terça-feira, 31 de agosto de 2021

Análise: nossa contradita elite


        A desigualdade sempre foi tema tradado com cautela pela mídia da casa grande. Na ditadura, os detalhes eram mais acobertados e receitas culinárias, esportes e fofocas de celebridades dominavam as páginas e os telejornais, junto ao noticiário internacional sobre EUA x URSS.
        Tudo porque falar da desigualdade requeria cuidado extremo para escapar aos olhos da censura, e nisso a grande mídia foi mestre, explorando os flagelos sem afetar a real selvageria dos grupos elitistas que vivem de raspar o pouco que resta das merrecas das classes populares.
        Tamanha precaução residia em um fator: a perversa aliança entre militares, a CIA e vários segmentos da elite em nome de uma economia muito liberal com manutenção do Brasil na dependência econômica com geração de títulos públicos para o pagamento da impagável dívida externa.
        Só no pós-ditadura a desigualdade viria a ser explorada com maior amplitude, mas valendo a manutenção de todo o cuidado cosmético em relação à elite, evitando-se expor a sua parcela de responsabilidade pelas mazelas sociopolíticas e econômicas do país.
        Mesmo agora, que o Brasil alcança marca histórica de concentração econômica, com poucos tendo a renda inteira dos 100 milhões de populares, ainda há preocupação da grande mídia em tratar do tema, mesmo com riqueza de detalhes, sem ofender a elite. 

Fator histórico: breve análise

        A redemocratização deu liberdade para informações antes escondidas. Entre elas, a origem de nossa elite via compra de títulos de nobreza com recursos preciosos roubados ou extraviados, iniciada ainda na colonização. Essa construção da elite brasileira é hoje consenso entre os historiadores.
        A elite de funcionários públicos da Coroa, formados pela primeira universidade brasileira, veio depois. Filhos dos nobres descendentes dos ladrões de antes, aprimorariam os vícios éticos para obter vantagens: surgiria a hoje conhecida carteirada, hoje muito praticada por policiais, por exemplo.
        Embora haja discordância na responsabilidade da elite no exemplo da carteirada, sua prática por funcionários da Coroa já era praxe. Daí a discriminação atual contra servidores públicos, e assimilação da prática entre populares para minimizar dificuldades1 ou por sobrevivência.
        Praticada para minimizar dificuldades ou por sobrevivência, a malandragem popular talvez tenha sido comum para enfrentar os reveses do escravismo.
        Escravismo- destacou a forte divisão de classes e uma elite pedante, com reflexos no cotidiano atual, permeados nas relações de cor e classe social. Daí tantos assédios em ambientes de trabalho e crimes de ódio, impossíveis de serem combatidos.
        Em seu livro 'Escravidão', Laurentino Gomes cita a teoria de Donald Ramos de que a alforria foi instrumento irônico do sistema escravista, como uma gratidão ao liberto por "serviços prestados e pela aceitação dos valores fundamentais do mundo luso-brasileiro". Veja-se, aí, a cultura dominante.

Cultura dominante
        É sabido que no amplo contexto há o domínio de uma cultura elitista em todas as esferas sociais, infiltrado também nas comunidades populares periféricas. De educação historicamente mal investida, o Brasil é fértil para o forte elitismo, de "dois pesos, duas medidas"2. Se a elite tem vantagens à margem da lei "para todos", não surpreende os populares serem malandros. 
        São elitistas a defesa midiática da economia liberal/neoliberal infiltrada em temas sociopolíticos; a ênfase publicitária em aplicações financeiras, saúde e educação privadas, reformas impopulares e privatizações, e também a maquiagem dos grandes impactos econômicos dos privilegiados.
        Apesar de tão internalizada, a visão elitista é às vezes questionada, mas sem mudar o stablishment, um sistema forte, bem organizado e onipresente em que nos inserimos, "mesmo sem querer".

Reflexões finais sobre uma elite contradita

        É interessante que, mesmo que esteja em uma bolha que exclui todos os demais grupos sociais, a elite econômica, que também é cultural e política, dependa de toda a sociedade para manter o status quo generalizado. Há vários exemplos ilustrativos, permeados nas relações de classe.
        Mídia- Como já mencionado, a grande mídia trabalha no reforço à manutenção da sociedade segmentada por faixas de renda para manter o status quo das relações de classes evitando-se possível competitividade pela melhora de renda pelas classes mais baixas.
        Serviços públicos essenciais- desigualdade no fornecimento de saúde, educação e segurança aguça a dominação de classe, e o mau investimento aos mais pobres impede sua ascensão social. As tímidas políticas sociais na era PT3 vêm sendo combatidas, tendo-se por trás movimentos da elite cooptando classes médias abastadas para o poderio anarcocapitalista da extrema-direita.
        Domésticos- famílias de classe média-alta têm ao menos um empregado e as mais ricas se cercam de vários, com funções distintas. Em geral, os domésticos são negros e pardos, com baixos níveis de qualificação escolar e moram em periferias pobres.
        Algumas "favelas" estão ao lado de condomínios de luxo aos quais os moradores prestam seus serviços. Um muro alto impede a visualização de paisagens díspares. Por trás dessa facilidade aparente aos "favelados", os condôminos os vigiam, chamando a polícia quando conveniente.
        Outros detalhes poderiam ser postos, mas foram poupados para não delongar mais ainda o texto, e os supramencionados já são suficientes para se expor uma característica que, para satisfazer seus interesses, revela a elite: a sua perversidade mesquinha e dependente.

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Imagem: Google (charges)

Notas da autoria
1. Extensivas aos reveses comuns ao escravismo.
2. Política de tratamento diferenciado (para brancos e não-brancos; para ricos e pobres; para hetero e homossexuais; para cristãos e não-cristãos, etc.), em várias esferas da vida social.
3. As políticas petistas de ascensão social serviram para ampliar o contingente de consumidores de bens e serviços, mantendo o capitalismo incólume.

Para saber mais
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/04/analise-o-novo-brasil-embrutecido.html
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/05/analise-o-escravismo-nao-acabou-em.html
- https://maquinandopensamentos.blogspot.com/2021/03/reflexao-escravismo-moderno.html
https://pilulas-diarias.blogspot.com/2021/03/130-anos-depois-da-abolicao-mentalidade.html
- http://pilulas-diarias.blogspot.com/2021/08/a-alforria-como-engrenagem-da-escravidao.html



quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Análise: indígenas, governo, STF e igrejas


        Esses dias, milhares de indígenas marcharam para Brasília a fim de reivindicar seus direitos. Não é a primeira vez que eles vão para a capital fazer seus protestos, pois desde que o governo Bolsonaro se instalou, muitas têm sido as ameaças redobradas à sua sobrevivência e a dos locais que habitam há mais de cinco mil anos.
        A reivindicação mais relevante pela mídia tem sido a demarcação de novas terras, mas há outras. Só a demarcação propriamente remete a outras, baseadas em criminalização dos autores de invasões das já demarcadas para fins escusos - um ponto muito caro ao governo. Mas atinge também o STF.
        O megaprotesto dos povos originários, que já estava planejado antes, tem mais a mostrar por trás dessa principal reivindicação. Pois a demarcação de terras tem implicações várias sobre as quais vale a pena trazer reflexões importantes.

