse visto como variação da AN, explicando a ausência estatística após a sua distinção, que ocorreu pelos diferenciais sintomáticos como ausência de distorção sobre o próprio corpo e de preocupações com dieta e peso, e evidente medo/ desinteresse de comer.
        A BN se distingue da AN purgativa em dois pontos: na primeira não se observa perda de peso e interesse com dieta; na AN purgativa, o conteúdo eliminado era dietético. Mas, ambas ocorrem principalmente na adolescência e no sexo feminino.
        Deve-se frisar que intensas pressões diversas (estéticas, econômicas, profissionais, etc.) do estilo de vida moderno se descarregam em quem, com psique vulnerável, possa contrair forte sentimento de frustração e crises de ansiedade - portas abertas para os transtornos alimentares e suas complicações. 
        Tais transtornos são tratáveis com alta chance de retorno à normalidade, até os comórbidos. Um tratamento de sucesso deve envolver também a família para rastreamento etiológico e proporcionar em todos mudanças comportamentais e relacionais positivas, com melhor aceitação de cada um de nós como seres únicos.
        
----
Imagem: Google

Notas da autoria
1. Vômitos ou uso de laxantes fortes (purgativos).
2. Ausência de menstruação.

Para saber mais
https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares
https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/anorexia-nervosa
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/bulimia-nervosa
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/transtorno-de-compuls%C3%A3o-alimentar
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/transtorno-de-ingest%C3%A3o-de-alimentos-esquivo-restritivo-tiaer
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/transtorno-de-rumina%C3%A7%C3%A3o
- https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-alimentares/picafagia


 

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Análise: um orçamento às custas de vidas 


        Enquanto parte da patuleia geral se atentava às novas etapas do BBB, segunda parte compartilhava vídeos do Tik Tok para ganhar grana e outra se perguntava se a CPI do genocídio vai finalmente dar certo, o governo, mais através de Paulo Guedes, se moveu para o aprove do Orçamento de 2021 - após idas e vindas.
        A intensa discussão entre os parlamentares sobre escolha de nomes para liderar na CPI do genocídio nesse momento de aumento inexorável da mortandade pela sindemia de C19, seguido da ideia fixa de Guedes em realizar cortes em ministérios alegando respeitar o teto dos gastos1, motivaram adiamentos na votação do texto do Orçamento de 2021.
        A ideia fixa do ministro, acompanhada de intensa ansiedade pela votação do texto, provocou nova discussão, centrada em quais ministérios se deveria fazer alguns ajustes, mais conhecidos como cortes mesmo. Os ministérios atingidos foram os da saúde, educação, C&T. Em plena alta da sindemia de C19.
       Essa escolha por contingenciar (termo que Guedes adora) os ministérios responsáveis pelos serviços públicos essenciais (sim, a C&T é também essencial, por subsídios aos demais serviços) é explicada pela imprensa da casa grande por serem os receptores dos maiores volumes de recursos. Mas vale salientar que isso em motivo.

Por que no MEC e MS?
        Quem realmente observa o comportamento do ministério da Economia nesses tipos de medidas se pergunta, com certeza, por que tanta ideia fixa de Paulo Guedes em cortar os recursos destinados aos ministérios da Educação (MEC) e da Saúde (MS).
        Uma resposta para esse comportamento do ministro que torna a economia tão venenosa para os segmentos populares é que ele não quer mexer com os setores bilionários. Isso é fato incontestável, a evidenciar o Brasil como submisso emissário de grana a grandes grupos financeiros transnacionais.
        Destinados a resolver às muitas necessidades dos estabelecimentos e dos respectivos servidores desses ministérios, os volumes desses ministérios se torna, tanto para o governo quanto para os grandes grupos empresariais, a cobertura do rombo para a aprovação do Orçamento.
        A CF-1988 prevê que os volumes destinados aos ministérios respaldem regras do teto dos gastos, que limita os volumes de gastos conforme o índice inflacionário do ano anterior. Portanto, os volumes destinados aos dois citados ministérios não são ilimitados como muitos imaginam.
        A CF/1988 prevê certo volume de recursos a esses ministérios, intocáveis para serem desviados a outras finalidades. Porém, na prática tal desvio ocorre, tornando-se um crescente problema na medida que cresce a pobreza e a vulnerabilidade social da população. 
        Isso explica porque só uma parcela (variável, mas sempre insuficiente) do total orçado chega aos destinos necessitados. O governos ainda prefere "resolver" congelando salários dos servidores e mal atendendo ao povo, em nome dos grandes grupos empresariais. A mídia da casa grande comemora.
        Os leitores com razão vão se lembrar dos governos anteriores, que fizeram também seus cortes, e os motivos envolveram também interesse político. Mas, havia alguma transparência no que se refere à explicação dos motivos dos cortes. Bem diferente de agora, em que se enfrenta um paradoxo.
        Empobrecimento e miserabilidade elevam o nível de dependência popular desses serviços tão sub investidos. E essa cobertura se faz mais necessária justamente nessa alta sindêmica, quando o governo sob batuta de Guedes realiza cortes recordes nesses setores. Receita de colapso.

