terça-feira, 28 de abril de 2020

Corona: Governo vs servidores da saúde

     China: após silêncio inicial, profissionais que atenderam às primeiras vítimas de Covid 19 contraíram a doença; médico que havia anunciado o Corona morreu infectado. Desde então, o governo ergue hospitais em tempo recorde.
     Itália: profissionais de saúde pública se viram em fronts de 24 a 48 horas seguidas para conter a doença que ainda mata bastante. Muitos contraem o Corona, com algumas mortes.
     EUA: no atual epicentro, recordes de mortes e relatos de enfermeiros e médicos doentes e vários óbitos. Governo Trump libera $ 3 trilhões para as empresas de saúde atenderem negros, latinos e pobres após denúncias de discriminação.
     Brasil: profissionais de saúde relatam falta de equipamentos como respiradores, EPIs e a carência de pessoal, obrigando a plantões longos. Por conta disso, estima-se que mais de 3 milhões desses profissionais e outros estejam infectados. Daí para mais.
     Mais Brasil: recorde de mortes em SP levou a mais de 2000 no total estadual desde o início da pandemia. Tendência deve se seguir nos demais estados onde o surto tem sido agressivo, como RJ, AM a CE. 
     Com esse quadro, o país ultrapassou o número neste dia 28/4 o total de mortos da China do período do ápice do flagelo, com mais de 5010 vítimas. E a curva estatística não para de subir e de assustar...
     Prefeito de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, contrai Coronavírus. Caxias hoje é o município da Baixada com os maiores números de infectados e mortos, após manter abertas as atividades econômicas.
     Uma enfermeira se infectou e corre risco em hospital municipal no Rio após intensa rotina de lide no front. Sua mãe não resistiu e sua filha se recupera isolada em casa.
     Em vídeo, filmado em hospital, um médico relata seu sofrimento sintomático por conta do Covid-19 após também ter passado por front de atendimento em hospital público, também no Rio. Ele se recupera bem.
     Outro médico, em Niterói, relata em mínios detalhes a rotina de vestir e retirar seus EPIs disponíveis, procurando não se contaminar. Ele relata adoecimento de colegas médicos e da enfermagem, e a carência de EPIs.
     Profissionais de enfermagem de unidade federal, trabalhando prontamente no front, relatam ter pesadelos e noites mal dormidas por conta de tensões, angústias e o testemunho de colegas que se infectaram no covidário.
     Sem se identificar, servidor da saúde federal denuncia insuficiência e inadequação de EPIs no hospital, bem como denúncia, por sindicato, de carência de servidores da saúde e de EPIs em várias unidades.
     Em Manaus e Fortaleza, a situação é catastrófica sobre os profissionais em decorrência do aumento rápido da epidemia de Corona. Na capital amazonense, os necrotérios dos hospitais estão lotados e há colapso funerário.
     Enquanto isso, em Brasília, os números do MS saltam e o total brasileiro de mortes supera o da China atual, e Paulo Guedes ainda reclama "a necessidade" de corte salarial, pois "o servidor não pode ter a geladeira cheia [...]".
     Antes da pandemia, a hostilidade aos servidores do majoritário baixo clero, que recebem salários baixos e há tempos congelados, já eram hostilizados pelo mesmo Paulo Guedes, que os chamou de "parasitas do Estado". 
     A hostilidade dos governos aos servidores é antiga, transcendendo nas mídias e até no povo. É ainda forte o folclore de servidores que trabalham mal e ganham uma nababa.
     A hostilidade dos governos contra os servidores não se iniciou com o atual, e se espalha nas mídias televisivas, cujas programações tornaram folclóricos o mau atendimento ao público e vida nababesca.
     Porém, a diferença é que no governo atual os ataques estão sendo mais agressivos e bem constantes, e a indiferença do atual ministro da saúde e do presidente ao cenário vivido pelos profissionais do front é assustadora.
     Para ajudar, grande parcela da população, em parte por pressão financeira, se nega a seguir isolamento social e se aglomeram, contribuindo para o crescimento mais rápido da curva epidêmica do Corona.
     Fora os testemunhos, por relatos, vídeos e noticiários, de agressão de populares diretamente contra trabalhadores da saúde pública. A violência é utilizada como instrumento ideológico do governo atual desde seu início.
     Se existe uma lição que o Corona pode deixar para nós é ser, também, usado como objeto do projeto neofascista ultraneoliberal capitaneado por Bolsonaro, Guedes, militares e Teich, para alimentar, em nome do capital, a indústria da morte.
     Mesmo que, para isso, não só permaneçam, como fortaleçam o descaso com a saúde pública e a gravidade da pandemia, a afetar, como infecção e morte, aqueles que se viram para manter ou salvar vidas alheias e sustentar suas próprias famílias.