Quando a coisa começou

        Ainda candidato à presidência, Jair Bolsonaro, em um evento público, disse à plateia selecta de fazendeiros e empresários do agro: "Tem terra demais pra índio não fazer nada, isso é um absurdo! Se depender de mim, índio não terá nem um centímetro de terra!", e foi, claro, aplaudido pelos presentes.
        De fato, desde o dia de sua posse Bolsonaro não demarcou um centímetro de terra nova, liberou geral para latifundiários, grileiros, madeireiros e garimpeiros invadirem as terras já demarcadas, e ainda ferrou com a reforma agrária, ao arrepio da Constituição e das leis complementares inerentes.
        A supracitada declaração acabou mexendo com os brios de vários movimentos sociais, e também de dois grupos que Bolsonaro até hoje não se cansa de subestimar, mesmo por eles tão perturbado: os indígenas e, agora, o STF.
        O tema central atinente à declaração é muito caro aos povos originários: a demarcação de terras.

Demarcação: um tema bem complexo
        A política de demarcação de terras indígenas começou com os sertanistas irmãos Villas-Boas, nos anos 1950-60. Eles idealizaram a primeira demarcação, sucedida no Parque Nacional do Xingu. Daí, outras vieram, com bom impulso após a ditadura empresarial-militar (1964-85).
        Durante a ditadura, biomas importantes como Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica sempre foram cobiçados por sua riqueza de recursos, entre eles a água, sendo por isso as áreas mais críticas no tema da demarcação. Explicam-se aí algumas missões cristãs, perseguições e matança de indígenas.
        Com a Constituição, promulgada em 5/10/1988, veio o Marco Temporal, que define como terra indígena as áreas reconhecidas até a citada data, contrariando a própria Carta no art. 231, que prevê os índios como donos permanentes de suas terras, "demarcadas ou não", e 232, que estabelece os direitos sociais deles. 
        Em 2017, quando o Marco surgiu na mídia após algum tempo, os constituintes de 1988 ressaltam os direitos constitucionais de os índios serem os donos permanentes de suas terras, e a preservação da sua identidade ancestral, que nunca deixou de ser ameaçada por atores diversos. 
        Na atmosfera de ódio bolsonarista, os direitos dos indígenas à sobrevivência de sua identidade ancestral estão ainda mais ameaçados, a começar pelas mais bem armadas milícias evangélicas, que têm impulso governamental de atingir os povos isolados, que conservam intactas as suas identidades.
        Entende-se aí o valor da demarcação: mais do que a posse permanente da terra, ela em tese tem efeito protetivo socioambiental originário, ou seja, através de suas tradições e ritos ancestrais os índios se apossam da terra como guardiões conservacionistas, e nela se preservam etnicamente.
        STF- Em sua função de representação constitucional. a instância máxima do judiciário brasileiro assumiu o mister de analisar, julgar e votar o Marco Temporal, cuja derrota os movimentos de esquerda e os indígenas, desejam.
        Excitado na expectativa de suposto "golpismo" de 7/9 com apoio dos latifundiários, e também por conta das pressões dos indígenas e da maior parte da sociedade, Bolsonaro afirma a "necessidade do Marco Temporal" como ferramenta para "evitar o caos". Só não explica que caos seria esse.
        Mas, Bolsonaro é nada para os ministros do STF, diante da pressão internacional que paira sobre eles. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ONU e ONGs apontam que a manutenção do Marco como argumento jurídico amplifica mais violações aos direitos dos povos originários.
        Ciente dessa pressão, a ex-ministra do MMA Marina Silva vê esse momento como muito oportuno ao STF para rechaçar o Marco, podendo "fazer justiça aos indígenas" dissolvendo a chance das medidas do governo Bolsonaro que limitam o direito dos originários à terra e chancelam criminosos.

Reflexões finais

        A declaração de Marina Silva é muito pertinente nesse sentido. Ela entendeu com propriedade que o apoio de Bolsonaro ao Marco serve para facilitar toda sorte de investida sobre as terras indígenas e à vida dos povos originários.
        Claro que, dada a sua fé religiosa, é muito possível que Marina exclua do rol dos criminosos as missões que abrem alas dos desatinos a partir da evangelização dos indígenas (forçada às vezes) que os torna mais maleáveis a ceder suas terras aos grupos exploratórios criminosos.
        Juridicamente, o Marco aparentemente contradiz a personalidade cidadã da Constituição ao não reconhecer a posse da terra pelos indígenas após 5/10/1988. É como se as demarcações pelos governos posteriores a 1988 não fossem válidas. Daí vem a pressão, interna e internacional, sobre o STF.
        Dizem que mesmo os tiranos podem fazer algo positivo. O que pode até caber em Bolsonaro. O que ele conseguiu fazer é dar mais visibilidade aos nossos índios. Ao subestimá-los, acabou mexendo com quem estava (mais ou menos) quieto.

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Imagens: Google (montagem: autora do artigo)

Notas da autoria
1.

Para saber mais
- https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/08/24/indigenas-protestam-em-brasilia-contra-medidas-que-dificultam-demarcacao-de-terras.ghtml
- https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/08/25/indigenas-voltam-a-protestar-em-brasilia-contra-marco-temporal-para-demarcacao-de-terras.ghtml
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-04/povos-indigenas-conheca-os-direitos-previstos-na-constituicao#:~:text=A%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20de%201988%20estabeleceu,da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20ind%C3%ADgena%20no%20Brasil.
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-04/povos-indigenas-conheca-os-direitos-previstos-na-constituicao
- https://www.youtube.com/watch?v=1ZNgLqFVcxc
- https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/08/25/stf-enfrenta-pressao-internacional-por-questao-indigena.htm
- https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2021/08/25/marina-silva-supremo-tera-oportunidade-de-fazer-justica-aos-indigenas.htm?utm_source=chrome&utm_medium=webalert&utm_campaign=politica



terça-feira, 24 de agosto de 2021

Análise: 7/9, o tumulto


        Daqui a uma semana estaremos em setembro, e com o mês vem o feriado do dia 7, comemorado como o Dia da Independência, conforme nos ensina a historiografia oficial.
        Como sempre, em Brasília ocorrem os preparativos de pompas e circunstâncias que marcam o desfile da ala militar Dragões da Independência, a mesma que acompanha o dia da posse do presidente eleito.
        A tradição de desfile também é fielmente seguida por escolas de educação básica em geral. Mas, há no ar algo a indicar que o dia 7/9 terá ingrediente novo, talvez nada alvissareiro.

