quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Protesto de Bolsonaro: há possibilidade de golpe?

     Nessa semana, o presidente Jair Bolsonaro enviou, pelo WhatsApp, um vídeo convocando a amigos e grupos de simpatizantes para um protesto "em sua defesa".
     Com uma mensagem de apelo bem feita e bem editado, o vídeo foi repassado no WhatsApp, e depois foi parar n Facebook e Twitter em grupos de apoio, para angariar mais público e apoio ao protesto marcado para 15 de março.
     O motivo da coisa é a dificuldade de diálogo entre o presidente e o Congresso. O general Heleno, mandante do Gabinete de Segurança Institucional, chamou os congressistas de "chantagistas".
     Mas de imediato veio a reação contrária, com respostas prontas e com base legal fundamentada, da maior parte do Congresso, do Judiciário e da sociedade. E houve coro de agremiações de esquerda para engrossar o caldo.
     A base legal está no Art. 85º da Constituição, pelo qual Bolsonaro fez ato que figura crime passível de impeachment. Bem, este não é o primeiro desses crimes. Indecoros ofensivos sucessivos também são passíveis, e não houve manifesto importante pelo Congresso.
     Até entre muitos eleitores de Bolsonaro há negação ao protesto, por motivações diversas. Alguns acham desnecessário o embate com um Congresso com maioria de direita. Outros recusam nova ditadura. Explicações lúcidas, enfim.
     O ex-chefe da Casa Civil, general Santos Cruz, também discorda do fato e critica o governo de usar a imagem das Forças Armadas como instrumento para tanto.
     Percebe-se que o volume de discordâncias de várias intensidades ao protesto é maior do que o de apoio.
     Em paralelo, olhares analíticos diversos apontam a tendência para instabilidades políticas sérias e risco consequente à democracia. Para grupos de esquerda radical, a visão é a de um protesto "pró-golpe".
     A crítica dos ex-presidentes Lula e FHC se centra em possível "crise constitucional" a incidir sobre a democracia devido às várias alterações no texto da CF (as PECs) e o embate com os outros poderes.
     Especialistas e centram principalmente no número de militares na equipe de governo, maior do que a de Nicolás Maduro, na Venezuela, o que pode ser, de fato, um risco à democracia. Para o cientista político Rafael Cortez, 
     
"As evidências históricas nos mostram que há maior sobrevida da democracia quando há um controle sobre as Forças Armadas [...]. Trata-se de uma correlação de forças que gera preocupação e, se não houver esse controle, certamente representa uma das fontes de risco para a democracia [...]. Os regimes políticos são mais instáveis quando não há esse controle. Gerir o monopólio da força não é trivial e [...] boa parte dos regimes autoritários do mundo ou regimes com forte instabilidade têm um papel político dos militares bastante efetivo".

     Para Christoph Harig, da Universidade de Hamburgo (Alemanha), tantos militares no governo podem "enfraquecer o papel institucional das próprias Forças Armadas e quebra a suposta neutralidade político-partidária".
     Paulo Ghiraldelli já não crê em golpe: para ele, a elite econômica bolsonarista, as grandes igrejas evangélicas e as milícias (com ou sem a PM oficial) já controlam a vida social. Daí considerar esdrúxulo o protesto pró-Bolsonaro.
     Ou seja, tais forças já realizam seus "papéis de Estado" no meio social tornando inútil a ação das FFAA já sem clima para um possível golpe. Bolsonaro tem alguma popularidade e seu programa encaminha no próprio Congresso e no judiciário.
     Enfim, com tanta avaliação, a impressão que fica é a de que pode ocorrer algo mais inusitado, atípico: o golpe se ocorrer é o da ruptura do republicanismo, marcado pelo colapso institucional pelo que a nação, enquanto sociedade, ficará totalmente entregue totalmente à própria sorte.
     Como diz o grande Bemvindo Sequeira, nessa altura "quem viver, verá, e ninguém solta a mão de ninguém". 
     