MCTI
        O ministério da ciência, tecnologia e inovação (MCTI) provém recursos para incentivo à pesquisa científica e inovação tecnológica, inclusive em manuseio de recursos renováveis e ecologicamente corretos. Atua para universidades, institutos e fundações regionais de amparo à pesquisa.
        Antes da era Bolsonaro, o setor tem recebido entre 0,9 e 1,2% do PIB em média, com um boom no petismo, estendendo-se ao programa Ciência sem Fronteiras. Todavia, é uma cifra bem inferior à dos países da OCDE, nos quais o setor abrange entre 2% na Europa e até 4% na Coreia do Sul.
        Na era Bolsonaro se observa maior desinvestimento, devido aos seguidos cortes no setor para fins de satisfação intensiva ao mercado financeiro. Já prejudicado com cortes desde o ano passado, o setor vê aumento da dificuldade de operar mecanismos de enfrentamento da sindemia de C19.
        A opacidade de acesso à informação sobre o orçamento de 2021 é igual ou maior do que a do ano passado, evidenciando haver mais ingredientes na receita de colapso.

MMA
        O Ministério do meio ambiente (MMA) sempre foi um alvo melindroso de políticos ligados aos grandes ruralistas devido a conflitos agrários e às empresas extrativistas de recursos naturais, devido a barreiras intrínsecas na legislação ambiental brasileira.
        O agronegócio tem sido, nos governos anteriores, o maior responsável pelo desmatamento e pelos incêndios que atingiam áreas de preservação permanente, e nos últimos anos tem encontrado aliados igualmente predatórios: garimpeiros, grileiros (autônomos ou por fazendeiros) e madeireiros.
        Na era Bolsonaro, esses grupos encontraram no ministro Ricardo Salles2 o poderoso aliado para aval às suas predações contra as áreas naturais, em especial as terras indígenas, resultando em recordes de assassinatos de povos originários e nos índices de destruição dos biomas.
        O MMA foi também alvo do corte usado para a aprovação do Orçamento 2021, em R$ 25 milhões aproximadamente.

IBGE
        O Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) tem respaldo internacional por levantar dados estatísticos de grande relevância nacional e internacional. Tem realizado censos a cada decênio, sem nunca sofrer paralisação de suas atividades por conta de crises de quaisquer natureza.
        Foi sofrer cortes justamente nesse governo. Talvez ninguém na patuleia tenha percebido, mas no ano passado não houve um censo como deveria ser, pois vários itens foram cortados por ordem do governo, e também não foi publicado.
        Na desculpa midiática de contingência de recursos para o orçamento 2021, o censo foi cancelado. Mas foi uma estratégia de interesses: ficam suspensas ou maquiadas estatísticas diversas como dados relativos à C19 (números da doença e da vacinação), atuação do governo em vários setores e cenários eleitorais simulados.
        Muitas estatísticas boas (obras do petismo) poderão aparecer. Se preparem.

Reflexão final
        Se a emenda constitucional do teto dos gastos estabelece um limite de recursos a serem investidos nos diversos setores públicos, é de se esperar, dentro dos limites éticos, que a contingência de recursos, se necessária, seja distribuída em TODOS os setores, inclusive na cota destinada a grupos financeiros.
        Mas a realidade se concentrou aos ministérios acima citados, mantendo intocáveis demais pastas do governo, por razões de notório interesse. Fonte recorrente de recursos no balcão de negócios no Congresso para as votações de pautas importantes, a previdência escapou da tesoura do orçamento.
        Em todo esse somatório de pontos, pode-se concluir que o governo sozinho não é culpado, tem a maior parte do Congresso como cúmplice. Maior parte porque teve opositores, mas estes não tiveram voz suficiente por, talvez, falta de contingente do grande público, que estava alheio ao tema.
        Culpa de governo e todos os que, cientes dos severos prejuízos acintosamente impostos ao erário público, aprovou toda a canalhice contida no texto do orçamento. Em plena alta sindêmica, às custas de tantos milhares de vidas.
        Quem viver, verá.
        
----
Imagens: Google (edição: autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Essa é a alegação "oficial" emitida pela mídia da casa grande. 