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Crédito da figura: profissionais italianos entre a exaustão e a angústia, Google.

Veja também: sobre os mitos referentes aos servidores públicos de baixo clero: 
     

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Subnotificações e indústria da morte

     Todos os dias mídias como a Globo News cobrem estatísticas diárias de confirmações de Covid-19 em infectados e mortos. População segue, alguns indiferentes, muitos chocados e outros tantos desconfiados.
     Enquanto a curva ascende aguda, prefeitos recebem uma carta do Exército perguntando da capacidade de seus cemitérios. Em seguida se noticiam construções de covas e gavetas por coveiros, pedreiros e retroescavadeiras.
     Em Manaus, o prefeito Arthur Virgílio chora com a frieza de Bolsonaro com quem dá o seu máximo para oferecer o último adeus às vítimas com o mínimo de dignidade. 
     O Amazonas é o 4º estado no ranking de vítimas da epidemia de Corona, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará.
     Diferente de Mandetta, as atuais autoridades do Ministério da Saúde se limitam em divulgar atualizações das confirmações de Corona. De 20 a 27/04, os mortos saltaram de 2.575 para 4.543, segundo o próprio ministério. Quase o dobro.
     Enquanto isso, em lives, pronunciamentos e ao vivo nas aglomerações populares, Bolsonaro fala da sua santa cloroquina enquanto minimiza o perigo da doença.
     A fala de Bolsonaro só acalma os bolsominions: os muitos relatos de famílias das vítimas sem diagnóstico, hospitais lotados e profissionais de saúde sem EPIs adequados geram forte descrédito popular na instituição.
     Interessante que tudo isso ocorre logo após o soturno empresário Nelson Teich, o popular dr. Morte ou dr. Zumbi, assumir o MS, sem a mínima experiência em saúde pública e tutelado por um general escalado pelo presidente para também maquiar os números.
     É cada vez mais difícil as mídias e as autoridades fecharem os olhos para uma realidade sinistra: a das subnotificações. No Globo de 15/04, entre outras mídias, especialistas admitem que os números reais são muito maiores do que os oficiais.
     As mesmas mídias admitem que as subnotificações saem de cinturões periféricos pobres, onde o poder público é mais escasso e os moradores sofrem com a insuficiência de saneamento básico e com mau acesso a produtos e condições de higiene e moradia.
     A ideologia bolsonarista de desprezo à pandemia, os interesses funerários e de subestimar a realidade da epidemia, a agressividade neoliberal de Guedes e a teimosia de parte da população se convergem para um colapso de saúde pública, social e econômico.
     É no tema econômico, dos interesses do capital financeiro, que essa dança convergente se opera. Daí muitos empresários (alguns deles políticos) apoiarem Bolsonaro em afrouxar o isolamento social e que a população se vire em enfrentar sozinha o vírus.
     E o povo trabalhador, aceitando a ideia de temor da fome e nos cortes de salários, sem receber o coronavoucher, se aglomera em filas imensas à frente da Caixa e da Receita Federal, enfrentando sozinho o perigo invisível.
     Para essas autoridades, empresários e banqueiros o Corona surge como instrumento de uma ideologia fascista neoliberal necropolítica. É a indústria da morte, a serviço do grande capital.
      