     
     
     

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

O bolsonarismo pós-Bolsonaro

     Enquanto o governo Bolsonaro avança em algumas políticas de desmonte do Estado visando aumentar privilégios centrais, as esquerdas vão se movimentando nesse ano de eleições nos municípios.
     Sem sombra de dúvidas, os anos eleitorais sempre geram novas possibilidades, com motivos que podem soar favoráveis, como o clamor popular por nomes novos capazes de buscar soluções práticas para os problemas sociais mais urgentes.
     Disso se aproveitou a direita, que em duas frentes conseguiu eleger nomes novos como os populistas bravateiros Bolsonaro e Witzel, e os de movimentos financiados por bilionários, como o MBL de Katiguiri e o Renova de Tábata Amaral e Felipe Rigoni.
     Que decepcionaram, na Câmara, ao votarem SIM à reforma da previdência, que praticamente impossibilita a aposentadoria da massa trabalhadora.
     Dividida em grupos que se discordam em detalhes mínimos ao invés de se unir em prol de políticas em comum, a esquerda parece se esquecer de se aproximar de quem a originou: a base popular, que clama por nomes que invistam no social.
     E pensar que, ironicamente, Lula foi eleito duas vezes usando as estratégias da direita. PT e a esquerda parecem ter se esquecido disso.
     A necropolítica de Bolsonaro, Witzel e Doria decepconou, mas não abalou o forte sentimento bolsonarista sustentado pelo fã-clube.
     Vinda de Bolsonaro, o bolsonarismo designa ideologia mista de extrema-direita, ultraneoliberalismo, moralismo de costumes, heteronormatividade, cristofascismo, anticiência e aversão a pobres, à mulher e às diversidades.
     Apesar de ministros bolsonaristas como Ernesto Araújo e Abraham Weintraub serem discípulos de Olavo de Carvalho, o olavismo será tratado em artigo posterior como tema.
     O bolsonarismo pode ser explicado, de um lado, na decepção com o fisiologismo político sustentado pelo tucano-petismo; por outro, pela construção histórico-cultural do povo brasileiro, com a dominação dos colonizadores.
     Nesse sentido, a decepção com o fisiologismo no petismo pode ter gerado a decisão pelo voto de protesto que elegeu Bolsonaro, que se rotulava de antipolítico, como explica o professor Nildo Ouriques, da UFSC.
     A primazia da fé cristã sobre as crenças tribais nativas e africanas, visão familiar patrilinear incluindo a provisão moral pelo homem, a intolerância à diversidade são bases históricas a servir de sustentáculo ao bolsonarismo.
     Dois ingredientes poderosos a impulsionar o bolsonarismo, que virou um modelo de comportamento marcado pela formação de grupos de supremacia cristã branca burguesa e aumento da intolerância contra minorias, pobres e mulheres.
     Ou seja, a caixa de Pandora protofascista do bolsonarismo está aberta, plena, o povo seguidor com liberdade maior para mostrar "quem manda no pedaço".
     É bom que as esquerdas considerem que, mesmo que o bolsonarismo recue nos municípios via voto, a caixa de Pandora não fechará tão cedo. Bolsonaro um dia se vai, mas o bolsonarismo ainda pode permanecer nas pessoas por muito tempo.
     E essa permanência pode ser outro grande, se não o mais penoso desafio a ser enfrentado pelos eleitores e eleitos de esquerda.
     
     
     
     
      
     

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Administrativos: ideias negativas, serviços positivos