A combustão bolsonarista

        É natural ter essa sensação de incerteza sobre o que acontecerá nesse dia, dado que temos visto muitas informações, nada confortáveis, envolvendo o atual presidente da República em suas intenções e pretensões para este 7/9, faltando pouco mais de 1 ano para as eleições.
        Tudo porque, no ar fervilha um alvoroço de combustão bolsonarista, que já preocupa autoridades. Em SP, há uma disputa entre bolsonaristas e oposicionistas por manifesto popular na Av. Paulista. Por terem se adiantado, os bolsonaristas ganharam essa vez.
        Antes dessa disputa acima, logo após o desfile do museu de guerra, Bolsonaro lotou sua agenda de compromissos com militares, até o dia 7/9. O volume de informações obtidas pelas mídias parece não acompanhar tantos compromissos. É um intervalo de quase 30 dias, o que desperta desconfiança.
        Desconfiança esta razoável: afinal, Bolsonaro não poupou sua verborragia ameaçadora contra os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, e tem usado frases parecidas com as demagogias golpistas de 1964.
        Outros nessa combustão são os latifundiários, que há algum tempo financiam os manifestos pró-Bolsonaro para o dia 7/9. Mas, só o cantor-latifundiário Sérgio Reis se ferrou, após os caminhoneiros o desmentirem nas mídias e redes sociais.
        PMs- Ainda não acabou: bem bolsonarizadas, as PMs estão enxuricadas para o dia, e se tornaram alvos de preocupação. O governador João Doria (SP) afastou o coronel Aleksander Toaldo Lacerda, atuante em Jundiaí, por evocar seus subalternos para ato em Brasília.
        Ninguém duvida do caráter antidemocrático e truculento das PMs, hoje mais embrutecidas pelo bolsonarismo, haja vista a sua formação militar e sua práxis marcada por repressões e chacinas nas periferias. Daí Bemvindo Sequeira temer o 7/9 ser um dia marcado pelo terror.
        Mas, os governadores asseguram que elas atuarão nos limites constitucionais. No aguardo para saber até quando "forte emoção" vai impulsionar para tocar o te
        Congresso- Nesse ínterim, o Senado vai para a fase final da CPI-C19, que tem seguido caminho tortuoso demais com abusos de mentiras e silêncios judiciais. E a Câmara, na surdina, se prepara para votações das reformas tão urgidas por Paulo Guedes para serem aprovadas.
        O presidente da Câmara Arthur Lira, o Ficha-Corrida, quer assegurar a aprovação das três PECs restantes, duas delas temidas pelos servidores públicos (reformas administrativa e precatórios), e a PEC tributária que promete pesar a mão em cima dos pobres que o governo considera classe média.
        E já tramita em votação outra medida, que aprofunda a minirreforma trabalhista já aprovada, desta vez para retirar direitos pétreos: férias, 13º salário e FGTS, em contrato formal. E pode vir mais bomba para as classes populares - claro, ainda não informadas pelas mídias.

Reflexão final

        Todo o exposto acima traz algumas certezas (ou quase) e uma incerteza. Já se adianta aqui que as certezas sairão nas grandes tribunas do Congresso e na opacidade que fere de morte o princípio constitucional da publicidade dos atos públicos.
        As reformas acima citadas têm chance altíssima de aprovação. Cerca de 70% dos deputados se sujeitam ao Centrão do Ficha-Corrida e se aliam às propostas de Guedes/Bolsonaro. Uma medida fácil de passar é a que dissolve de vez a CLT. Em breve, trabalhadores não mais terão férias, 13º e FGTS.
        Polêmicas, as três reformas afrontam a personalidade cidadã da Constituição, e refletem transição para o caráter anarconeoliberal na medida que são promulgadas. Ao propor reforma estatal profunda, a PEC32 custará muito caro aos recursos públicos, aos servidores e ao funcionamento do Estado. Mas as outras merecem a devida atenção.
        A incerteza repousa mesmo quanto ao 7/9. Pois as ameaças de PMs e outras forças bolsonarizadas podem ser criminalizadas, pois PMs e FFAA, em tese, não devem exercer atos políticos. Entretanto, vale salientar, estamos no governo Bolsonaro, a era do vale-tudo, à revelia da lei.

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Imagem: Google

Notas da autoria
1. 

Para saber mais
https://www.youtube.com/watch?v=zo9dOgb85CA (Bemvindo Sequeira)
- https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/08/17/defesa-informa-que-nao-havera-desfile-militar-de-7-de-setembro-em-razao-da-pandemia.ghtml
https://veja.abril.com.br/blog/maquiavel/apos-desfile-bolsonaro-tera-agenda-cheia-com-militares-ate-7-de-setembro/
https://theintercept.com/2021/08/21/ruralistas-financiam-manifestacoes-golpistas-7-setembro/
- https://www.metropoles.com/brasil/pms-convocam-apoio-aos-atos-antidemocraticos-de-7-de-setembro
- https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/2021/08/23/doria-afasta-comandante-da-pm-em-sorocaba.ghtml
- https://www.cartacapital.com.br/politica/oposicao-e-bolsonaristas-disputam-a-avenida-paulista-para-atos-de-7-de-setembro/
- https://www.metropoles.com/brasil/governadores-sobre-7-de-setembro-pms-atuarao-nos-limites-da-constituicao

Análise: fármacos poluentes 


        Quando os primeiros estudos indicando resultados supostamente bons em experimentos in vitro usando cloroquina e hidroxicoroquina isolada ou em combo (kit) ainda em março/2020, toda a comunidade médica se entusiasmou, mas com cautela, pois os dados poderiam não se repetir em animais de laboratório e em humanos voluntários.
        A cloroquina (e a hidroxi-) são indicadas como antimaláricas e imunomoduladores1 em algumas enfermidades autoimunes.
        Se muitos na classe médica chegaram a ter desconfiança dessa atuação sobre um vírus, daí a cautela recomendada, houve um setor que não quis saber disso: os fabricantes de cloroquina, azitromicina, dipirona e vitamina D3 para o conhecido kit. 
        Durante 2020, mesmo após pesquisas reiteradas atestando a ineficácia de cloroquina isolada ou em kit em animais e humanos, os governos e farmacêuticas em busca de lucro arriscaram milhares de vidas e contribuíram na piora de outra vítima: o meio ambiente.
        Alguns estudiosos apontam os fármacos como contaminantes, e outros, como bons poluentes no meio ambiente. Bem, qual é a diferença entre contaminante e poluente?
        Considera-se contaminante o produto cuja concentração, embora alta, não seja crítica ao ponto de transformar o ambiente. Já o poluente é o contaminante em concentrações tão críticas que ocorre uma alteração ambiental, reversível ou não, mas sempre importante.
        