Para saber mais
- https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2020/05/cortes-orcamentarios-em-cti-dificultam-acao-contra-o-coronavirus/

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Análise: quem pegaria o Brasil pós-Bolsonaro?**


        Enquanto milhares de novas lágrimas molham rostos enlutados de pessoas que perderam seus familiares para a tragédia biológica disseminada, a prioridade nos bastidores da política vem sendo mesmo a corrida para se definir os presidenciáveis para as eleições de 2022.
        Nada demais aí, claro. Já é praticamente metade do mandato do presidente Jair Bolsonaro, por isso há essa preocupação nos bastidores para esquentar os microfones (no mundo virtual, até prova em contrário), e também o tempo necessário para se planejarem em propostas e campanhas.
        Ainda não estão todos confirmados, mas e alguns casos já se observam pré-candidaturas bem definidas, enquanto que outras ainda não foram amplamente decididas. Muita água ainda rolará nesse tempo.
        Este artigo é uma análise estritamente pessoal sobre o tema em tela.

Os "definidos": hipóteses de governo em caso de eleição
        Um cara definido é Ciro Gomes (PDT). Tem experiência política considerável e popularidade até razoável. Mas, às vezes peca no linguajar impopular e em alimentar ranços antigos. Se eleito, tentará o desenvolvimentismo, mas para melhorar o país terá que frear um tanto o liberalismo econômico.
        Sazonal, Marina Silva é o nome da Rede para 2022. Pode ser boa escolha para quem prefere nome experiente, mas sem escândalos no CV. No MMA na era Lula1, ela mitigou o ritmo de desmate, mas saiu após muitos conflitos sobre licença ambiental agrária e de obras. Se eleita, beneficiará o meio natural, mas pode esbarrar em questões LGBTQ+ e aborto.
        Spoiler: alguns têm esperado aposta no combativo senador Randolfe Rodrigues.
        Doria é o nome tucano no momento: ficou popular pelo êxito sobre as vacinas, esquivando-se de impedimentos do MS do então Pazuello. Mas vale lembrar que foi um prefeito horrível ao pregar uma higiene social com farinata e outros meios estranhos. Se eleito, terá política parecida com a de FHC.
        O ex-MS Henrique Mandetta (DEM) ficou popular ao aprender a valorizar o SUS na sindemia de C19 em 2020, pregando normas preventivas. Diante da contradição popular3 e da mira da CPI da C19, se eleito, quiçá poderá beneficiar a saúde pública consolidando o SUS. 
        O PSOL vai de Guilherme Boulos. Como profissional é inexperiente, mas é um político nato, de base, com campanha inteligente na corrida municipal de Sampa em 2020, chegando ao 2º turno. Se eleito, suas pautas progressistas enfrentarão conflitos com um Congresso ainda conservador. 
        O Novo parece pender agora para Romeu Zema, governador de MG. Político estreante, o lojista não é muito popular: sua atuação não é boa. Se eleito presidente, seguirá seu partido, com governo tão anarconeoliberal quanto o de Paulo Guedes. Aí, foi-se um dia o Brasil.