     Em artigo já publicado neste blog foi mencionado que nos serviços públicos convivem as mais diversas carreiras profissionais, de nível superior ao ensino fundamental.
     Assim como em outras esferas no estamento social, naturaliza-se no serviço público que algumas categorias profissionais tenham maior prestígio socioeconômico, e outras não.
     E, num país onde vale na cultura a visão de dois pesos e duas medidas, essa diferença pode ser insólita e discrepante. Que diga o Brasil, onde um servidor de nível intermediário na área Judiciária esteja bem acima de um professor de carreira na Educação básica.
     Nos serviços públicos essenciais, em particular na saúde, a desigualdade pode ser gritante. Normalmente um paciente agradece ao seu médico pela recuperação de sua saúde, sem saber que o primeiro passo decisivo não iniciou com ele.
     Calma, nada contra o médico: sem ele não há tratamento, melhora, controle ou cura. Mérito dele aí! Mas vivemos num país de forte tradição burocrática, sem a qual o médico não opera seus procedimentos.
     Por trás desse profissional tão conceituado está outro, de nível hierárquico inferior, mas tão importante quanto seu chefe: o agente administrativo - ou secretário.
     Agente administrativo é o cargo de nível médio criado pela Administração Pública para executar basicamente tarefas burocráticas. Ele está em todas as esferas (município, estado e união) e nos três poderes (executivo, legislativo e judiciário).
     É o popular "servidor que vive só de carimbar e prosar". Bem, de fato há órgãos ou locais onde o trabalho pode ser pouco, mas é, na real, um privilégio de muito poucos. O desprezo é inversamente proporcional ao seu real valor para a vida da população.
     Eles movimentam toda a parada que gera, todo mês, proventos e benefícios a todos; tiram numerosas dúvidas de colegas e garantem os atendimentos ao público em geral em todos os procedimentos em todas as abrangências dos serviços públicos.
     Também avisam sobre alguma eventual novidade ou mudança advinda do órgão central pagador de qualquer esfera e poder. Nos setores de assistência em saúde, eles cooperam com os profissionais de saúde garantindo os procedimentos. 
     Seus proventos são tão diversos quanto as esferas e poderes a que esses servidores servem. Em geral são os menos prestigiados nesse quesito. Até os capinhas do STF, que só vestem as togas dos ministros, podem ganhar mais (1 capinha por ministro).
     Talvez por conta disso seu relativo desprestígio esteja além do pejorativo popular, sendo inversamente proporcional ao seu valor de trabalho.
     E como se não bastasse, o cargo de servidor administrativo foi extinto em quase todo o Executivo, sendo substituído na medida em que os servidores se afastam visando melhores oportunidades, aposentadoria ou doença incapacitante oficialmente reconhecida.
     Com a extinção de cargos públicos no Executivo em 2018 e a reforma administrativa de Guedes a votar, foram destruídas as chances de novos servidores administrativos, fortalecendo em cheio a terceirização, regulamentada por lei criada pelo ex-deputado Eduardo Cunha em 2016.
     Serviços públicos essenciais como educação, saúde e outros já contam com profissionais terceirizados, cujo vínculo empregatício é ainda mais fraco do que o já inseguro vínculo dos empregados da empresa contratante. 
     Em algumas instituições eles são mais numerosos do que servidores administrativos.
     A terceirização ocorre quando uma empresa é remunerada por cada empregado distribuído nos setores do Poder Público contratante. Cada empregado vale à empresa até 4 vezes o seu salário, dinheiro esse que ninguém vê.
     Um gasto muito maior do que com os servidores públicos, que não requerem gastos extras e ainda têm descontos mensais em seu salário com IR, previdência (incluindo a complementar a partir de 2013), etc.
     Uma polêmica forte é que essa lucratividade não significa uma recompensa qualitativa aos serviços públicos: em geral os terceirizados não são obrigatoriamente qualificados, o que os difere dos servidores, que precisam ter qualificação correspondente ao cargo ocupado.
     O que pode ser um problema: em muitos órgãos ou setores destes, os terceirizados podem ser impedidos de dar recibo a importantes documentos públicos, acessíveis aos servidores administrativos ora ausentes.
     Dessa forma, a terceirização se torna a primeira via de precarização do trabalho, e não é culpa dos empregados, que sabem de sua condição de moeda de troca subvalorizada e daí ficam desmotivados, podendo refletir na qualidade da prestação dos serviços.
     Afinal, diante da complexidade funcional por trás do cargo de servidor administrativo, há de se refletir com calma e profundidade se esses servidores, alijados até por colegas de outras profissões, estejam por trás da melhor qualidade da prestação dos serviços públicos.
     