Moro e Bolsonaro, a treta sem vencedor


     Após o estrondoso sucesso popular pela condenação de Lula em 2018 pelo nebuloso caso do tríplex de Guarujá, Sergio Moro foi convidado pelo então candidato Jair Bolsonaro para ser seu ministro da Justiça caso fosse eleito. Certo, dito e feito.
     Apesar do derrame de provas forjadas na citada condenação pelo The Intercept, o casamento entre o "herói contra a corrupção" e o "político honesto" pareceu bem ter sido harmonioso. Até essa semana.
     A treta veio quando Bolsonaro exonerou Maurício Valeixo, então diretor-geral da PF. Na sua primeira tentativa de autodemissão, Moro foi convencido por Bolsonaro a ficar, após o chefe prometer manter o diretor. Engodo.
     Em 25/4 se noticiou a exoneração definitiva de Valeixo e de Moro. A primeira foi política, o que levou Moro a se demitir. Bolsonaro se desmentiu ao assumir o motivo político, diferente do postado no Decreto publicado no DOU* no mesmo dia. 
     Tudo isso foi público, na coletiva ao vivo em canais fechados como a Globo News.
     A negação pública do ex-ministro em ter assinado a exoneração de Valeixo abriu portas para se apontar a falsificação de sua assinatura: afinal, Bolsonaro assumiu ter interferido.
     O ex-ministro ainda revelou diálogo trocado com a deputada bolsonarista Carla Zambelli, que tentou convencê-lo de aceitar Ramagem para substituir Valeixo. Na conversa, ele disse "não estar à venda". A conversa foi publicada pelo Jornal Nacional.
     Sergio Moro revelou ter aceito o convite ao MJ só porque Bolsonaro havia lhe dado a carta branca para nomear o diretor da PF. Normal: a instituição está subordinada ao ministério. 
     Braço-direito de Moro, Valeixo substituiu o diretor anterior, que investigava a morte de Marielle. Em suas investigações, descobriu a ligação de Carlos Bolsonaro com o gabinete do ódio, que divulga fake news. Ponto perigoso.
     A revelação sobre Carlos e o gabinete do ódio levou às vias de fato já mencionadas e de conhecimento público.
     Avaliação: a princípio, Bolsonaro se sai vitorioso na treta. No aparelhamento da PF e do MJ pelas nomeações respectivas de Alexandre Ramagem e Sérgio Oliveira, ambos próximos dos Bolsonaro, e ao conseguir apoio da maior parte do Centrão (PSD, DEM, MDB).
     O apoio do Centrão foi por conta dos muitos pedidos de impeachment pelos vários crimes do presidente. Somente um pedido foi apreciado pelo presidente da Câmara, o Rodrigo Maia (PSD-RJ), antes desse apoio.
     Os pedidos protocolados foram feitos por movimentos diversos como os partidários (de esquerda e direita), associações de juristas e magistrados, movimentos sociais, etc. 
     Com relação aos partidos políticos, há duas curiosidades: o ex-partido de Bolsonaro, PSL, protocolou também; já o PT não, por desconsiderar necessidade de impeachment.....
     A exclusão do PT, partido majoritário em cadeiras na Câmara, pode contribuir para rachar a sua própria popularidade enquanto partido de oposição ou, na origem, de esquerda. Esse seria um momento propício para o PT e toda a esquerda.
     Já Moro, atualmente sem cargo judiciário ou político, pode parecer perdido a princípio. Ele sabe que sua impopularidade cresceu graças ao irascível fã-clube do presidente ao sair do MJ, se juntando paradoxalmente à esquerda, mas por causas distintas.
     Mas deseja prosseguir na vida política, mesmo sabendo se incerta a sua vitória logo numa primeira eleição. Ainda assim, sabe que vale a pena encarar o momento.
     Mas, há triunfos na manga: ele sabe das condutas duvidosas dos Bolsonaro, e que tem sido bengala de parte importante da popularidade do presidente, e daí este ter maior rejeição agora.
     Sabe de seu público fiel, que acredita em sua ética enquanto ministro, apesar da conduta ilegal condenada por juristas renomados, sobre o caso Lula. E é esse público, mais concentrado no seu natal Paraná, que pode elegê-lo politicamente.
     Por ter jogado merda no ventilador, conforme dito popular, não só fez aumentar a rejeição popular ao presidente. Também o fez com a deputada bolsonarista Carla Zambelli, que quis demovê-lo de sair usando conduta bastante duvidosa.
     E, finalmente, ter se saído vivo e ileso da complicada convivência com a política duvidosa dos Bolsonaros e de sua furiosa parte aliada no Congresso. E aí pode estar a sua incerteza. No fundo, sabe que está exposto, a sombra da morte à sua espreita.
     No final, o duelo não tem vencedores. Mas muita incerteza quanto ao futuro dos dois agora inimigos. O presidente não saberá se continua politicamente, e o ex-ministro não sabe até quando se manterá longe de possíveis ameaças futuras.

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*DOU - Diário Oficial da União, acessível somente on-line.
     

terça-feira, 21 de abril de 2020

Por que Corona e meio ambiente?