Os "indefinidos": hipóteses futuras
        Haddad ou Lula? Dino ou Manuela? Sérgio Moro vai fazer par ou concorrerá com Luciano Huck? Zema será mesmo confirmado, ou o Novo decidirá por Amoedo novamente na convenção? Fala-se do apresentador Gentili que, no momento que atravessamos, pode ser aposta, por mais absurda que seja.
        No Novo, Zema parece mais forte do que Amoedo por já estar na experiência política. Mas, seu perfil ideológico e CV empresarial não ajudam: o Brasil e suas unidades federativas são entes públicos e não empresas, portanto, não se administra negócios, mas tudo de uma nação. Esse recado vai para todos do partido!
        Embora pessoalmente definido na corrida eleitoral, Bolsonaro não se define em que partido entra. Os motivos vão de interferências de seus filhos problemáticos à sua própria paranoia ideológica. Pelo menos há siglas mais próximas como PSC, o PRB da IURD e os ex PP e PSL. Se reeleito, já se sabe, pelo menos, que sua política destrutiva e fatal continuará.
        No PT há Lula e Haddad. Ambos são inteligentes, cada qual pela sua natureza. Lula é político nato, sagaz e decidido; Haddad é um intelectual pacifista sem os vícios do Legislativo. No mais, cada um merece comentários em separado. Por isso, valem mais parágrafos.
        Os efeitos de Lula livre em março-abril mostram que a prisão não minou seu prestígio global nem seu carisma popular. De novo elegível, assusta o "inimigo" Bolsonaro. Parece governar nas sombras, após escrever para a China e conversar com os russos sobre vacinas. Boa aposta, falta só definir o vice.
        Ex-prefeito de Sampa, Haddad ficou popular na grande campanha de 2018. Carece de pulso mais firme, mas é aberto ao diálogo com populares. Como ex-chefe do MEC, tem boas propostas educativas e econômicas progressistas, sendo também boa aposta. Resta ao PT decidir no final.
        Sobre a posição de vice, houve proposta do presidenciável Ciro para Lula ser seu vice, mas ainda não houve uma confirmação. Alta chance de conflitos de interesse por liderança, pois ambos têm essa qualidade em mesmo peso. Se fosse o caso, o par Ciro-Haddad seria até muito bom.
        Embora alinhado ao PSDB, cuja sede em Curitiba foi fundada por seu pai, Sérgio Moro ainda não se decidiu se entra para presidente ou a vice do pretendente Huck. Sua proposta política talvez esteja no campo penal, lembrando o pacote anticrime de quando ministro. Mas agora enfrenta má reputação com a fraude judicial no caso Lula desmascarada.
        Huck ainda não sabe se estará junto de Moro ou separado deste na corrida. Não tem partido, mas seu perfil se alinha aos de centro-direita como PSD, Novo ou até PSDB. E também não tem programa político algum. Ainda terá que aprender que o Brasil não deve ser gerido como o seu Caldeirão, onde seu populismo cola bem.
        Além de estar como Huck, e de precisar de muito mais tempo para entender que o Brasil não é o seu talk show, Gentili mais parece uma entrada zoeira, embora muito sem graça. Não vale a pena gastar dedos para se saber o que ele tem na cabeça. 

Reflexão final

        Entes de pesquisa de opinião como Ibope, Datafolha, Vox Populi e outros, de mídias de diferentes tendências ideológicas, se divergem sobre as escolhas em presidenciáveis de 2022 - o que leva a muita desconfiança popular sobre a veracidade dessas pesquisas, ou quais delas é mais verossímil ou não.
        Para as mídias da casa grande, é interessante que Bolsonaro lidere. Não que goste deste de fato, mas é pelo querido Guedes. E para as mais à esquerda, é melhor a liderança de Lula como "ideal para reparar a destruição e investir no povo". As independentes são antibolsonaristas, por antifascismo.
        O senso comum tende a acreditar que as entidades controladas pelas mídias da casa grande têm maior confiabilidade. Mas isso deriva do senso absolutista da cultura dominante, não expressando, na real, uma verdade absoluta, cuja inexistência a geral não assimila.
        Realmente, distorções são comuns entre as mídias enfatizando, em alguns casos, interesses para o seu lado, como ocorre com as que transmitem pesquisas falsas e até já foram alvos de discussão na CPI das fake news. Mas tais fatos costumam ser desmentidas logo após a sua publicação.
        Dois pontos merecem consideração: pesquisas prévias indicam apenas a opinião do momento, que é mutável na medida que as águas rolarem; e o tempo para resolver a indefinição, que agora domina e vai ter pouco mais de um ano para ser resolvida para formar chapas, propostas de governo e agendas de campanha, que possivelmente serão virtuais devido à sindemia.
        E alguns fatos já começam a definir rumos: o STF acabou de tornar Moro suspeito, processos de Lula serão em Brasília, e Bolsonaro é alvo da CPI da C19. Três pontos que poderão rebuliçar o futuro político dos três principais nomes nas pesquisas de opinião de agora. O que afeta outros.
        Se o eleito for Bolsonaro, já sabemos. Mas, se o eleito for outro minimamente progressista, a capacidade de minimizar ou de resolver uma pequena parte do legado tétrico em curto prazo já será de bom tamanho. Pois o mais importante é saber das possibilidades de resolver o Brasil após o caos.

----
Imagem: Google

Notas da autoria
1. Ministério do Meio Ambiente.
2. Espécie de ração alimentar de mistura de sobras alimentares de restaurantes. 
3. Foi popular diante da C19, mas o povo que o admira também é o mesmo que não colabora para mitigar a tragédia. 

* Partidos citados no texto: Novo, PDT (Democrático Trabalhista), PT (dos Trabalhadores), PSDB (da Social-Democracia Brasileira), PSC (Social Cristão), PSD (Social Democrático), DEM (Democratas), PRB (Republicano Brasileiro), PSL (Social Liberal), PP (Progressistas), Rede Sustentabilidade (Rede).