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Nadalin: o olavista e o livro didático

     Desde o início, o governo Bolsonaro vem prometendo revolucionar a educação brasileira, a qual, acredita que esteja "corrompida pela doutrinação marxista" que teria sido "imposta pelo PT".
     Depois de episódios como balbúrdia e maconha nas universidades, o governo anuncia pra geral a nomeação de Carlos Nadalin, para revisão de livros didáticos destinados a crianças de 6 e 7 anos.
     A grande mídia apresentou Nadalin como um educador especializado em alfabetização na pré-escola e nos primeiros anos do ensino fundamental. Mas, uma mídia em especial foi mais fundo na história: o The Intercept.
     Sim, a mesma mídia da qual o premiado Glenn Greenwald é um dos fundadores e eleito o inimigo público número um do governo Bolsonaro. 
     Nadalin entrou por indicação inicial do ministro Weintraub. O motivo apresentado à mídia é a formação em Pedagogia com especialização em Alfabetização, com experiência na área numa escola particular, da própria mãe.
     Um quesito bom para os atributos do cargo em que foi nomeado. Mas, também é discípulo fiel de Olavo de Carvalho, tal como vários ministros do governo Bolsonaro, inclusive aqui o Weintraub.
     Se isso é o que a geral sabe, pois as mídias assim disseminaram, o The Intercept viu mais: o homem quer que os novos livros sejam adaptados ao cunho olavista.
     Isso seria uma cortina de fumaça se não fosse a citada mídia a descobrir que o dito nomeado está envolvido numa transação obscura na qual o MEC comprou 40 títulos de livros didáticos de uma editora espanhola.
     Detalhe macabro: os livros teriam adaptações de cunho olavista ou pelo menos não negam as afirmações do youtuber blobfish de Virginia que vive de uma bolsa-família doada pelo governo Bolsonaro.
     E, diante da estonteante passividade da grande maioria do povo , que agora parece tomar Rivotril na água junto com esgoto, geosmina e detergente, vamos assistindo à destruição, em doses alopáticas de forte efeito, da destruição básica brasileira.
     

     
     

sábado, 15 de fevereiro de 2020

ANÁLISE: a esquerda realmente morreu?

A esquerda realmente morreu?

         Recentemente, em 2/02/2020 o renomado filósofo e influencer Vladimir Safatle fez uma afirmação em tom bem categórico: "a esquerda morreu", explicando em sua visão como isso ocorreu.
         A afirmação é compreensível, haja visto a passividade, pelo menos aparente, dos grupos de esquerda face à dominância do bolsonarismo, que conta ainda com amplo apoio no Congresso e ainda entre a sua cota de populares fanáticos.
         A oposição tem no PT, PCdoB e PSol os principais representantes no Legislativo. Soma-se a estes gatos pingados da Rede e, de certa forma, PDT. Porém, há ampla desvantagem numérica em relação à maioria liberal e pró-governo.
         Todavia, alguns oposicionistas têm apresentado forte presença ativa em tribuna. Destacam-se Glauber Braga, Marcelo Freixo, Sâmia Bonfim e Davi Miranda (PSol), Jandira Feghali (PCdoB), Fabiano Cantarato e o senador Randolfe Rodrigues (Rede).
         Vale lembrar dos psolistas veteranos, o senador Chico Alencar e o deputado Ivan Valente. No PT se insurgem os deputados Arthur Lira, Paulo Pimenta e Zeca Dirceu, e o bom senador Paulo Paim. Sob o manto de Lula, que arrasta multidões por onde vai.
         De fato, a presença de espírito desses nomes parece fazer diferença, pois incomoda bastante o governo com seus discursos e acareações perturbadoras nas convocações para explicar as propostas e em CPIs.
         Os parlamentares estendem a sua presença em postagens nas redes sociais e em eventos públicos de esquerda ou culturais, e palestras, sempre quando disponíveis. Às vezes, com a presença de Lula, claro.
         Por fora, vale lembrar de outro nome, Guilherme Boulos, líder do MTST e ex-candidato do PSol à presidência, bem acompanhado da poderosa líder indígena Sonia Guajajara. Suas falas sensatas têm incomodado fortemente os pró-Bolsonaro. 
         Todavia, tudo parece inócuo, pois a direita bolsonarista massacrou em alguns estados nos votos em 2018. Desde então o regime necropolítico avança e, ao contrário dos chilenos, os brasileiros parecem ter ter se desanimado de protestar.
         Mas a esquerda não morreu. Ela é mosaicada em muitos grupos, radicais ou não, que vivem a se discordar entre si e quase todos longe da base popular que originou a própria esquerda. A elite desta, por exemplo, se foca muito nas eleições.
         O foco no voto é compreensível, afinal estamos em ano de eleição, por conta do forte lobby bolsonarista usado como marketing eleitoreiro pela maioria dos políticos de direita. Um desafio e tanto para a esquerda desunida.
         O desafio é a soma de polarização intensa, fervor popular bolsonarista e a desconfiança de  muitos simpáticos à esquerda com a possibilidade de atender aos temas mais sensíveis, como saúde, educação e cultura, infraestrutura, etc.
         Mas é preciso enfrentar os reveses. É a oportunidade da esquerda que, mesmo tão dividida, mostrar sua política em comum e, com a cara e a coragem de mostrar, a cada voto, que está mais viva do que nunca.
         Afinal, a esquerda tem um triunfo nas mãos e não sabe: ela existe, se alimenta por culpa da própria direita, dada a natural existência das divergências que fortalecem a democracia.
         Boa sorte nessa empreitada!
         Hasta la vista!
     