     Enquanto a maioria dos governantes se vira em políticas de saúde para conter o avanço da pandemia, e alguns ajudam o sistema financeiro, outros olham algo ignorado pelos grandes: o meio ambiente.
     De fato, é como se as autoridades tivessem se esquecido do tema do meio ambiente, por causa de cobranças mais urgentes, na saúde coletiva.
     Enquanto a pandemia roubava a cena e muitos choravam os seus mortos, algumas mídias reportaram mudanças ambientais positivas: basta o homem se recolher para que a natureza se mostre.
     Nas metrópoles chinesas e indianas, gerações mais novas puderam ver, pela primeira vez, um céu azul de dia e estrelado à noite, após a dissolução da densa nuvem de poluentes da rica indústria local.
     Águas límpidas e piscosas nos canais de Veneza após tanto tempo quase opacas e sem vida. No Brasil se observou ligeira melhora da qualidade da água na degradada baía de Guanabara, no Rio.
     Em vários países do mundo, pessoas registraram as populares "trombetas do apocalipse" do céu, resultantes dos deslocamentos maciços de gases da atmosfera, não vistos antes. Como se vê, nada bíblico, é pura ciência.
     Isso levantou uma verdadeira onda de esperança coletiva sobre as possibilidades do planeta. Inclusive ao ponto de algumas mídias considerarem uma capacidade de rápida regeneração da natureza. Bem, nem sempre assim.
     Já foram feitas pesquisas sobre essa regeneração natural. A velocidade de recuperação varia muito com as características do meio físico como um todo: clima, cobertura climática, tipo de solo, biodiversidade, etc.
     Em climas tropicais, savanas, estepes e cerrados tendem a se recuperar mais rápido que as formações florestas densas. Os primeiros dependem, inclusive, do ciclo fogo-água para isso. É o que acontece na América tropical, África e Austrália.
     As florestas subúmidas da Europa mediterrânea e do sudoeste da América do Norte também se recuperam com relativa rapidez. A biodiversidade arbórea é menor e a retenção de água se concentra nas raízes, protegidas abaixo da superfície.
     Interessante é a floresta australiana: mesmo nas áreas mais úmidas e diversas, a formação florestal arde e se recupera com rapidez em reação a tempestades torrenciais após incêndios fortes. Mesmo em 2019 foi assim, apesar do fogo descomunal.
     Agora, as florestas úmidas da América tropical e África centro-ocidental se recuperam bem mais devagar. A Amazônia precisará de dois séculos para retornar ao que era. 
     Nas cidades, as plantas das ruas e fachadas das construções estão mais viçosas e pássaros trinam com mais frequência e veemência nas árvores das ruas e fiação dos postes.
     O brasileiro parece não se preocupar com isso: só neste trimestre de 2020 sumiram uns 200 km2 a mais de Amazônia. E ninguém falou absolutamente nada.
     Os navios cargueiros de países ricos ainda despejam o lixo em regiões longínquas. Alguns litorais filipinos, indonésios, malaios e africanos são muito poluídos. O lixo nuclear tornou o Mar do Norte proibitivo à pesca há tempos. 
     Assim como a hantavirose hemorrágica da América tropical, o Corona resulta dos estragos ambientais e não de incidente laboratorial como insinuam alguns. Os ataques continuados mostram o quanto ainda se deve evoluir em termos educativos.
     A evolução educativa necessária para uma melhor relação com o meio ambiente deveria ser simples, mas na prática não: demandará muito tempo de sacrifício árduo por parte de governo, educadores e sociedade. A eterna ambição capitalista poderá impedir essa evolução.
     Mas chegará um dia que essa evolução se fará inevitável, e quando estiver mais plena, é certo que não estejamos mais por aqui. Mas um dia acontecerá. E quem sabe, determinada pela necessidade urgente de salvar o planeta para salvar a humanidade.
     Quem viver, verá. E deixará registro para a posteridade.
     