Indústria farmacêutica e poluição

        As indústrias utilizam diversas matérias-primas para fabricar seus produtos. Entre elas se destacam os metais pesados, como arsênio, bismuto, cádmio, cromo, molibdênio, mercúrio, níquel, prata, paládio, ródio, rutênio e vanádio que, em compostos químicos, contaminam o meio ambiente.
        O chumbo é usado desde tempos remotos. Encanamentos dele foram encontrados em estruturas romanas revelando seu uso para abastecimento de água. O que fez estudiosos insinuarem a possível contribuição do metal para o fim do outrora poderoso Império Romano.
        Ele contamina a água absorvida no solo ou consumida. Concentrações muito altas podem causar intoxicação sobretudo neurotóxica, com desordem mental e motora. Mas, estudos nas águas romanas apontam que as concentrações são insuficientes, anulando a relação toxidade e colapso do Império.
        O chumbo é só um conhecido exemplo de como metais pesados podem tornar água e alimentos impróprios para aproveitamento e consumo. Mas, eles são presentes tanto em farmacêuticas quanto em qualquer outro tipo de indústria.
        Kit-C19- A produção massiva de kit-C19 e seu uso no Brasil chamaram a atenção dos cientistas sobre os riscos ambientais. Análises de rios que recebem efluentes industriais farmacêuticos apontaram níveis altíssimos de metais pesados em amostras de flora e fauna, adoecendo o ambiente.
        Tal risco ambiental se potencializa com a bem documentada presença de antibióticos, analgésicos e anti-inflamatórios nos rios urbanos, mesmo nos com estado natural relativamente bem preservado como os rios amazônicos - ainda que a contaminação por hidroxicloroquina seja mal conhecida.
        E, mais ainda, vale salientar o descarte errôneo de sobras de medicações, e a ação de metabólitos2 de usuários do kit, tudo direto no ambiente. A ação dos metabólitos merece estudo à parte.

E o governo com isso tudo? - reflexões

        Quando foi ministra do Meio Ambiente, Marina Silva teve treta com empresários que criticaram o governo de gerar entraves em licença ambiental. As farmacêuticas também estiveram na treta. Mas, por fim, não houve impedimentos à continuidade de contaminação e poluição ambiental.
        Já sabemos o incentivo bolsonarista à destruição. Só os incêndios bateram recordes de 2020 em 3 biomas, sem falar nos demais meios destrutivos. Com a facilitação "legal" de facilitar licenças para as empresas atuarem em áreas florestais. Daí a saudade da antiga burocracia de Marina Silva.
        Embora não saibamos como Bolsonaro trata da poluição farmacológica acima citada, completa-se o ´pesadelo em saber que elas ganham mais de R$ 1 bi com a produção do kit, sem falar do milionário tubo para o EB3, agora com estoque de cloroquina para 18 anos - muito a ser descartado, sabe-se lá como.
        Nisso tudo, o Brasil segue sofrendo, com investimento pesado na indústria fúnebre (oficialmente quase 600 mil só pela C19), cada vez mais devastado, quente, seco e poluído - cada vez mais doente, portanto. E, se depender do tão mimado e exigente Centrão, vai se agravar na UTI, correndo o risco de morrer antes de outubro de 2022.

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Imagens: Google (montagem da autoria do artigo)

Notas da autoria
1. Fármacos que controlam exacerbação imunológica do organismo contra si mesmo (autoimune), a patógenos ou produtos.
2. Produtos da degradação metabólica de nutrientes, fármacos e outras substâncias pelo organismo.
3. Exército Brasileiro

Para saber mais
- https://www.youtube.com/watch?v=JJpxmGts7ok (Meteoro Brasil- tratamento precoce e poluição)
- https://www.acidadeon.com/cotidiano/brasil-e-mundo/NOT,0,0,1578958,Cientistas-alertam-para-riscos-ambientais-de-uso-em-excesso-do-kit-Covid.aspx
- https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/02/cientistas-alertam-para-riscos-ambientais-de-uso-em-excesso-do-kit-covid.shtml
- https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/08/11/Quanto-as-farmac%C3%AAuticas-ganharam-com-o-%E2%80%98kit-covid%E2%80%99
- https://www.cut.org.br/noticias/farmaceuticas-ganham-mais-de-r-1-bilhao-com-kit-covid-defendido-por-bolsonaro-4fad

        

sábado, 21 de agosto de 2021

Análise: nova ameaça aos servidores?


        Com o avanço da análise do texto da PEC32 na Câmara dos Deputados na consciência, frente de servidores públicos concursados organizou o #18A, importante manifesto que reuniu não só a classe especificada, como também muitos colegas temporários (também servidores), familiares e populares simpatizantes.
        A PEC32 já foi abordada neste blog em alguns artigos, em seus significados em variantes como o futuro do serviço público com o fim da Lei 8112/1990 (estatuto do servidor), a liberdade de indicações políticas e outros pontos inerentes à proposta. Mas, nova luz amarela de alerta já pisca, indicando outra ameaça ao funcionalismo: a PEC dos precatórios.
        O texto foi enviado ao Congresso, para apreciação pelos parlamentares, no dia 8/8, sem nenhum alarde sobre isso. Mas, o que são precatórios? O que essa PEC propõe? Em que sentido ela ameaça os servidores públicos?

Precatórios, na Constituição hoje e na PEC

        Precatórios: tema frequentemente espinhoso nos corredores da política. Talvez por isso mesmo ninguém teve interesse de modificar a legislação pertinente ao assunto. Agora, na era Bolsonaro, o ministro-polvo Guedes surge com uma nova PEC: a dos precatórios.
        Antes de abordar sobre ela, vale deixar definição de precatórios: são ordens de pagamento acima de 60 salários-mínimos a serem pagos por ente público, determinadas pela Justiça após condenação. As partes autoras do processo judicial podem ser tanto pessoas físicas quanto jurídicas.
        Parece positivo, pois possibilita imaginar uma categoria de servidores financeiramente prejudicada reivindicando indenização na Justiça com possível causa ganha. Calma: nem tudo são flores.
        Hoje, a Constituição estabelece vários critérios sobre precatórios, como categorização de débitos, beneficiários, os prioritários, e também sobre os limites, formas e fontes de pagamentos. Essas e outras providências estão dispostas em vários artigos no Título IV e Capítulo III, a partir do art. 100.
        Visando alterar vários artigos deste trecho citado, a PEC dos precatórios tem nortes dignos de ver. Além do fim dos "esqueletos" (despesas a alguém, ente ou programa já extinto), ela propõe se adequar à EC do teto dos gastos, buscar a sonhada eficiência pública e a redução do tamanho estatal.
        A criticada EC do teto dos gastos e o mito do Estado inchado têm sido as justificativas de Guedes (e da mídia da casa grande) para a aprovação de suas sonhadas reformas. Apelidado de "PEC fim do mundo" na época do trâmite, o teto dos gastos congelou gastos das áreas essenciais, sem atingir a elite.
        Guedes afirma que o pagamento pode ser acelerado usando privataria como "moeda de troca" para criar um fundo patrimonial. "Se tem fundos do setor privado que compram títulos das dívidas, se alavanca a transformação do Estado", diz, em eufemismo a disfarçar o mito do "estado inchado".
        Garantias- Segundo Guedes, a PEC preveria o pagamento imediato e integral de valores de até R$ 66 mil, e parcelamento para valores maiores. Para os superprecatórios (acima de R$ 66 milhões), se propõe entrada de 15% e 9 prestações iguais anuais. Guedes ainda garante que "não haverá calote", e "os mais vulneráveis serão totalmente preservados".
        A julgar pelo desempenho do ministro desde o início do governo, resta saber se vai cumprir.