     
    
     

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Índios e a luta contra as igrejas

     Os índios têm ganhado recente visibilidade pela mídia, a partir das de vertente à esquerda. Não tanto por suas crenças estreitamente amarradas ao meio natural, mas por seu ativismo em defesa da conservação de sua identidade ancestral e do meio ambiente.
     Mas o ativismo indígena não é tão recente assim. Durante o brutal Estado Novo (1937-45), as invasões nas matas habitadas revoltaram os nativos: alguns foram mortos.
     Houve revolta contra o desmate de grande área para a construção de Brasília. Nunca foi mencionado pelas mídias na época, mas é óbvio que muitos nativos locais foram mortos.
     Na ditadura militar já havia matança por grupos como os de hoje (madeireiros, grileiros de terras, garimpos, etc.). Uma Comissão Indígena da Verdade levantou mais de 8000 mortos e desaparecidos. Um número tão grande quanto invisível pela grande mídia.
     Um famoso testemunhou quase tudo isso: o cacique caiapó Raoni Metikture, de 90 anos e há mais de 60 na luta pelo meio ambiente e povos originários e tradicionais. Por pouco não foi laureado com o Nobel da Paz 2019.
     Agora surge outro inimigo para Raoni: o avanço das missões evangélicas neopentecostais, com aval de Bolsonaro e do atual diretor da Funai, visando converter tribos isoladas. Ou seja, nem com a própria Funai eles podem contar mais.
     Detalhe macabro: o citado diretor já atuou como pastor.
     Outro detalhe: é um processo histórico . O primeiro marco colonizatório foi a primeira missa, no Monte Santo, Bahia. Desde então, missões católicas e evanjas têm atuado, a maioria com sucesso conversor, até hoje.
     Todavia, desde a primeira Constituição republicana (1891), as missões não foram mais oficialmente incentivadas pelos governos laicos. Já Bolsonaro as incentiva sem pudor, mas sempre oficiosamente.
     Não obstante, é possível distinguir o contexto atual dos anteriores: além do maior lobby às igrejas evangélicas, a ambição por trás da conversão de tomada facilitada das reservas para a plena exploração dos recursos por empresas estadunidenses.
     Raoni, seus seguidores e simpatizantes do mundo todo sabem muito bem disso tudo. E por isso sabem que, pelo poder econômico (e bélico) dos grupos evanjas, a batalha terá tudo para ser muito árdua. Com potencial de muito suor, sangue e lágrimas.
    