     
     

     
     
     
     

domingo, 19 de abril de 2020

Nelson Teich e a saúde da economia capitalista

     Com a entrada de Nelson Teich no lugar de Mandetta no Ministério da Saúde, uma nova política relativa à epidemia de Coronavírus já começa a ser ensaiada.
     Tal política, já idealizada por Bolsonaro, foi reforçada pela fala do novo ministro de que a sua política de saúde seria alinhada à do presidente.
     Esse alinhamento pode ser ideológico, ao ponto do pragmatismo: o novo ministro e o chefe se direcionam em salvar a economia de mercado.
     O novo ministro vem sendo criticado como alguém que desconhece a saúde pública - um perfil que Bolsonaro considera adequado para as suas pretensões. 
     Nelson Luiz Speerle Teich é carioca. Formou-se em Medicina na UERJ, se especializou em Oncologia no INCA. Fez MBA em Administração em Saúde na COPPEAD/UFRJ e MBA em Gestão de Negócios no IBMEC.
     COPPEAD é o Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da UFRJ. Já o IBMEC é o Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais. O CV do sujeito mostra a formação bem talhada para um perfil totalmente empresarial.
     Teich fundou o Grupo Clínicas Oncológicas Integradas (COI), que foi comprado em 2015 pela UHG/Amil, e é presidente de honra da ONG ligada ao COI, que presta pesquisas clínicas em oncologia. Foi presidente do COI até 2018.
     Consultor em saúde na campanha de Bolsonaro, foi convidado por este para ser ministro, mas preferiu assessorar a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do MS. É possível que tenha influenciado nas oscilações do ex-ministro...
     Daí ter sentido as críticas do público opositor sobre a escolha de Teich assumir o MS, que se volta especialmente ao SUS, ainda que o setor privado siga regras de saúde determinadas pelo Ministério.
     Mas, entre os apoiadores, a visão é a de que a formação dele subsidie a gestão da política de saúde pública, a partir de seus conhecimentos. Como Bolsonaro diz, "um técnico".
     Porém, os apoiadores parecem não saber que a atuação do ministro é também política, na nossa cultura. Via de regra, os ministros são nomeados pelo presidente conforme as afinidades políticas. Foi assim com Mandetta. E agora com o próprio Teich.
     Sobre respiradores, Teich deu a entender que faltam recursos, e que deveriam ser usados apenas em casos específicos e graves. Deveria saber que, no cotidiano médico é difícil, se não impossível, mensurar com tanta precisão os casos específicos no Covid-19.
     É interessante que, em relação à pandemia, ele fosse favorável ao isolamento horizontal antes de ser ministro. Agora virou a casaca: isolamento só para idosos, e os mais jovens "ao trabalho, para salvar a economia". Sem mais critérios.
     Ora, como médico, ele sabe que não há regra rigorosa de idade para haver doenças crônicas ou graves, que formam em seus portadores um grupo de risco importante para o Corona.
     Que o diga crianças, adolescentes e adultos jovens que passaram ou passam por eventos de câncer, cardiovasculopatias congênitas ou não, insuficiências específicas como a renal crônica. Não há uma regra em absoluto.
     Um verdadeiro susto na comunidade médica internacional, na qual Teich é conhecido por suas pesquisas numa categoria patológica grave. Como um estudioso desses ignora os riscos inerentes à pandemia, e adota uma postura dessas por mera convicção ideológica?
     Como foi dito acima, um ministro adota um papel político mesmo não sendo político de cargo. A nomeação foi muito conveniente a Bolsonaro e Teich, cuja afinidade aporta novo papel ao Ministério: o da Saúde da Economia Capitalista.
     
     
     