** Este artigo foi uma análise estritamente pessoal, sem consulta de referências.


        
 

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Análise: Brasil, em risco e de risco


        Quando finalmente se soube que o novo Coronavírus mostrou a que veio ainda com as primeiras mortes noticiadas da China, ninguém deu muita atenção com a doença em si, mas com os riscos econômicos devido à incontestável pose do país oriental. 
        Consideremos que a atenção primordial na economia se deu pela despreocupação com a possibilidade de o Corona invadir territórios vizinhos, a Ásia inteira, continentes mais próximos e o mundo. Mas, veio a realidade: surge uma nova pandemia, assim ainda considerada.
        O fato de o Corona encontrar condições favoráveis na Europa, EUA e América do Sul, esta última díspar em termos de desenvolvimento humano, foi por um tempo intrigante para os cientistas após se debruçarem no rastreio da invisível entidade. Mas, depois entenderam que variantes como as desigualdades e o comportamento social influem na coisa.

Como o mundo tem enfrentado a C19: resumo

        Na maioria da Europa, Ásia e outros continentes, houve as conhecidas ações profiláticas para controlar o espalhe do vírus e sua doença C19. Houve colaboração popular até entre os mais relutantes, como a Itália. Todavia, mesmo com a atual vacinação, não se descarta a chance de novos surtos.
        Pouco noticiada, a condução da C19 na África tem sido algo efetiva, com fortes campanhas de conscientização coletiva sobre a gravidade da doença e ações profiláticas. A ajuda profissional da ONG MSF2 junto aos MSs locais é decisiva no controle, mas não se descarta chance de novos surtos.
        A falta de fontes seguras sobre as chances de descontrole africano se compensa pela confirmação da existência de variantes como a sul-africana (que tem cepas regionais), já no Brasil, e a da Nigéria, ambas em dezembro. Embora ainda não divulgadas, variantes de outros países não são descartadas. 
        Priorizando a corrida com a China para a liderança econômica mundial, os EUA de Trump se lixaram para a pandemia, que acabou se revelando uma sindemia1, na combinação com os altos índices de riscos prévios (doenças crônicas) e da grande população idosa.
        O aumento da desigualdade social local devido ao empobrecimento também contribuiu para que a sindemia tivesse proporções grotescas em pouco tempo, graças à promoção inicial em medicamentos ineficazes e certa dose de fake news e teorias conspiratórias com aval do governo.
        Quanto aos vizinhos, o país colaborou para afetar ainda ainda mais o México, que viveu surto em parte devido ao negacionismo inicial do seu líder Obrador. Este logo mudou de ideia após novo surto ligado a algumas levas de estadunidenses que, ironicamente, fugiram da tragédia em seu país. Por sua vez, o Canadá surtou, mas segurou.
        Mas os EUA tiveram sorte: logo após a posse, Joe Biden impôs medidas profiláticas duras e foi para a vacinação em massa com as centenas de milhões de doses compradas pelo antecessor Trump. O efeito foi rápido, eliminando as cifras estratosféricas de infecções e mortes pela C19. Sobrou o Brasil.

Brasil: um perigo para si e para o mundo: reflexão final

        Com a eficiente ação de Biden na saúde dos EUA e falta e informação em ditaduras como o golpe militar de Myanmar, o Brasil de Jair Bolsonaro se vê como uma exceção na condução da sindemia de C19, que não para de avançar, assim como não param as bravatas presidenciais, inações e omissões do MS.
        A previsão de troca de seis por meia dúzia no MS por este blog se confirma na pífia atuação do atual ministro Queiroga, que é médico. Distraindo o povo da guerra contra a CPI da C19 com lives e corpo-a-corpo, Bolsonaro permite ao ministro falar da profilaxia sem traçar plano de vacinação mais massiva.
        Entretanto, as autoridades sabem que o avançar da sindemia de C19 segue inexorável, pois não há medida efetiva de contenção de eventos de aglomeração, e mesmo governadores e prefeitos são débeis em lançar lockdown real nas suas respectivas regiões. Puro preconceito em prol de uma economia que depende de vidas para se movimentar.
        O avançar do flagelo foi alertado há um mês atrás pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que em live salientou sobre projeções estatísticas de picos de morte para o Brasil nos próximos meses se continuar a política de negacionismo. Só para abril as projeções apontam para quase 100 mil óbitos.
        Os alertas estatísticos esclarecidos por Nicolelis fazem sentido, e a julgar pela indolência do MS e a patológica indiferença de Bolsonaro, tais projeções dão ao Brasil a posição de pária sanitário do mundo. Não por acaso viralizou o vídeo de parlamentar francês que determinou bloqueio de entrada de brasileiros na França.
        Tudo faz sentido pleno: já foram levantadas no Brasil hoje cerca de 92 variantes do corona, com algumas delas híbridas, o que pode auferir um perigo biológico ainda não mensurado claramente. Tal número poderia ser bem menor se houvesse coragem das autoridades em impor medidas profiláticas.
        O vasto celeiro de variantes de coronas e de indisciplina generalizada derruba a tese de grupos de risco. Se antes eram idosos, doentes crônicos e transplantados, hoje são crianças, adolescentes e adultos mais jovens. A nação inteira está em risco, pária sanitário e biológico.
        Discordando do olavete Ernesto Araújo, outro títere do genocídio, o Brasil não deve se orgulhar de ser pária. Deveria se envergonhar, pois se transformou num ambiente biológica e sanitariamente hostil, não somente para o mundo, mas para o seu próprio povo. Uma nação em risco, e de risco.