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Servidor público, inimigo imaginário

     O ministro da economia Paulo Guedes agora se preocupa com a votação da reforma administrativa, que altera drasticamente a estrutura do serviço público, como em número de carreiras, estabilidade, progressão automática, etc.
     Segundo Guedes, a reforma quando vigorar trará significativa economia aos cofres públicos.
     Essa semana, novamente focando nessa proposta, ele declarou: "o servidor público é um parasita", alegando que "o hospedeiro (ente público) está morrendo". Publicadas por diversas mídias, a declaração parou nas redes sociais.
     Os servidores públicos de todos os poderes e esferas reagiram, através das suas entidades representativas como federações, associações, centrais sindicais e sindicatos.
     Ironicamente, muitos servidores votaram em Bolsonaro, inebriados por desejo de mudança, populismo barato e alguns por engodo religioso. Só que o capitão sempre odiou servidores e nomeou Guedes. Para isso.
     Servidores do baixo escalão do Executivo ainda enfrentam a indiferença dos colegas do Legislativo, Judiciário e de escalões mais altos do Executivo.
     A patuleia concordante com Guedes acredita que este "só revelou quem são" os servidores públicos, sem se preocupar com o tom "genérico" da declaração. Ignorância.
     O grupo dos servidores públicos é muito heterogêneo, dividido em numerosos subgrupos por poder, categoria profissional, média de renda, ente pagador, forma de ingresso, etc.
     Se divide também entre aqueles de atendimento direto à patuleia, indireto (virtual) e os de atribuições exclusivamente internas; de altos, médios e baixo escalões de renda; nos 3 poderes da União e esferas federativas. Em todos há muito trabalho, de fluxo articulado.
     Claro que, quanto mais alto é o escalão e a atribuição, maior é a garantia de benefícios, isenções e mordomias, como o que se reporta ocasionalmente sobre os do Judiciário.
     Para ocupar cargo qualificado requisita-se comprovação mediante diploma e afiliação em conselho profissional respectivo, revelando rigidez institucional e a qualidade dos servidores.
     Segundo o Atlas Ipea 2019, em mais de 30 anos (1986-2017) o número de servidores públicos cresceu 123%, em especial nos município; 10% do total são federais. A qualificação seguiu o aumento, mais na União, aumentando a qualidade dos serviços prestados.
     Com a repercussão da reação dos servidores, Guedes acusou a mídia de "fuga de contexto" alegando que se referira aos servidores do Judiciário. 
     Apesar de indigesta devido à historicidade do descaso dos governos a servidores de serviços essenciais, a alegação faz sentido: segundo o Valor Econômico de 8/2, Judiciário, Legislativo e MP, nessa ordem, consomem 84% da folha salarial geral.
     Mas, os postos mais altos das Forças Armadas também respondem por parcela importante dos gastos, graças às vantagens extras e às criticadas pensões repassadas às filhas solteiras. Ponto em que Guedes não tocou em respeito ao presidente.
     Assim, de qualquer forma, apesar da alegação, a declaração de Guedes contra os servidores públicos permanece simplista e daí, genérica. Daí os servidores continuarem firmes na reação e quererem processá-lo por assédio institucional.
     Faz sentido também: Guedes nunca escondeu o desejo de sublimar o Estado sob mando do mercado, na ideia de que este deve determinar os caminhos do desenvolvimento. Mas surge a pergunta: é possível um país sem Estado?
     A resposta é Não. O mercado não daria conta de substituir o Estado nas funções precípuas deste, ligadas à vida institucional e dos cidadãos. Estes, por sua vez, não vivem somente de grana no bolso, precisam da assistência necessária às suas vidas.
     Um rentista trilhardário não daria conta de zelar pelos cidadãos, pois teria que deixar de lado sua tarefa que é captação de dinheiro especulado. O megaempresário também não daria conta de gestar pela coletividade e o conjunto de suas empresas ao mesmo tempo.
     E, sem Estado, NÃO haveria como o mercado sobrevivesse. Ele necessitaria de um ente de natureza pública para regular e gerar mecanismos que viabilizem investimento econômico. Ou seja, no capitalismo ambos se interdependem.
     Em consequência, um Estado não funciona sem ter profissionais próprios: os servidores, escalados para atender direta ou indiretamente à coletividade, e fazem leis, entre estas as que regulam o investimento e o mercado. 
     Não por acaso que os servidores públicos existem desde os primórdios civilizatórios, e sempre existirão. Então, um recado ao Guedes: por favor, repense seu conceito de parasitismo e, principalmente, a sua condição enquanto agente público que recebe polpudos salários e mais penduricalhos do governo.
     