sábado, 18 de abril de 2020

Sai Mandetta e entra Teich: a política da incerteza

     O dia 16/04/2020 entrará para os anais de História brasileira por dois motivos: a troca de ministros da saúde em plena explosão de Corona no país. Algo nunca visto antes.
     Transmitido por noticiosos de TV fechada como GloboNews, BandNews, BBC e outras, o discurso de despedida de Mandetta foi acompanhado pela população. Gritos bem entusiásticos de "MITO!!!" ecoaram em contraste com os adversários panelaços nas cidades.
     Se os bolsonaristas amaram o desfecho, os demais segmentos da patuleia tiveram mais nojo ainda. Como o fã-clube é bem menor que o total de eleitores de Bolsonaro, a impopularidade deste aumentou.
     Não dá para saber se o orgulho presidencial vai aguentar mais uma boa dose de rejeição. Só o tempo dirá. Enquanto isso, Mandetta sorri ante à momentânea popularidade.
     Parece um troco espírita: exatamente 4 anos após o SIM à deposição de Dilma Rousseff, ele é demitido por Bolsonaro. A decisão dada no MS, que o popularizou, enciumou o narcísico chefe que queria a direção oposta.
     A treta entre os dois já existia antes, devido às visões opostas sobre o isolamento social. A coisa explodiu porque o presidente não aguentou mais se morder de tantos ciúmes, tornando insuportável o clima para a permanência.
     Mas o detonador foi a entrevista concedida por Mandetta ao dominical global Fantástico, neste dia 12/4. Nele, o ex-ministro disse: "uma dubiedade [...] o povo não sabe se escuta o ministro ou ou se escuta o presidente". Um recado claríssimo e direto.
     Essa entrevista lhe soou como inoportuna, pois em seguida se sentiu ex-ministro, saindo quatro dias depois de meramente cumprir tabela. 
     Do DEM, partido de privatistas, Mandetta já fez apologia à privatização do SUS em sua passagem como deputado, e votou favoravelmente à PEC dos gastos, a popular PEC da Morte criada no governo Temer, em 2017.
     Durante todo o tempo, não houve novas contratações para cobrir o déficit de servidores na saúde pública devido a aposentadorias. A convocação de frente foi um disfarce grotesco para cobrir dispensas por infecção/morte por Covid-19.
     A sua popularidade se deveu por sua campanha pelo isolamento, enfrentando a posição contrária do presidente, que prioriza a economia num momento de preocupação em combater a pandemia: a economia se recupera depois, vidas não.
     E esse momento final pareceu a sua redenção enquanto médico e enquanto homem, numa nova visão, mais humana do SUS, se continuasse ministro. Mas Bolsonaro queria um à sua imagem e semelhança.
     Tomou posse, em seguida, Nelson Speerle Teich, sujeito de expressão e olhar sombrios, médico oncologista e empresário da saúde. Pareceu defender o isolamento horizontal, nem afirmou a suposta eficiência da cloroquina.
     Mas, como todo empresário em saúde, é apologista da privatização do SUS, e foi consultor em saúde na campanha de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. foi convidado para ser ministro, mas se recusou.
     A recusa, porém, não o impediu de trabalhar como elemento da equipe de gestão Mandetta no MS. O que pode ter gerado subsídios para a oscilação do ex-ministro na questão da crise do Corona.
     Se antes enfatizava o valor do isolamento horizontal, agora não se sabe: durante o discurso de posse prometeu se alinhar com o presidente, prometendo participar dos tratamentos com a cloroquina do amado megaempresário Donald Trump.
     É interessante que justamente nesse momento que o Exército Brasileiro enviou comunicado aos municípios fluminenses sobre as capacidades dos cemitérios locais... exemplo que decerto se estenderá por todo o Brasil.
     Mas, tudo ainda são incertezas. Quem viver, verá o desfecho final.


     

     
     
     