----
Imagens: Google (montagem pela autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Surto epidêmico ou pandêmico combinado às condições de risco prévias (sociais, etárias e de saúde). 
2. Médicos Sem Fronteiras, ONG que reúne profissionais de saúde de vários países, inclusive cubanos e brasileiros.

Para saber mais
- https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52626740
- https://www.uol.com.br/vivabem/reuters/2020/12/24/outra-variante-do-coronavirus-e-encontrada-na-nigeria-diz-agencia-africana.htm
- https://www.uol.com.br/vivabem/reuters/2020/12/25/nova-variante-do-coronavirus-na-africa-do-sul-preocupacoes-fazem-sentido.htm
- https://coronavirus.msf.org.br/nossa-atuacao-africa/ (sem data, bom considerar)
- http://www.sindescsaude.com.br/brasil-e-o-pior-pais-do-mundo-na-conducao-da-pandemia-aponta-estudo/
- https://www.youtube.com/watch?v=A7MrrwdGVPc (live com Miguel Nicolelis)

        

Análise: Ser índio é viver de luta


        Há décadas atrás, foi instituído o Dia do Índio, para a data de 19 de abril. Logo após o esquecido Dia do Livro, em referência ao célebre escritor Monteiro Lobato, que nascera no dia 18, quatro dias antes do Dia do (controverso) Descobrimento do Brasil. 
        Uma mostra do quão pródigo é o Brasil em instituir dias comemorativos. Mas, dissertemos sobre aqueles que já estavam nessas plagas outrora muito luxuriantes quando a turminha de Cabral aportou com suas caravelas.
        Muitos de nós, na fase escolar do que se fala hoje como Ensino Fundamental, vivemos atividades relativas ao Dia do Índio, como o colega de cabelo escuro e liso fantasiado de índio e outro recitando uma redação, poesia, citação de romance indigenista ou outro algo do tipo, expressando aquele tom de comemoração, para que dias depois tudo caísse no esquecimento acrítico.
        Me lembro disso como se fosse há poucos anos. Minha passagem escolar foi assim. Formava-se uma plateia de alunos, professores atrás, enquanto que tal cena acima ocorria num palco improvisado. Me lembro do "índio" escolhido a dedo pela professora e eu ter escrito um pequeno texto pra colega de voz maviosa recitar.
        Nas aulas de História do Brasil, aprendíamos que a maioria dos índios fugiu à tentativa dos nobres colonos e bandeirantes em escravizá-los, e foi rotulada no velho preconceito de indolência, revivida pelo (mestiço de índio) Mourão em 2019, na sua limitada intelectualidade milica.
        Assim aprendemos e assim temos vivido, acriticamente alheios à realidade vivida pelos indígenas desde a vinda daquela turminha que viria colonizar o futuro país. Na escola nunca soubemos dos reais dados demográficos, que chegaram a se reduzir a quase 1/10 da população original estimada entre 2 e 3 milhões.
        Só após a redemocratização pós-ditadura, que foi realmente gradual, que soubemos melhor disso, somado ao lançamento, em 2012, de Comissão da Verdade Indígena, paralela à oficial, que revelaria o tamanho da crueldade militar, que ceifou nos anos de chumbo em torno de 8000 vidas por razões do regime e de mercado.
        É então que o brasileiro urbano se deu conta do desafio de ser e viver a vida indígena. Se antes dos brancos eram guerras intertribais eventuais, de 1500 ao presente eles conheceriam inimigos novos, mais armados, brutais e destrutivos. Colonos, missões religiosas, latifundiários e seus jagunços, grileiros, madeireiros e garimpeiros, armados de bíblia, pólvora e bala.
        A luta continua. E agora está bem árdua. Mas, me alegra ver a crescente consciência e visibilidade dos povos indígenas, dada a importância do significado atual de luta. Sabem que a mídia os vê mais para sua autopromoção e exploração mercadológica, e não despertar consciência coletiva.
        19 de abril como dia comemorativo é apenas teoria. Se o for, é com vermelho e preto, as cores da luta, pintados nos rostos e nos corpos, lanças, arcos e flechas em punho e o grito de guerra de homens e mulheres em defesa de sua terra, suas culturas e seu sagrado, na guerra pela resistência indígena mais autêntica.
        Saweee!
 