PEC e servidores - reflexões finais

        Ao entregar o documento com o texto da PEC ao Congresso, Guedes afirmou veemente defesa da proposta, que por seus princípios visa o adiamento do pagamento do volume de precatórios somados em R$ 89,1 bilhões para 2022. 
        Como os precatórios significam pagamento obrigatório sem caber mais recurso, adiar se torna um calote ou pedalada - o que já torna a PEC polêmica. Guedes justifica os R$ 89,1 bilhões como "quantia inesperada, muito acima dos R$ 57,8 bilhões estimados".
        Por isso, a estratégia de parcelamento na proposta e de adiamento de pagamentos para evitar uma iminência de calote. E, para completar, Guedes ainda emendou que, se não houver aprovação da PEC pelos parlamentares, "os servidores ficarão sem salários em 2022".
        A declaração pareceu soar como uma ameaça. Ou chantagem, como soou entre parlamentares. Um destes, Marcelo Ramos (PL-AM), respondeu que "ele já deveria ter aprendido que a Câmara não se submete a [...] chantagem barata", sugerindo ainda um diálogo "com termos sérios e técnicos".
        Entre servidores públicos se acendeu o alerta amarelo, com razão: a geral já está ligada à PEC da reforma administrativa, que prevê uma verdadeira dissolução da atuação do Estado no atendimento à população, uma cópia fiel do ocorrido no Chile de Pinochet, por autoria do próprio Guedes.
        Como se sabe que Guedes é hostil ao desprendimento estatal a serviços públicos essenciais como saúde, educação, saneamento, segurança e previdência, os servidores atentos tendem a reagir à fala acima citada como uma ameaça clara, não importando as garantias.
        Em se tratando de garantias, aliás, vale se atentar à intensa possibilidade de que, por trás daquela fala macia que publiciza suas propostas como salvadoras da Pátria, ele é uma faca de dois gumes: a depender do desempenho nos rumos econômicos, a PEC é uma fumaça tão escura quanto a daqueles tanques militares.

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Imagem: Google

Notas da autoria
1. 

Para saber mais
- https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao-publica/2021/08/pec-dos-precatorios-e-enviada-ao-congresso-nacional
https://precato.com.br/precatorio/?keyword=o%20que%20%C3%A9%20precat%C3%B3ria&pht=50461610108740194&utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_term=o%20que%20%C3%A9%20precat%C3%B3ria&utm_campaign=%5BAcesso%5D+Pesquisa+Precato+Brasil+%5BTopo+Funil%5D&hsa_acc=4710453419&hsa_cam=12420203175&hsa_grp=117071660046&hsa_ad=500939397497&hsa_src=g&hsa_tgt=kwd-309694783913&hsa_kw=o%20que%20%C3%A9%20precat%C3%B3ria&hsa_mt=b&hsa_net=adwords&hsa_ver=3&gclid=Cj0KCQjwpf2IBhDkARIsAGVo0D0JGw-Gm6yfP9lkAqg-i0q5ae4bbjFBKMypVA7dK70XV5lT3b2MVv0aApZ8EALw_wcB
- https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_08.09.2016/art_100_.asp
- https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/apresentacoes/2021/agosto/pec-precatorios.pdf
- https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/08/13/pec-dos-precatorios-preve-parcelamento-e-muda-indice-de-correcao
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-08/pec-dos-precatorios-preve-parcelamento-de-dividas-acima-de-r-66-mi
- https://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/guedes-diz-que-sem-pec-de-precatorios-nao-vai-dar-para-pagar-salarios/
- https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/08/4944833-guedes-defende-pec-dos-precatorios-com-ameaca-ao-salario-do-funcionalismo.html
- https://www.poder360.com.br/congresso/marcelo-ramos-fala-em-chantagem-de-guedes-por-pec-dos-precatorios/
- https://odia.ig.com.br/colunas/servidor/2021/08/6216947-ameaca-de-guedes-para-aprovar-pec-dos-precatorios-nao-deve-surtir-efeito-diz-representante-de-servidores.html
- https://www.poder360.com.br/congresso/marcelo-ramos-fala-em-chantagem-de-guedes-por-pec-dos-precatorios/

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Análise: Talibã afegão e o brasileiro


        No início dos anos 2000, o Afeganistão, na Ásia Central, foi tomado de assalto por um grupo radical islâmico surgido do norte, conhecido como Talibã (está aportuguesado, por não conhecer a original e favorece acesso à leitura pelos brazucas).
        Na época, havia outro grupo radical, saudita, mas ideologicamente próximo do Talibã: a Al Qaeda, de um personagem muito conhecido entre nós, Osama bin Laden e que se envolveu no atentado no dia 11/9/2001, em Nova Iorque, com repercussão imensa.
        Houve combate entre as forças lideradas pelos EUA contra o Talibã e a Al-Qaeda de Osama bin Laden no início dos 2000. Talibãs recuaram e Osama foi morto. Agora, após saída das forças dos EUA, o Talibã retorna o domínio tomando a capital Cabul. O presidente e milhares de afegãos fugiram do país.
        A imprensa ocidental tem tratado o Talibã como uma milícia terrorista radical. Mas, até onde essa percepção está correta? Pois afinal, em alguns países ocidentais também há milícias radicais, só que em outras versões - religiosas (cristãs) ou não. Esse é o cerne deste artigo.
 