sexta-feira, 10 de abril de 2020

Fria análise: Mandetta e a saúde federal

     Se o último artigo objetivou a análise do pronunciamento de Bolsonaro em cadeia de rádio e TV, este visa analisar, com a frieza necessária, a fala do ministro Mandetta, que ocorreu antes, sobre a saúde federal.
     Com o crescimento acelerado dos casos de Corona nesta semana, Mandetta foi indagado pelos jornalistas sobre o colapso na saúde pública, centrando-se nos hospitais federais.
     A fala ocorreu após dois momentos: a desistência do presidente em demiti-lo via general Braga Netto, e uma declaração esdrúxula de um Mandetta recuado, de que com o tempo, "o povo se curará com chá".
     Nessa situação, Mandetta foi indagado por jornalistas sobre a atuação da saúde federal com a pandemia. A sua resposta presumiu a isenção das unidades federais num contexto um tanto intrigante, com importantes pontos obscuros postos a seguir.
     Segundo ele, os quadros de servidores dos hospitais e institutos federais estão idosos, "sem renovação, muitos se aposentando". E como motivo, apontou a "falta de concursos há mais de 20 anos".
     De fato, na saúde federal se concentram os concursados mais velhos. Porém, poucos em fim de carreira: a faixa etária dominante é de 35 e 45 anos, graças aos concursos de 2005 e 2009, para Rio de Janeiro e Brasília, respectivamente.
     O de 2005 foi amplo, para cargos de nível médio (administrativo e técnicos em várias áreas) e superior, também em várias áreas. de 2009 foi específico para lotação em Brasília e abrangeu várias áreas de nível superior, e o único de nível médio de técnico contábil.
     Seja como for, nestes dois concursos RJU foram nomeados aprovados relativamente jovens em grande número. Desde então, os afastados por aposentadoria e outros motivos estão sendo substituídos por terceirizados privados e contratados temporários da União (CTU).
     Desde a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) por lei específica de 2011, não há mais concursos RJU na saúde federal, e nem nas esferas municipal e estadual, graças às Organizações Sociais (OSs) que terceirizam serviços de saúde.
     As autoridades alegam que a substituição de RJU por CTUs e terceirizados facilita chamar novos profissionais para cobrir a lacuna dos antigos que se aposentam. Mas a rotatividade tem precarizado o serviço e agravado a crise de pessoal.
     Pior: estão mais esporádicas as novas contratações de CTUs para cobrir colegas em fim de contrato ou RJUs a aposentar. Tudo isso e a propaganda irresponsável de Bolsonaro sobre a cloroquina se somam num cenário perigoso no enfrentamento da pandemia.
     Esses pontos obscuros e as omissões e erros de Mandetta sobre o pessoal da saúde federal tornaram sua fala esdrúxula e ridícula, evidenciando o fato de que o ministro foi estratégico em se calar aos caprichos do presidente para a coisa não ficar pior para o MS.
     No cenário de representatividade nos quadros do governo, ninguém ainda é melhor do que Mandetta para segurar esse terrível jogo político na saúde pública. Antes ele do que olavistas como Osmar Terra e o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres.
     Quem sabe, diante dessa mixórdia em que se meteu e a realidade da pandemia, que não ignora, Mandetta abra os olhos e pense no quanto o SUS é sempre imprescindível como o único caminho para evitar uma tragédia de "proporções bíblicas".
     É só olhar para o completo caos na saúde dos EUA, que é totalmente privada e não evitou a tragédia que se abate sobre os estadunidenses. Então, viva o SUS!
     
     

Análise do (im)pronunciamento necropolítico


     Essa noite houve o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, centrado no assunto do momento que é a pandemia de Covid-19.
     O pronunciamento mal durou cinco minutos, e já foi suficiente para uma análise bastante peculiar. Como é de se esperar dele, mais pelos apontamentos negativos do que positivos.
     Foi a repetição clara de um discurso, em que o presidente agora parece reconhecer a pandemia, mas mal escondendo o que realmente considera sobre ela.
     Pandemia: o presidente parece agora reconhecer a gravidade do problema, que agora entra na sua fase mais grave de expansão no país - justamente quando ele resolve brigar com Mandetta, ministro da Saúde.
     Hidroxicloroquina (cloroquina): o presidente agiu como garoto-propaganda, garantindo ser a cura para o Covid-19. A atuação do antimalárico e imunomodulador sobre o vírus ainda está sendo estudada, portanto, a afirmação pública do presidente improcede.
     O fármaco tem graves contraindicações, como forte ação deletéria na função renal, daí ser muito perigoso em pacientes predispostos. Acima de 2 gramas pode matar um adulto, o que implica em preferir o uso hospitalar no Covid-19.
     Mas há uma razão forte para tamanha propaganda: o presidente Trump (EUA) também faz o mesmo no seu país, atual epicentro global da pandemia. Claro: ele é sócio da farmacêutica que fabrica o fármaco. Logo, a propaganda é muito interessante...
     Isolamento: Bolsonaro defendeu o isolamento vertical, aplicável somente para os idosos e grupos de risco. Perigoso, pois o Corona é para todos. Daí a OMS, Ministério da Saúde e toda a classe científica recomendarem a forma horizontal, aplicada a todos.
     O isolamento vertical já era defendido pelo presidente, que no rolê em Brasília deixou claro para os populares com quem tirou selfies. Junto ao desgaste com Mandetta, isso estimulou a população a voltar às ruas nos grandes centros urbanos brasileiros.
     Resultado: explosão no número de infectados (mais de 100%) e de mortos (217%) só nos últimos três dias. Em plena semana que a alegria do chocolate deu lugar prévio à dor e ao luto aos familiares das vítimas.
     Os números revelam a maior taxa de mortalidade por Covid-19 do planeta: 5%, contra os 2 a 2,5% da média global. Uma mostra de como a supervalorização da ignorância, em lugar de receber a recomendação médica, pode ser fatal.
     Na fala, o presidente prestou condolências ao povo dos EUA, que enfrenta, sim, uma grande tragédia. Às vítimas brasileiras, muitas delas seus apoiadores, entretanto, conduziu um solene, silencioso e total desprezo.
     O cultivo da ignorância anticientífica, anarcocapitalismo da aliança com Guedes e Trump e tendência genocida contra LGBTQs, camadas populares periféricas urbanas e rurais e povos originários e tradicionais são marcas típicas da necropolítica do bolsonarismo. 
     Portanto, o (im)pronunciamento em cadeia de rádio e TV não surpreende. Apenas reforça outro comportamento revelador da ideologia bolsonarista. Quem viver, verá.
     