domingo, 18 de abril de 2021

Análise: o "novo" Brasil embrutecido 


        "Mulher que se dê o respeito não se deixa ser estuprada", ou "foi estuprada porque quis". "Foi morto porque provocou com certeza". "O que você fez pra seu marido te bater? Ele não iria bater à toa". "Chega de mimimi, vão ficar chorando até quando?". E outras, muitas outras pérolas.
        Notícias ainda mais frequentes do que antes da violência por motivo torpe - ou sem motivação conhecida - que recheiam os sanguinários jornais policialescos em plena hora de almoço, capazes de embrulhar o estômago.
        Uma incrível banalização da morte, da vida, do silêncio dos bons sentimentos e do escancaro do pior da essência humana. Hoje, no lugar do sorriso fácil, faceiro ou debochado, está a gárgula carranca, olhar vidrado pelo ódio.
        Pessoas que, na conquista de seu diploma, se acreditam merecer um prestígio a ser negado aos menos instruídos. Injúrias de classe social, racial, de gênero/ sexualidade e de crença vindos de quem chegou "lá em cima", em franca manifestação de ódio. Por quê? Política tem a ver com isso ou não?

>Breve compilado histórico sobre nosso constructo socioeducativo

        Como se sabe, o Brasil foi colonizados pelos portugueses, que após fracasso com os índios foram à África pegar levas e mais levas de africanos e sobre eles impuseram o mais longo e vergonhoso sistema escravista das Américas.
        Em todo o tempo de Brasil colônia, surgem as primeiras elites, através da espoliação de recursos naturais (que incluem minerais) preciosos e do trabalho escravo. Por espoliação aí se entende também roubar ou enganar outrem para ter grana para obter títulos de nobreza.
        Elite e escravismo se harmonizaram, quase simbióticas. A elite se apropriou do maior número de escravos, e muitos se enriqueciam ainda mais como tráfico. A elite também já se beneficiava com as isenções da Coroa e, depois, do Império e da República.
        Em 1888, no crescente clima de republicanismo, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea. Sumiu o escravo legal, mas permaneceram, até hoje, reflexos do sistema que governa as relações de trabalho, como os assédios dos patrões e chefes sobre os empregados, agravando-se com cor de pele e gênero.
        A sociedade mudou, com mais acesso à escola do que naqueles tempos brumosos. As tecnologias também ajudam. Mas a elite de hoje nem tanto: é principalmente na nata do serviço público que são identificadas irregularidades e corrupções, e a sua impunidade. É mais fácil punir os da base social.
        A historicidade e a impunidade dessa disparidade consolidaram a cultura de privilégios, pela qual se inventam mecanismos a reverberar negativamente sobre os populares (dois pesos, duas medidas). Essa cultura se tornou um defeito cultural, fortemente alimentado por governos autoritários.
        A cultura de privilégios tem encontrado um terreno fértil na consolidação da disparidade de dois pesos, duas medidas: a condução econômica do país. Ministros liberais e neoliberais têm reiterado a austeridade e a contenção cujo sofrimento imposto sempre recaiu sobre as classes populares.
        E quando o governo é autoritário e economicamente liberal (ou neo), entram dois alimentadores para o clímax desse defeito: instituições religiosas e politização dos valores e costumes, que se unem para legitimar a repressão violenta sobre os populares. Receita do fundamentalismo bolsonarista.