        País da Ásia Central, fronteiriço com Paquistão, Irã, Uzbequistão, Tajiquistão e Turcomenistão, ligando Ásia Menor à Índia. Sem acesso ao mar, é montanhoso de grande altitude e clima1 com verões e invernos rigorosos que desafiam os desavisados.
        Habitado desde a pré-história, com trecho da rota da Seda ligando a China à Ásia Menor, o país tem povo de 4 etnias principais: pashtuns autóctones, tajiques de origem persa, hazaras persa-mongóis (se acreditam descender de Gengis Khan), e uzbeques de origem turca. Aprendido em escola corânica, o árabe é falado nos ritos do islamismo, religião dominante.
        Os indicadores sociais são ruins, com altos índices de mortalidade e expectativa de vida média de 43 anos, fruto da dificuldade de acesso aos serviços públicos essenciais, como saúde e saneamento. A educação é também pobre, com forte base corânica que influencia na forte religiosidade.
        A comunidade internacional reconhece a República Islâmica do Afeganistão, e não o Emirado Afegão idealizado pelos talibãs.

Talibã ou Taleban
        Termo que significa 'estudante' ou 'aspirante', é uma milícia sunita2 radical de jovens muhajidins (guerreiros santos em árabe) de maioria tajique. Em 1990, militares dos EUA os armaram contra forças soviéticas no norte do Afeganistão, antes do fim definitivo da URSS.
        O intento do Talibã é tornar o país um Emirado (reino islâmico), daí as duas investidas, no início dos anos 2000 e no presente.
        Visão- Talibã se assemelha ao EI3 em visão distorcida da sharia. A educação corânica é imposta a todos, e a laica é ampla para homens e quase totalmente vetada a mulheres. Nos anos 2000, meninas e mulheres eram obrigadas a usar a burca (burkha), vestimenta que cobre todo o corpo, cabeça e rosto.
        Burca- é um traje antigo usado por agricultoras tajiques como proteção contra rigores climáticos, daí também a tela para os olhos. Dispensa o uso do hijab, lenço a envolver a cabeça e o rosto. O Talibã criou outro valor simbólico, o de recato feminino, daí estender a obrigação da veste a todas as afegãs.

A talibanização evangélica no Brasil

        Enquanto o mundo se atenta à tomada talibã no Afeganistão, ocorre algo análogo no Brasil a que ninguém se atenta: missionários pentecostais em áreas indígenas para conversão em massa. A prática é proibida por lei, mas segue impune, e normalizada pela patuleia por ignorância.
        Uma comitiva de pastores e representantes do governo Trump conversar em sigilo com Bolsonaro e depois mapear nossos indígenas em plena pandemia não tem nada de normal. É no mínimo suspeito, para não dizer coisa pior. Reflexo de um espaço cada vez maior no campo político-ideológico, daí a coisa estar mais voraz, com consequências sociais e ambientais.
        A nomeação do pastor Ricardo Lopes Dias como presidente da Funai foi apontada por Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), como uma ameaça à vida dos povos indígenas, devido à postura "neocolonialista e genocida" de Bolsonaro.
        Não é para menos: Ricardo fez parte da missão estadunidense New Tribes do Brasil (MNTB) de 1997 a 2007, justamente para contribuir no mapeamento de povos indígenas. E a postura governante denunciada pelo arcebispo aparece como a verdade saltando aos nossos olhos.
        Com intenção ou não, foram as missões as primeiras a transmitir C19 aos indígenas, incidindo em mortalidade muito superior à de brancos. E na crescente voracidade dessas missões, invasões de terras indígenas, violência com morte, grilagens e desmates cresceram assustadoramente.
        Ainda no ano passado, o Estadão denunciou a Amazônia como um prêmio pago aos missionários evangélicos que arrebanharem mais indígenas, já de olho em povos isolados, que vivem nos recantos mais isolados da floresta e mantêm intacta sua cultura ancestral. 
        Conversão forçada- A voracidade evangelizante é intencional: pela perda do laço ancestral com a natureza e a promessa de vida melhor, os indígenas cederiam terra mais facilmente para a exploração econômica. Mas, as coisas não têm sido assim, e ainda há efeitos deletérios na saúde mental indígena.
        Lideranças de comunidades indígenas denunciam aumento de suicídios de jovens desde 2019 em várias regiões, e mais recentemente no Paraná. Além de falta de trabalho e avanço do agronegócio e da C19, os líderes denunciam a evangelização, sinalizando conversão forçada em comunidades inteiras.
        E isso nos leva a novas e interessantes reflexões de analogia.

Reflexões finais

        Alguns leitores certamente perguntarão por que traçar uma analogia entre Afeganistão e Brasil no tema. A resposta está num contexto: o do terrorismo - a ser explicado a seguir.
        Tradicionalmente se entende o terrorismo como atentado contra a coletividade, um Estado ou um governo (ou seu regime) com tiro, porrada e bomba. Nada mais limitado. Se pode aplicar um regime de terror de formas tão sutis e cheias de sorrisos gentis quanto em tiro, porrada e bomba.
        Isso demonstra claramente que grupos tão diferentes entre si, tanto em ideologia e fé quanto em metodologia, podem praticar ação típica de terror, provando o conceito elástico do terrorismo.
        Ao impor seu padrão valorativo distorcido e fundamentalista da sharia, o Talibã pratica o terror. Tal como os grupos cristocêntricos brasileiros. Diferenças metodológicas e de pensamentos não importam, pois os objetivos e o padrão impositivo e intolerante são os mesmos, pois ensejam a homogeneização social para maximizar seu controle.
        Assim como a fuga de milhares de afegãos desesperados com a tomada de Cabul pelo Talibã, no Brasil há desordem mental pela perda de identidade originária imposta pela conversão evangélica, o abre-alas para os demais fatores supracitados a pavimentar o caos social entre os indígenas.
        Portanto, se evidencia claramente uma talibanização à brasileira, que tal como no Afeganistão, se impõe em regime de terror. Portanto, ao falar sobre terrorismo, deve-se lembrar de sua prática diária aqui no Brasil, por trás de belos sorrisos, orações e promessas.
        
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Imagem: Google

Notas da autoria
1. Clima temperado continental subúmido com belos vales profundos e picos altos, e planície desértica no oeste (fronteira c/ Irã).
2Uma das duas principais correntes do islamismo. Os sunitas são mais rigorosos em costumes e no papel de gênero.
3. Sigla aportuguesada de Estado Islâmico, conhecido no exterior pela sigla ISIS.