Crédito da imagem: meme de isolamento, Google (cedida por r7.com.br)       

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Corona e humanitarismo: é possível?

     Especialistas econômicos de todo o mundo têm exposto a preocupação com o futuro da economia global por conta da pandemia de Covid-19.
     De fato, nunca imaginaram que um vírus se espalhasse tão rápido e tivesse tamanho poder de contágio, de um infectado para dois receptores e meio.
     Claro que ele foi muito favorecido pelas intermináveis e constantes viagens a longas distâncias em tempos bem curtos, e pelo desprezo de certos governantes por aí ao seu perigo.
     O meio de frear esse poder veio: o recolhimento social, que virou decreto de governo em vários países, mesmo após algum tempo. Ruas, parques, praias, clubes vazios. Eventos públicos cancelados. Indústrias e comércios não essenciais parados. 
     Permanecem ativas só as áreas alimentar, de vestuário e insumos para procedimentos em todas as áreas da saúde, e trabalho bancário racionado. Só o essencial.
     Se alguém sai, a máscara é item rotineiro, e ouvidos escutam sons diferentes. Pássaros piam e cantam em árvores nas calçadas, praças e parques, ondas em praia próxima se quebram em um belo som.
     Em Xangai e Pequim jovens e crianças veem o céu é azul pela primeira vez; canais de Veneza estão piscosos e transparentes, ilhas de calor urbanas desaparecem satélites registram o sumiço de áreas poluídas.
     Enquanto alguns governos doam bilhões ou trilhões aos bancos, muita gente presta mais atenção ao próximo ou vizinho mais vulnerável ou gravemente doente num hospital insuficiente em recursos humanos, materiais e financeiros.
     Povos alijados por poderosos e cúmplices políticos passam a ser mais lembrados nas redes sociais por usuários, e movimentos coletivos de saúde como Cruz Vermelha e Médicos Sem Fronteiras, enfrentam o avanço do Corona nas zonas de fome, miséria e doenças.
     Junto a esses movimentos surgem artistas famosos e bilionários filantropos que doam, respectivamente, somas vultosas e insumos hospitalares para profissionais de saúde e procedimentos médicos diversos.
     Até no Brasil, o ódio ideológico foi amenizada pela solidariedade de muitos aqui e ali, nas capitais, adjacências e interior, mesmo com o isolamento e na dificuldade financeira crescente por conta das barreiras de Guedes.
     O que ocorre? Porque essa onda humanitarista e coletivista invade o mudo e pessoas? É mudança de mentalidade no sistema capitalista? Como reage o mercado financeiro às atitudes de governos frente à pandemia?
     Tudo tem uma resposta nada humanista: o vírus atinge bem sem ver a quem. Não há distinção de status socioeconômico, cor, etnia, valores, sexo, gênero, regime político. É a essência democrática mais pura, única no globo todo, pandêmica.
     Com alguns colegas adoentados, rentistas e megaempresários agora encaram o Corona de outro jeito, lhe sentindo o poder inaudito dentro do invisível: ele atinge todos, do mais rico ao mais miserável, indistintamente. 
     É então que os governantes passam a agir com mais veemência contra o intangível inimigo comum: já percebem que os poderosos querem o seu combate a todo custo e querem o povo vivo para aquecer o mercado movendo o capital.
     Apesar da manutenção ensejada pelos poderosos, o vírus mostra para que veio. Esse poderoso mecanismo da natureza veio para mudar. O capital não vai acabar, mas algo vai mudar, quiçá para melhor. Quem viver, verá.


Créditos:
     

CURTAS 98 - ANÁLISES (Brasil- Congresso)

  A GUERRA POVO X CONGRESSO                     A derrota inicial do decreto do IOF do governo federal pelo STF foi silenciosamente comemo...