>Escolarização x educação

        Quando ocorre uma propaganda de governo ou há notícia estatística transmitida pela imprensa, ouvimos que o Brasil está ficando "mais educado porque a média de tempo de estudo aumentou". Sim, desde que Bolsonaro entrou não vemos mais notícias sobre esse assunto, mas a mídia tem dito isso.
        Não é bem um erro, nem culpa da mídia. Tradicionalmente, Educação significa o serviço essencial de oferecer meios de alfabetização e instrução ao povo. Nossa legislação considera crime de abandono intelectual a recusa dos pais e matricular os filhos na escola, não importa o motivo. 
        Na verdade, o certo é a escolarização, por sua vez assimilada no senso comum e nas entidades burocráticas como nível de instrução. Da creche à universidade, escolarização é elemento da educação, indicando esta ter abrangência muito maior - desde o início ao fim da vida das pessoas.
        A Educação tem três etapas cruciais, harmônicas e complementares. A primeira é familiar, na qual aprendemos os nossos valores éticos e morais; a segunda é escolarização, que complementa com a instrução; e a última social, abarcando esferas sociais, afetivas e profissionais diversas.  
        Tendo a base moral familiar, complementada com regras de vida em sociedade, a fase social molda os indivíduos em alguns costumes e mede a civilidade, para o bem ou o mal. Daí se depreende como se saem tantas distorções ou inversões de valores, como vemos nas relações sociais, por exemplo.
        Elementos de civilidade foram distorcidos pela legitimação da violência e da estupidez. Gentileza colaborativa e solícita; tolerância à diversidade étnica, sexual, política e religiosa; e criminalização dos delitos sexuais pelo povo hoje estão distorcidos. 
        Má vontade com o outro, ódio à diversidade e punição às vítimas violadas estão muito em voga, não importando a escolaridade do autor, derrubando em definitivo a tese da pobreza fator de violência. Ela aumenta o risco, mas a causa é o afago aos interesses dos abastados em desprezo às necessidades dos populares e mais pobres.
        Doutores com diplomas que idolatram um disseminador do ódio e da morte, enquanto muitos sem diploma lutam para manter em atitudes o seu resquício de cidadania. E cidadania é o que mais vem se perdendo com o crescente cenário de ode ao ódio.
        Há revanche político, pois essa distorção toda foi amplamente alimentada pelo bolsonarismo que hoje ocupa o poder máximo, e se estende às pautas econômicas de Paulo Guedes, com consequências negativas sobre as camadas mais pobres, que se veem duramente reprimidas se protestarem.
        Como se vê, foi sobre os valores da educação social que o bolsonarismo focou para alimentar as distorções e inversões acima. O bolsonarismo foi com tudo nesse sentido, mas também foi alimentado.

>Reflexões finais

        A violência nas nossas relações sociais não é novidade. Sua historicidade é fruto da construção megaestrutural elitista e predatória na espoliação de camadas subordinadas. Todavia, havia regramento, mesmo delicado, de harmonia social, para um mínimo gentil, solidário, solícito, respeitoso.
        A comoção com a morte violenta do pequeno Henry é tão tocante quanto a banalização de mais de 372 mil vítimas (oficiais) da sindemia de C19. Efeito do modelo dois pesos, duas medidas. Ou será que é tão pouca empatia para muita gente? Vale refletir mais um pouco sobre.
        Sem dúvida alguma que o analfabetismo escolar e funcional é ruim. Mas, pior é o sociocultural, seguido agora da degeneração do vestígio de visão racional dos fatos pelo bolsonarismo. Conversas mais elevadas foram substituídas por visão de sangue na TV em horários antes destinados à infância.
        Se tornou um iletrado social, incapaz de perceber as entrelinhas de um tema para discuti-lo. Nas entrelinhas está o segredo de uma leitura aprofundada da realidade da atuação do mega sistema sobre nós, como nos moldamos pelo meio social e como podemos transformar isso.
        A menção ao bolsonarismo foi inevitável, pois ele aparece como exemplo notável de politização dos nossos defeitos culturais, morais e éticos. Ele é o reflexo do pior que temos humanamente. O que não livra da culpa pelo rumo negativo de seus atos, na forma de anomia social e tragédia genocida.
         Desregramento da harmonia social, a anomia é o que se estampa na catarse violenta consequente às distorções e inversões de valores de convivência/ conduta. A democratização dos costumes nas eras anteriores (FHC e Petismo) não se mostrou um monstro a eliminar os defeitos culturais. Uma pena.
        Como nação e diplomacia, estamos num barco à deriva. Mas, ainda é possível nos salvar. O que se deve fazer é um desafio poderoso, pois implica revolver sentimentos tão brutalizados e custa tempo. É bem aí, porém, a necessária solução para salvarmos o Brasil antes que desapareça como nação. 

----
Imagem: Google cartuns

Notas da autoria
1. Código Penal Brasileiro, de 1940, teve progressivas alterações e leis complementares mais avançadas.

Para saber mais
- https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/muralinternacional/article/view/48071 (acadêmico, 2020)
- https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/muralinternacional/article/view/48071 (bolsonarismo)
- https://jus.com.br/artigos/81394/bolsonarismo-e-sua-introspeccao-cultual (bolsonarismo, 2020)
- https://apublica.org/2019/07/o-bolsonarismo-e-o-neofacismo-adaptado-ao-brasil-do-seculo-21/
- https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/download/52477/751375149586/ (acadêmico, 2020)



CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...