Para saber mais
https://pt.wikipedia.org/wiki/Afeganist%C3%A3o
- https://temas.folha.uol.com.br/amazonia-sob-bolsonaro/novos-missionarios-da-amazonia/missionarios-vao-ao-vale-do-javari-atraidos-pelos-indios-isolados.shtml
- https://reporterbrasil.org.br/2020/06/organizacoes-religiosas-dos-eua-mapeiam-indigenas-no-brasil-e-nao-interrompem-acoes-com-isolados-mesmo-durante-a-pandemia/
- https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,uma-conquista-evangelica-esta-acontecendo-e-a-amazonia-e-um-premio-muito-procurado,70003466255
- https://marcozero.org/arcebispo-afirma-que-nomeacao-de-evangelico-ameaca-os-povos-indigenas/
- https://www.brasildefatopr.com.br/2021/06/24/casos-de-suicidio-aumentam-entre-jovens-de-comunidades-indigenas-no-parana


        

domingo, 15 de agosto de 2021

Análise: isso é uma ameaça? - p. 3


        Sexta-feira, 13/8: quem acredita que uma data assim dá azar? Alguns sim - ainda mais havendo a Lua cheia à meia-noite desse dia. Mas é bem possível que a maioria veja essa data com neutralidade, e uma outra minoria a considere dia de sorte.
        Para dois nomes, pelo menos, foi grande azar: a deputada recém-cassada Flordelis e o presidente nacional do PTB e ex-deputado Roberto Jefferson. Futuramente eles poderão ter pavor das sextas-feiras 13.

Breve resumo de como foi

        Pastora evangélica, Flordelis foi presa preventivamente no inquérito de assassinato do ex-marido Anderson, cuja grave acusação prévia levou à análise política da mesma e à cassação pela Câmara. Já Roberto Jefferson foi preso por ameaça de violência política e atos antidemocráticos.
        Flordelis é acusada de assassinar o ex-marido pastor Anderson após brigas familiares. O crime é comum, mas por já ser deputada federal quando do fato, sua situação pode ser analisada na Câmara. O mandado de prisão foi expedido pela juíza Nearis dos Santos, da 3ª Vara Criminal de Niterói.
        Cassado em 2006 no caso Mensalão, Roberto Jefferson se aliou a Bolsonaro e se sentiu à vontade em ostentar armas e recitar versículos bíblicos. Sua prisão foi determinada por Alexandre de Moraes, do STF, a quem chama de Xandão, por ameaça de violência política e nos atos antidemocráticos.

Reações e repercussões

        A repercussão nas mídias em geral foi bastante expressiva, dado que foram prisões de dois nomes afinados com o governo. Cada um agia conforme possível, Flordelis defendendo as pautas do governo, e Roberto Jefferson externamente, excitando bolsominions pelas redes sociais.
        Entre a patuleia geral, a reação dominante foi de comemoração. Entre os fiéis da igreja Cidade de Fogo, da família de Flordelis, mais decepção. Entre os bolsominions dominaram a contrariedade e a indignação, copiadas do governo, claro.
        Em Brasília, a maioria dos parlamentares se limitou à defesa da democracia e harmonia entre os poderes para explicar a prisão de Roberto Jefferson. Já sobre Flordelis houve o precavido silêncio, pois ela se destacou como a pastora assassina e não como deputada federal.
        Ao saber da prisão de Jefferson determinada por Moraes, Bolsonaro se disse "indignado" e ainda acusou o STF de "extrapolar limites", emendando com nova ameaça, a de impedir os ministros dessa instituição.
        
Uma empreitada muito difícil, se não impossível

        Não é a primeira vez que Bolsonaro afronta o STF com ameaça de impedimento. Em 2019 soaram as ofensas da equipe de governo, piorando em 2020 com a negação à C19. A primeira ameaça ao STF veio após a prisão de Sara Winter determinada por Alexandre de Moraes, então o principal alvo.
        O tema voto impresso x eletrônico e as citadas prisões pioraram a rixa presidencial com Barroso e Moraes, que para o presidente, "extrapolam com atos os limites constitucionais", que já motivariam o impedimento. Daí a decisão de reunir com Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, ao que Randolfe Rodrigues reagiu em tuíte: "vá trabalhar!".
        Da indicação à deposição- Todos sabemos que o ministro do STF é indicado pelo presidente da República para ser sabatinado no Senado e, se aprovado, é então nomeado para exercer funções de juiz constitucional: analisar ADCs e ADIs1 e julgar presidente e vice da República, congressistas, procurador geral da República e ministros de Estado.
        Sabemos também dos requisitos, como ser brazuca nato, ter entre 35-65 anos, notório saber jurídico e reputação ilibada. Mas, como ocorre o impedimento dele? Através do julgamento do mesmo pelo Senado sobre crimes de responsabilidade, conforme Art. 39 da Lei do Impeachament.
        Impedir um ministro do STF é quase impossível, dada sua atuação constitucional. É mais fácil destituir presidente, parlamentar ou ministro de Estado, por não dominarem a carta magna a contento, apesar da criatividade respectiva em presidir, legislar e ministrar.
        Pacheco já afirmou descartar qualquer chance de realizar o desejo de Bolsonaro, alegando ser um processo complexo e grave que não pode ser banalizado. A razão da decisão é evitar a desarmonia entre os poderes, a partir da qual viria uma séria ruptura institucional de efeitos imprevisíveis.

Reflexões finais

        Toda a conjuntura sociopolítica presente se torna alvo de perguntas, sendo a mais frequente esta: por que nada se faz contra Bolsonaro, se com anteriores houve deposições por razões bem menores? A pergunta é pertinente, mas a resposta exigida é complexa e detalhista.
        Bolsonaro é reflexo mais puro de nossos defeitos e tem personalidade caótica e fértil, capaz de gerar, direcionar e alimentar a crise sociopolítica que o favoreceu chegar ao poder presidencial. Uma ação típica, a ameaça, não é só autoafirmação, é também um alimentador eficiente da crise geral que o sustenta.
        Talvez ele próprio saiba que o desejo de depor ministros que considere desafetos seja impossível, uma vez que nem nos anos de chumbo da ditadura militar houve deposição, ainda que houvesse, claro, perseguição político-ideológica que levasse à saída de um ou outro ministro.
        Aliás, vale notar que esse fato ocorrido na ditadura foi um reflexo da ruptura institucional que o próprio golpe civil-empresarial-militar de 1964 representou, e cujas consequências sociopolíticas e econômicas são hoje repetidas através das medidas antieconômicas e antissociais de Guedes.
        Aí vemos a razão sublime pela qual se resumiu a recusa de Pacheco em sequer conversar com os colegas, também reativos, sobre a deposição de ministros do STF: salvaguardar a democracia na tão caotizada República. Enquanto isso, aguentemos a mais 15 meses de Bolsonaro.

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Imagem: Google (edição: autoria do artigo)

Notas da autoria
1. ADC = ações diretas de constitucionalidade; ADI = idem, de inconstitucionalidade, solicitadas por parlamentares ou juristas para analisar propostas de governo.
2. Tem um conceito complexo, dadas suas implicações socioeconômicas e sociopolíticas a partir da desarmonia entre os poderes de Estado e República.