     
     
     
     
     

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Coronavírus: do pânico ao preconceito


     Desde os anos 1980, quando o HIV despontou como um vírus de uma doença fatal e pouco conhecida, a hoje conhecida Aids, diferentes eventos viróticos com muitas vítimas fatais viram manchetes no mundo.
     E a cada divulgação pelas mídias se seguem sentimentos de pânico e insegurança. Agora se tem informe do brasileiro Arenavírus e, principalmente, do asiático Coronavírus, tema deste texto.
     Causador de grave infecção respiratória, o Coronavírus parece ter infectado o primeiro humano por contato com uma cobra num mercado em Wuhan, China. Suspeita-se que roedores e morcegos também o transmitam.
     O Coronavírus também se transmite pelo ar. O que responde, somado às muitas viagens internacionais, pela enorme facilidade de propagação do patógeno, que atinge países próximos, alguns da Europa e nas Américas.
     Foco de origem, a China tem mais de 800 mortos e 13 mil infectados. Números bem menos vistosos estão em outros países. O Brasil tem 19 confirmações até o momento.
     Antes dos números atuais, a ONU acendeu o alerta vermelho de risco global.
     Já surgem estratégicas de contenção. Com 800 mortos e 12 mil infectados no momento, a China corre contra o relógio, com o surgimento relâmpago de hospitais visando o tratamento e pesquisas de combate.
     Em outros países asiáticos com casos, cidadãos foram proibidos de consumir os apreciados roedores, cobras e morcegos e, como os chineses, passaram a usar máscaras.
     Com exceção dos repatriados, que farão quarentena, aeroportos de vários países estão proibidos de receber novos voos da China. Todas as confirmações anteriores foram de pessoas que voltaram de Wuhan já infectadas.
     Enquanto outras nações já repatriavam seus cidadãos, aqui Bolsonaro relutou inicialmente, mas liberou um avião para repatriar os brasileiros que vivem em Wuhan e adjacências.
     O governo acreditara antes que não entrariam infectados, mas estes já haviam entrado antes das primeiras notícias apavorantes.
     Além da saúde, se estimam outros impactos. Enquanto o mercado prevê queda econômica global significativa, autoridades da saúde temem o risco de concretizar uma pandemia por conta de mau investimento na saúde pública nas nações em desenvolvimento.
     Mas um impacto ainda maior, ainda que oculto, pode agudizar as estimativas citadas. É o social, pelo risco de agudizar a xenofobia, em especial a sinofobia, aversão aos chineses. E é bom ressaltar: o primeiro é antigo e ainda forte no Ocidente, por ligação com o racismo.
     A sinofobia irá mais fundo em um aspecto específico: um racismo basicamente estrutural, contra os aspectos culturais dos chineses, cujo gosto alimentar por animais silvestres se revela aos sinófobos como execrável exotismo.
     A xenofobia estrutural já mostra suas caras no Brasil, com direito a denúncias, uma delas já publicada pela Revista Forum de 1/2/2020: a jovem cujo nome revela ascendência japonesa foi chamada de "chinesa porca" por uma senhora em metrô do Rio.
     O insulto da senhora que foi filmada se estendeu a outros povos orientais e até aos negros, cuja higiene seria ligada à escravidão. A matéria com o vídeo já viralizou em redes sociais.
     Nas redes sociais, ativistas ocidentais de proteção animal publicam matérias fortes com vídeos de carne de cachorro na China. Repulsivo entre nós, mas normal para eles, que fazem festivais gastronômicos com essa carne há muito tempo.
     E não é só a China que consome cães. Tailândia, Coreia do Sul, Vietnã, Canadá e Suíça são grandes consumidores dessa carne. Na África, o consumo se dá em tempos de escassez de alimentos ou em rituais religiosos.
     Mas, é bom salientar: o preconceito se revela como a primeira consequência do pânico. Um tanto de pânico, somado à ignorância e a um certo sensacionalismo midiático, gera impacto ainda macroeconômico ainda maior. 
     E se globaliza ainda mais rápido do que o próprio Coronavíris e a sentença de morte que possa carregar. O que pode ser pior.
     
     

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...