Para saber mais
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/08/13/prisao-de-bob-jeff-bolsonarismo-defende-que-atacar-democracia-e-um-direito.htm
- https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/08/13/flordelis-e-presa-pela-policia-civil-no-rio-de-janeiro#:~:text=A%20pris%C3%A3o%20da%20ex%2Dparlamentar,sexta%2Dfeira%20(13).
- https://www.migalhas.com.br/quentes/350099/bolsonaro-diz-que-vai-pedir-impeachment-de-ministros-do-stf
- https://www.politize.com.br/impeachment-de-ministros-do-stf/
- https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/senadores-reagem-a-pedido-de-bolsonaro-contra-ministros-do-stf-vai-trabalhar/?utm_source=pushnews&utm_medium=pushnotification
- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1079.htm (Lei 1079 de 1950, ou Lei do Impeachment)
- https://br.noticias.yahoo.com/pacheco-descarta-abrir-impeachment-de-ministros-do-stf-desejo-de-bolsonaro-134207515.html

 

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Análise: por trás da fumaça de sucata


        Enquanto a CPI da C19 rolava, o presidente Jair Bolsonaro recebeu convite de representante da Marinha para assistir a um treinamento em Formosa, no interior de Goiás. Estranho local, por não haver lago digno de nota, muito menos mar.
        Agressivo com a queda de braço renhida com Roberto Barroso, Bolsonaro viu nisso uma boa ideia: decidiu por um desfile militar em Brasília. Bem no dia da votação da PEC do voto impresso em plenária da Câmara.
        O desfile foi criticado pelos parlamentares como desnecessário propósito de intimidar a Câmara, o STF e o TSE e gerar temor popular, apesar das negativas dos militares. Um gasto de grana pública. Indiferente, Bolsonaro manteve a decisão: "eu sou o presidente, quem manda sou eu".

Desfile de sucata

        Mesmo tão criticado, o desfile atraiu tanto populares que passavam por ali quanto políticos e os funcionários do Congresso, da Esplanada e do Planalto. Se alguém esperava que passariam tanques ultramodernos computadorizados com direito a conexão 5G, se enganou. 
        O que se passou ali mais parecia uma comédia, na soma da insistente ostentação personalista do presidente e um verdadeiro museu de antiguidades bélicas. De pintura camuflada, eram tanques da II Guerra Mundial e da Guerra do Vietnã, estes últimos doados pelos EUA. 
        Não bastando a falta de renovação, havia a falta de manutenção, regular ou adequada, denunciada pela fumaça escura e densa, de possível queima de restos de diesel velho. Um tanque soltou grande quantidade de fumaça densa e escura à frente do Palácio da Alvorada com Bolsonaro e tudo. 
        Foi terra fértil mais do que o suficiente para gerar memes de todo tipo, usando a linguagem chula presidencial. E fértil também para muita repercussão.

Repercussão

        O museu militar ambulante chamou gerou repercussão internacional, com direito a mais críticas entre mídias de todos os portes e direções, e foi fértil para o surgimento de análises de cunhos tanto psicológicos quanto políticos.
        Cunho político- Diferenças de análise e julgamento à parte, brasileiros e europeus compartilham a mesma crítica sobre o desfile enquanto "show de bizarrice sem propósito" - a concordar com a negativa de militares sobre intimidar Congresso e tribunais superiores, confirmando o desfile como vergonhoso.
        Se quis intimidar, não conseguiu: a PEC do voto impresso morreu por insuficiência de votos. O antidemocrático distritão também. Felizmente.
        Parecendo um gerente de loja de antiguidades bélicas, Bolsonaro evidenciou a diplomacia natural do brasileiro, praticada pelo Itamaraty de outrora, em vez da defendida "tradição guerreira": o nosso arsenal total de guerra só daria para 1 hora. Isso se não corrermos ao espocar do primeiro tiro.
        Cunho psicológico- essa repercussão nacional é interessante. Já explorado por aqui, o governo de Bolsonaro é bem pessoal. O "sou o presidente, quem manda sou eu" é uma forma do personalismo, o culto à personalidade, já praticado por nomes como Mao Tsé, Hitler, Stalin, Castro, Mussolini, Kadafi, Idi Amin, e outros. 
        Além do personalismo, psicanalistas apontaram um desejo de autoafirmação em relação de cunho quase sexual com o militarismo. Das armas às fardas e ao ambiente do quartel, tudo evoca virilidade, e daí mais poder, não importa o crescente número de mulheres militares. 
        Já soada no "sou o presidente, quem manda sou eu", a necessidade de autoafirmação com esses ingredientes se urge mais com Bolsonaro golpeado pela crise. É no desfile que ele se apoiou e mostrou seu poder político viril.

Enquanto isso...
        Enquanto os memes da fumaceira dos tanques explodia nas redes, foi vazada a aprovação de nova facada nos trabalhadores celetistas. a MP 0145/21 propõe contratos sem direitos como 13º salário, férias e licença, relaxamento na apreensão de trabalho escravo e férias como recesso sem remuneração.
        Na MP foram adicionados submarinos1 escondidos sob um mar muito calmo. Ironicamente, o jornalismo - no qual há muitos liberais nas grandes mídias - será muito fragilizado com essa medida. Inúmeras outras profissões entram nessa barca furada, que praticamente mata a CLT.
        Guedes havia falado sobre a MP dias antes, mas sem menção pela mídia a corte de direitos, devido à propaganda enganosa sobre as reformas (a tributária e administrativa estão na fila), a impedir chance de atenção da patuleia, que terá uma amarga surpresa no bolso no fim do mês.

Reflexões finais

        Ninguém tem dúvidas de que o desfile não teve propósito consistente e válido. Por outro lado, ele foi útil para mostrar uma realidade cuja dimensão talvez fosse ignorada.
        No desfile Bolsonaro quis materializar sua discordância dos limites dos tribunais superiores e da CPI-C19; de se mostrar um presidente "imbroxável e viril" de estilo personalista e capaz de tudo para camuflar suas fraquezas e proteger seus filhos; entreteve a geral enquanto a Câmara silente atuou contra os trabalhadores e Lira zerou seu impeachment.
        Os tanques antiquados denunciaram a má destinação dos recursos públicos para as FFAA. O alto oficialato se enriquece às custas do abandono do arsenal bélico, de tecnologias não renovadas e até da falta de comida para o baixo clero e funcionários dos quartéis.
        Enfim, mesmo quase caindo aos pedaços, os tanques serviram relativamente bem a Bolsonaro e à Câmara. Apesar de tudo.
        
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Imagem: Google

Notas da autoria
1. Na linguagem política e jornalística o termo usado é jabuti, na referência ao surreal "jabuti subir em árvore". Mas o blog prefere chamar de submarino, por dar melhor ideia de algo escondido, que entra no bolo sem nenhum aviso prévio.

Para saber mais
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/08/11/sem-o-centrao-bolsonaro-prova-ser-so-gerente-de-lojade-blindados-antigos.htm
- https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/08/10/sob-a-fumaca-do-voto-impresso-camara-reduz-protecao-aos-trabalhadores.htm

 

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...